O acesso da população negra à justiça foi eixo dos debates que contaram com a participação da procuradora federal dos Direitos do Cidadão

As instituições de justiça no Brasil são racializadas desde sua origem e trazem os resquícios da colonialidade, do patriarcado e da escravidão – marcas que fundaram as bases históricas de nossa sociedade.

Esse foi o foco de abordagem da procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, durante o grupo de trabalho “Acesso da População Negra ao Sistema de Justiça”, que integrou as atividades da IV Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Conapir). A Conferência se dá no bojo das atividades da Década Internacional do Afrodescendente (2015-2024) e destaca temas como reconhecimento, justiça, desenvolvimento e igualdade de direitos.

No encontro, a PFDC apontou que a história colonial e escravocrata brasileira conformou um modelo penal que busca apartar e também exercer controle sobre grupos específicos. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revelam que, no Brasil, pessoas negras morrem 133% mais do que indivíduos brancos. Quando se trata da população jovem, são 28,3 brancos mortos a cada 100 mil habitantes, enquanto para a juventude negra o índice alcança 72 a cada 100 mil. “Estamos falando de uma política deliberada de genocídio da juventude negra”, pontuou Deborah Duprat.

A procuradora federal dos Direitos do Cidadão também chamou atenção para o grave quadro de super encarceramento dessa população. Em dezembro de 2017, o número de pessoas presas no Brasil chegou a 726 mil, de acordo com o Infopen. Segundo o órgão, 64% dos presos são pessoas negras e 55% têm entre 18 a 29 anos. “É preciso lembrar que o sistema socioeducativo também reproduz esse perfil e que também têm na política de drogas a maior causa de encarceramento de jovens negros e das periferias”.

Além de maior dificuldade no acesso ao sistema de justiça – inclusive no que se refere à apuração de homicídios, visto ser recorrente a utilização do artifício do “auto de resistência” como justificativa para a violência policial contra essa população – há também um apequenamento da questões raciais levadas às instituições de justiça.

“No caso de denúncias de injúria racial, por exemplo, há estudos que apontam que grande parte dos registros feitos pelas delegacias de polícia simplesmente suprimem o termo racial – eliminando o caráter de discriminação dessa prática criminosa”.

Esse apequenamento também se dá na perseguição às religiões de matriz africana – que têm sido alvo sistemático de ações judiciais sob a alegação de infringirem a lei do silêncio, por exemplo. Leis ambientais também têm sido usadas contra esses grupos religiosos e há, inclusive, ação no Supremo Tribunal Federal que busca proibir o uso de animais em cultos dessas religiões.

“Desde a atuação da polícia, passando pelo Ministério Público e chegando até os tribunais, esse é um sistema claramente atravessado pelo racismo. É preciso, portanto, remodelar essas instituições – e as políticas de cotas têm papel essencial nesse desafio”.

A PFDC lembrou ainda que não se supera esses obstáculos sem políticas que possam enfrentar nossas desigualdades estruturais – tarefa gravemente ameaçada em razão da Emenda à Constituição 95, que congelou os investimentos públicos em áreas sociais pelos próximos 20 anos.

Além da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, o diálogo na Conapir também contou com a participação do professor da Universidade de São Paulo Ivan Siqueira – que integra o Conselho Nacional de Educação e que abordou as desigualdades raciais na perspectiva do acesso e permanência no sistema de ensino. Os debates subsidiaram a análise das propostas a serem apresentadas como resultado final da Conapir no que refere aos mecanismos para aprimorar o acesso da população negra à justiça.

Saiba mais – A IV Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial (Conapir) aconteceu em Brasília entre os dias 27 a 30 de maio.  A Conferência teve como objetivo propor e analisar as políticas de promoção da igualdade racial para a população negra e de povos e comunidades tradicionais, além de promover o diálogo entre sociedade civil e gestores estaduais e municipais. As discussões em torno da conferência tiveram início em 2017, com as etapas regionais e mais de 20 conferências nos estados e municípios, onde foram levantadas as principais demandas para o combate à discriminação e à violência racial no Brasil.

Fonte:  pfdc.pgr.mpf.mp.br/informativos/edicoes-2018/junho/201co-racismo-e-pratica-que-atravessa-nosso-sistema-de-justica201d-destaca-pfdc-durante-conferencia-nacional-da-igualdade-racial/

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