Material pedagógico já é usado em outros países da América do Sul e será adaptado pela primeira vez vez no Brasil na Terra Indígena Marãiwatsédé, em Mato Grosso.
Brigadistas combatendo o fogo na TI Marãiwatsédé durante período de seca – Foto Lola Rebollar
Por Túlio Paniago/OPAN
Uma mochila, um tecido de pano com dezenas de figuras relacionadas ao fogo a partir da cosmogonia Xavante e uma cartilha pedagógica adaptada à cultura local. Estes elementos compõem a Mochila de Prevenção de Incêndios Florestais, ferramenta pedagógica já utilizada em comunidades no Peru, Equador, Colômbia e Paraguai e que, pela primeira vez, está sendo implementada no Brasil, mais especificamente na Terra Indígena Marãiwatsédé, localizada no leste mato-grossense.
A experiência brasileira é fruto de uma parceria entre o povo Xavante de Marãiwatsédé e a Operação Amazônia Nativa (OPAN), com apoio da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) e o Serviço Florestal dos Estados Unidos (USFS) . A proposta é adaptar os materiais de formação ao contexto cultural Xavante, envolvendo membros da brigada local, professores, jovens, anciãos e líderes indígenas. O objetivo é que haja uma redução dos incêndios a partir da sensibilização e da aplicação de práticas sustentáveis de manejo integrado do fogo, mas sem perder de vista o seu uso tradicional.
“Tivemos muitas conversas visando entender com maior profundidade a cultura tradicional do fogo e o que esse elemento significa para os Xavante. Assim, a partir das condições culturais e territoriais, a ideia é provocar um diálogo comunitário para novos acordos e práticas, o que não significa anular ou substituir práticas tradicionais, mas refletir sobre como a tradição e a cultura poderiam se adaptar para dar conta dos novos desafios”, explica Lola Rebollar, indigenista da OPAN e coordenadora do projeto.
A elaboração da Mochila de Prevenção de Incêndios Florestais passa por quatro etapas: pactuação e desenvolvimentos dos temas junto à comunidade; construção dos materiais em diálogo com as aldeias; validação pelos Xavante; e implementação do projeto piloto. As três primeiras etapas já foram realizadas e o material está previsto para ser concluído no primeiro semestre de 2023, já podendo ser utilizado para trabalhos de prevenção.
“Os caciques e cacicas ficaram muito contentes com a etapa de validação, gostaram do trabalho. Essa mochila será importante para que nossos alunos, juntamente com a comunidade, possam tomar conhecimento da importância do fogo e do manejo adequado”, ressalta o professor Boaventura Walua Xanon, um dos três facilitadores indicados pelo povo para acompanhar o projeto.
A partir de experiências bem-sucedidas em outras comunidades latino-americanas, a expectativa é que os bons resultados também sejam replicáveis em territórios indígenas. “É uma ferramenta que tem facilitado muito o diálogo e educação ambiental nas comunidades, além de dar visibilidade ao trabalho de brigadistas. As parcerias locais junto às pessoas que vivem nestas comunidades são protagonistas na prevenção do fogo. Reconhecemos que com as condições de fogo cada vez mais severas, precisamos multiplicar os esforços, sempre valorizando o contexto do local”, detalha Jayleen Vera, coordenadora do programa Brasil do Serviço Florestal dos Estados Unidos.
Trata-se de um material pedagógico que tem como público principal os Xavante de Marãiwatsédé, de modo que sua implementação será protagonizada por membros da comunidade, sejam eles brigadistas, agentes ambientais ou professores. “Esse material será bem sucedido se levar a algumas mudanças ou incorporação de novas práticas para prevenção de incêndios frente aos novos desafios contemporâneos”, avalia Lola Rebollar.
Contexto histórico da TI Marãiwatsédé
Os Xavante de Marãiwatsédé serão pioneiros no Brasil na implantação da Mochila de Prevenção de Incêndios Florestais. Esta escolha não é casual, uma vez que o povo lida frequentemente com incêndios, afinal mais de 70% da vegetação nativa foi substituída por pastagens. Esse processo ocorreu no período de mais de 40 anos em que o povo foi mantido longe de seu território tradicional em favor de interesses de latifundiários. Retirados pelo Governo Federal em 1966, os Xavante só conseguiram retornar em 2004, sendo que a desintrusão de posseiros e fazendeiros do território só ocorreu em 2013.
“Quando voltaram após a desintrusão, encontraram o território devastado, transformado em pasto. E a cultura de manejo de fogo é muito importante do ponto de vista cultural, como no ritual da caçada Xavante, onde se usa o fogo para manejar o Cerrado e conseguir alimentos, além de fortalecer a cultura tradicional junto às novas gerações. Enfim, eles encontram um território onde essas práticas se tornaram inviáveis, pois, além do território devastado, hoje ainda há o agravante das mudanças climáticas e incêndios criminosos cometidos no período da seca por pessoas de fora da TI”, contextualiza Lola Rebollar.
Mochila de Prevenção de Incêndios Florestais
Desenvolvido em 2020, o Programa Regional Fogo para a América do Sul surgiu como resposta ao aumento dos incêndios no continente. A iniciativa da USAID e do USFS reúne parceiros e aliados na região. O programa trabalha com várias entidades oficiais e privadas, universidades e comunidades indígenas, apoiando com recursos técnicos e humanos, especialmente no vasto território amazônico.
Nesse contexto, a mochila se apresenta como uma metodologia inovadora para sensibilizar e fundamentar comunidades no que diz respeito às temáticas educativas de manejo integrado do fogo, tornando-se um instrumento estratégico para a prevenção de incêndios em larga escala, que estão aumentando em tamanho, frequência e intensidade nos últimos anos.
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