Foto: Leonilda Apurinã
Ao longo de três dias de mutirão, 786 pessoas foram atendidas, beneficiando não apenas o povo Apurinã, mas também os Jamamadi, Jarawara e Deni que vivem no território
Por Helena Corezomaé/OPAN
A Terra Indígena (TI) Caititu, em Lábrea, no Amazonas, sediou um mutirão classificado por suas lideranças como histórico para os povos que ali residem. Longe de ser uma simples “ação social”, o evento se configurou como uma materialização de direitos, impulsionada pelo protagonismo direto dos povos indígenas deste território para enfrentar violações sistêmicas, especialmente a carência de acesso a benefícios previdenciários e assistenciais.
A semente para essa conquista foi plantada nas oficinas de direitos indígenas que integram as atividades do projeto Defensoras e Defensores Ambientais, facilitadas pela Operação Amazônia Nativa (OPAN) no território, em articulação com a Federação das Organizações e Comunidades Indígenas do Médio Purus (Focimp) e a Associação dos Produtores Indígenas da Terra Indígena Caititu (APITC). Após um ciclo formativo de cinco módulos, que culminou em uma oficina prática de incidência, os participantes escolheram focar na violação que mais os impactava: a negativa de acesso a direitos previdenciários e assistenciais.
Essa decisão foi seguida por um levantamento de demanda que alcançou 23 das 33 aldeias da TI Caititu. O resultado confirmou a urgência da situação: mais de 1.500 pessoas necessitavam de atendimento, abrangendo não apenas a área previdenciária, mas sobretudo questões documentais essenciais, como a retirada de segunda via de registro, retificação, documentos tardios, CPF e RG.

De acordo com o indigenista da OPAN, Renato Rodrigues Rocha, o engajamento dos povos da TI Caititu pela consolidação dos seus direitos fundamentais como o da documentação civil, é uma forma de evidenciar o dever do Estado de reparação por injustiças históricas rumo à efetivação de uma democracia plena. “Sem a documentação civil, que concretiza o direito fundamental de personalidade, a existência destes povos é completamente invisibilizada, impedindo que tenham materializados demais direitos garantidos, tais como o direito à participação, informação, acesso à justiça e proteção”, ressaltou.
A articulação da justiça na aldeia
O levantamento detalhado e a mobilização interna permitiram que a Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE), representada pelo defensor João Gustavo Fonseca do Núcleo de Direitos Indígenas de Lábrea, articulasse o mutirão.
A ação de justiça foi levada diretamente para a Aldeia Novo Paraíso, na TI Caititu, contando com a presença coordenada de diversas instituições: a DPE (com quatro defensores e equipe completa para triagem), a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) – que realizou atendimentos e perícias –, além do Cartório de Lábrea, do setor médico da Secretaria de Saúde Municipal de Lábrea e Secretaria de Assistência Social.
Ao longo de três dias de mutirão, aconteceram 786 atendimentos, beneficiando não apenas os Apurinã, mas também pessoas dos povos Jamamadi, Jarawara e Deni que vivem no território, bem como indígenas residentes na cidade de Lábrea que puderam receber o atendimento na Terra Indígena.

O significado histórico e a concretização de direitos
A advogada da OPAN, Márcia Dias, destacou a dupla importância do mutirão. A primeira é a materialização dos direitos, pois, dentro do território, requerimentos de benefícios foram feitos ao INSS, perícias marcadas e retificações de registros foram realizadas. Segundo ela, “o maior benefício foi justamente a concretização dos direitos do povo”.
Ela enfatizou ainda o significado simbólico do evento, ao recordar as falas das lideranças que afirmaram ser um fato histórico dentro da TI Caititu, e o empoderamento das comunidades: “Foram elas, foram eles, que provocaram, se indignaram, estudaram, fizeram o levantamento. Se sentiram muito potentes, muito capazes, dizendo com mais firmeza que podem. Esse momento os uniu muito, especialmente as defensoras e os defensores de direitos indígenas da Terra Indígena Catitu e as organizações do povo”, declarou Márcia.

O relato da defensora indígena Leonilda Souza da Silva, da aldeia Boa Vista, mostra o impacto do mutirão, que ela classificou como “um acontecimento que nunca tinha visto no território”. Ela lembrou as dificuldades e a discriminação enfrentada anteriormente, quando, segundo ela, equipes do INSS negavam atendimento questionando a identidade indígena.
“O defensor Gustavo trouxe todas as instituições para dentro do território Caititu e lá o atendimento era presencial e ele estava ali junto com a gente, não tinha como eles negarem mais nada, porque eles tinham que aceitar e tinha que acatar o nosso pedido porque ali no momento estava tendo a Defensoria Pública com nós. Muitas pessoas tiraram segunda via do documento, deram entrada em benefícios sociais”, relatou Leonilda.
O sucesso da ação foi resumido pelo defensor de direito indígena e coordenador financeiro da APITC, Pedro Antonio Gomes de Assis, não só como uma realização pessoal, mas coletiva: “Pra gente foi maravilhoso. Uma conquista nossa, da gente como defensor e como organização junto com os parceiros”.
O mutirão demonstrou que o caminho para a justiça e a reparação de violações é pavimentado pela organização, pelo conhecimento dos direitos e pela incidência direta das próprias comunidades, fortalecendo a confiança no trabalho de suas organizações, como a Focimp e a APITC.
Defensoras e Defensores Ambientais
O Projetos Defensoras e Defensores Ambientais é uma iniciativa que tem o objetivo de promover a democracia ambiental e a proteção das defensoras e defensores do meio ambiente no Brasil. Além da OPAN, integram o projeto a Transparência Internacional Brasil, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), o Instituto Centro de Vida (ICV) e o Instituto Ethos. Os trabalhos são realizados com apoio financeiro da Agence Française de Développement (AFD).
Fonte: https://amazonianativa.org.br/2025/12/16/mutirao-concretiza-direitos-na-terra-indigena-caititu/
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