Evento contou com mais de cinco mil espectadores em seis mesas temáticas. A organização é do Itaú Cultural com curadoria do escritor Daniel Munduruku e da documentarista Júnia Torres. 

Construir pontes entre saberes indígenas e quilombolas para apontar caminhos possíveis para ‘não deixar o céu desabar’. Essa foi a proposta da quinta edição do Mekukradjá – Círculo de Saberes, ocorrida em novembro com curadoria do educador e escritor, Daniel Munduruku, e da antropóloga e documentarista Júnia Torres. O evento contou om a participação de artistas, escritores e militantes indígenas e quilombolas, como Nêgo Bispo, do quilombo Saco – Curtume, no Piauí, o escritor Cristino Wapichana e a professora e cineasta Takiwara Pataxó, da Aldeia Barra Velha, na Bahia.

Com realização do Itaú Cultural, o Mekukradjá 2020 foi totalmente online em razão da pandemia da COVID-19 e contou com a participação de mais de 5 mil espectadores em seis mesas temáticas. A programação foi encerrada com apresentação musical da cantora Kaê Guajajara e da DJ Bieta. Todas as mesas seguem disponíveis no Canal do YouTube do Itaú Cultural (https://www.youtube.com/c/itaucultural/videos).A Rádio Yandê realizou cobertura de todo o evento.

 

A palavra Mekukradjá, de origem Kaiapó, significa “sabedoria” ou “transmissão de conhecimentos”, e foi o que assistimos nas lives organizadas pelo Itaú Cultural. Esse ano, a Rádio Yandê produziu a cobertura do Mekukradjá 2020. O evento ocorre desde 2016 e a memória dos outros encontros está à disposição no link: https://www.itaucultural.org.br/mekukradja.

Nesta quinta edição, o círculo de saberes reuniu lideranças indígenas e quilombolas em evento online, realizado nos dias 12 e 13 de novembro e contou com ampla participação popular. Com discussões em torno da construção de pontes entre as culturas indígenas e quilombolas, a programação abordou questões como cura, educação, meio ambiente e produções audiovisuais a partir do olhar de diferentes comunidades tradicionais.

A mesa de abertura reuniu Nêgo Bispo, escritor e militante do movimento quilombola, e Ana Mumbuca, integrante do quilombo Mumbuca Jalapão, no Tocantins, com mediação de Anápuàka Tupinambá, fundador e CEO da Rádio Yandê e do Yby Festival. Com o tema Não somos donos da teia da vida, apenas de um de seus fios”, os convidados abordaram a importância dos saberes tradicionais para pensarmos a sociedade contemporânea.

Em tempos em que a natureza está sendo tantas vezes desprezadas precisamos lembrar como as populações tradicionais têm resistido bravamente para nos lembrar que o que acontece a Terra, acontece aos filhos da Terra. Todos somos filhos dela”, relembra Anápuàka Tupinambá, idealizador – fundador e CEO da Rádio Yandê e do Yby Festival.

Ana Mumbuca, que é mestra em desenvolvimento sustentável, destaca a importância da relação que estabelecemos com a terra. “Nós, povos da circularidade, nos inspiramos na vida dos animais. Os animais não são seres irracionais, são seres que pensam e nos ajudam a compreender o mundo. Sabemos que vai chover quando o sapo canta. A lógica colonialista tenta a todo tempo dizer que nós, povos quilombolas, somos inferiorizados. Não podemos dizer que quem está na universidade sabe mais que uma pessoa que é analfabeta. Nossos mestres não são analfabetos só porque não sabem ler ou escrever. Analfabeto é quem não reconhece a capacidade de leitura do céu, da terra, do ambiente junto com os animais, como nós sabemos.”

Nêgo Bispo, que é escritor e poeta, prefere ser chamado “relator de saberes” e destaca as diferenças entre confluência e interculturalidade e da construção do saber tradicional e acadêmico. “A confluência é um movimento orgânico em que todos os elementos da natureza atuam em conjunto. Já a interculturalidade é uma coisa apenas de humanos, que acreditam que só eles têm cultura e inteligência. Acho isso muito engraçado porque todos os pássaros sabem cantar e não precisam pagar outro pássaro para cantar para eles. Entre os humanos existem aqueles que fazem a cultura e os que consomem a cultura. Assim, a confluência é orgânica e cosmológica e a interculturalidade é uma coisa só de humanos, portanto, uma coisa muito limitada.”

Para assistir a mesa na íntegra acesse:

https://www.youtube.com/watch?v=NfA-ZF5dqH4&feature=emb_title

 

Cinema indígena e quilombola para reinventar o mundo

A segunda mesa “Vem ver comigo, companheiro, a cor do mundo mudar” teve mediação de uma das curadoras do evento, Júnia Torres, e participação dos cineastas Gilmar Galache, Riane Nascimento e Takiwarã Pataxó. Com o tema “Imagens que reinventam o mundo”, a discussão do cinema indígena e quilombola orientou o debate.

A professora, marisqueira, artesã e cineasta Takiwarã Pataxó conta sobre seu ingresso no audiovisual, que deu se a partir de uma oficina realizada em 2018, na Aldeia Barra Velha, onde vive no Sul da Bahia. Ela fala sobre a importância da presença da mulher indígena no audiovisual e conta que é a primeira mulher de seu povo a entrar no mestrado, ela está na UFSB – Universidade Federal do Sul da Bahia. “Sempre quis destacar a importância de mulheres indígenas contarem históricas, quase sempre contadas por homens. É uma forma de valorizar a força das mulheres daqui e que muitas vezes não é reconhecida”. Ela é diretora do longa “A força da mulher Pataxó”, em que retrata a rotina de benzedeiras, parteiras e diversas outras faces da mulher pataxó.

Riane Nascimento, fundadora da Eparrêi Filmes e da Rede Quilombola Eparrêi, no Recôncavo baiano, aborda a importância do registro audiovisual como ferramenta para perpetuar o saber das comunidades tradicionais. O criador da Associação Cultural de Realizadores Indígenas (ASCURI), Gilmar Galache Terena, afirma que o audiovisual indígena traz de fato a força da coletividade.

Não seguimos uma hierarquia triangular, sem o outro não somos nada, então fazemos um audiovisual coletivo de verdade”, afirma. “Buscamos inspiração em cineastas como Ivan Molina, que é boliviano, do povo Quéchua e que busca inspiração em Paulo Freire e Eduardo Galeano, assim pensamos um jeito realmente compartilhado e coletivo de fazer cinema com uma autoria coletiva.”

Para assistir a mesa na íntegra acesse:

https://www.youtube.com/watch?v=ZscjfRfzLhU&feature=emb_title

 

A conexão entre o passado e o amanhã é a chave da cura

Enquanto a medicina ocidental tradicional aborda o corpo como um conjunto de órgãos interligados, os saberes tradicionais partem da ideia de que o corpo é formado a partir da síntese de todos os elementos. A conexão entre os saberes ancestrais e o equilíbrio da saúde foi o tema da última mesa do primeiro dia do Mekrukadjá 2020. A conexão entre o passado e o amanhã é a chave da cura que trazemos em nossa memória para ser partilhada no mundo contemporâneo.

A mesa conta com a participação do antropólogo, professor e ativista da nação Yepá Mahsã, João Paulo Tukano, a raizeira e liderança da Comunidade Quilombola do Cedro de Mineiros, em Goiás, Lucely Pio, e com a artesã e escritora da nação Tremembé, no Ceará, Telma Pacheco.

 

A cura está em nós. Nós que não sabemos aproveitar o que a natureza nos traz e terminamos por causar nosso próprio mal. Precisamos curar nosso espírito, precisamos ser bons, unidos e cuidar de tudo que o criador deixou. Ele não deixou só para um ou dois, foi para todos, então todos tem que cuidar”, disse Telma Pacheco.

Para João Paulo Tukano é passada a hora de revermos a utilização em exagero de medicamentos sintéticos. “Estamos ficando dependentes de remédios e nossos pajés estão sendo deixados de lado. Pensamos o corpo para além do amontoado de células de que trata a medicina ocidental”, avalia.

Para assistir a mesa na íntegra acesse:

https://www.youtube.com/watch?v=yFMrD1qvOsE&feature=emb_title


Vale a pena não dormir para esperar a cor do mundo mudar

A educação ancestral parte de uma concepção holística do conhecimento, que se dá de forma prática, objetiva e libertária. Uma educação que é alimento da utopia porque gera cidadãos críticos e transformadores. Esse foi o fio condutor da mesa “Utopia: vale a pena não dormir para esperar a cor do mundo mudar” com participação do líder indígena Almir Suruí, Arlindo Baré, que é coordenador do Coletivo dos Acadêmicos Indígenas da Unicamp – Universidade Estadual de Campinas (SP), e a professora e articuladora quilombola, Miriam Aprigio Pereira, que é mestra em sustentabilidade junto a povos e territórios tradicionais.

O cacique Almir Suruí fala sobre a importância da educação na formação de seu povo, que tem apenas anos de contato com não-indígenas. “Nosso povo tem cerca de 1500 pessoas, 28 aldeias e 250 mil hectares de floresta, que está cada vez mais ameaçada pelo que chamam de desenvolvimento”. Ele destaca a importância da tradição oral na educação de mães para filhos e sobre os ensinamentos sobre a floresta, rios, espiritualidade e respeito entre as pessoas. “Nossa maior escola é a floresta. É onde aprendemos sobre os alimentos, o tempo. Tempo de plantio, tempo de cultivo e tempo de colheita. A todo tempo aprendemos com a floresta, com a terra e com o conhecimento do Universo”, disse.

Almir Suruí fala ainda sobre o esforço para buscar a melhor forma de diálogo entre seu povo e não-indígenas. “Nesse sentido, a tecnologia é hoje uma ferramenta importantíssima para fazer o contato entre culturas diferentes. Temos que pensar o futuro que queremos para, então, pensar o caminho que vai orientar e construir caminhos para alcançar esses objetivos”. A liderança indígena chamou a atenção para a importância das parcerias com instituições como a Unicamp, com quem estão organizando a Universidade do Povo Paiter Suruí.

A professora e articuladora quilombola Miriam Aprigio destaca o processo formação dos quilombos no Brasil para ressaltar as semelhanças entre nações indígenas e comunidades quilombolas. “Foram variadas etnias africanas que chegaram no Brasil. Tivemos que nos constituir nos quilombos e, como os povos indígenas, praticar a resistência”. Ela explica que a educação quilombola trata de conceitos que extrapolam a sala de aula, como a luta pelo território e a valorização da pessoa para o enfrentamento do racismo.

Arlindo Baré encerra a mesa e volta a falar da importância das confluências. “Estou vivendo esse momento na universidade e acredito que precisamos nos apropriar do conhecimento acadêmico e criar confluências com a sabedoria ancestral dos povos indígenas.”

Para assistir a mesa na íntegra acesse:

https://www.youtube.com/watch?v=iP2WNTPqD4s&feature=emb_title

 

Escrever é resistir

Houve um tempo em que resistimos com arco e flecha, hoje o contexto é outro e resistimos com a escrita, com a Literatura. E por isso escrevemos para não deixar o céu desabar.” A fala do escritor e professor Munduruku, Ytanajé Cardoso dá o tom do debate da mesa “Literatura: escrevo para não deixar o céu desabar”, que reuniu, ainda, o Irineu Nje’aliderança espiritual Koixomuneti, Julia Suzarte, poeta quilombola da comunidade Lagoa Grande, na Bahia, e teve mediação do escritor e músico Cristino Wapichana.

Itanajé destaca também a força presente na escrita que é capaz de organizar os saberes vindos da oralidade e da ancestralidade. Ele é autor do livro “Canumã: a travessia”, publicado em 2019, romance que enfatiza o papel dos anciãos. Irineu Nje’a, da nação Terena, também falou sobre a força da literatura para organizar a memória de seu povo. Ele trabalha na catalogação de histórias sobre o xamanismo Terena e organiza uma publicação sobre o assunto. “Estou colocando tudo no papel, cada revelação, cada história para que meu filho, a aldeia o povo erena de São Paulo possa entender o xamanismo, esse saber ancestral que foi sendo apagado.”

Irineu é de Bauru, no interior de São Paulo, e destaca que a primeira leva de Terena que chegou na região foi em 1932 e que de lá para cá, com a interferência de outras religiões ocidentais as referências do xamanismo foram se perdendo.

Para assistir a mesa na íntegra acesse:

https://www.youtube.com/watch?v=D1MGggZdINw&feature=emb_title

O que acontece à terra acontece aos filhos da terra”

Resiliência. Uma palavra que tem se feito muito presente no mundo em 2020 em função das dificuldades que atravessamos com a pandemia da COVID-19. Porém, essa já é uma palavra que define a vida das nações indígenas e quilombolas desde sempre. Essa capacidade de juntar forças e continuar resistindo é o que garante a vida de tantas organizações coletivas indígenas e quilombolas que lutam contra os ataques aos seus direitos básicos. Essa foi a tônica da mesa que reuniu a coordenadora – executiva da APIB – Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, Kerexu Yxapyry, a diretora da Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais (N´Golo), Sandra Andrade, e a coordenadora geral da União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira (Umiab), Telma Taurepang. As três encerraram essa quinta edição do Mekrukadjá com o debate “Resiliência guardiã: quem sofre fica acordado defendendo o coração”.

Elas emocionam o público com histórias de resistência sobre ser mulher, ser mulher indígena, maternidade e luta pela segurança do território. Telma fala sobre os 520 anos de resistência das mulheres indígenas, que ainda hoje lutam contra um sistema que busca retirar nossos direitos de todas as formas. “Nós continuamos nossa luta para resistir a esse governo genocida. Sempre buscamos fazer com que nossas próximas gerações possam existir. Buscamos estratégias para sobreviver dentro do nosso território”, disse Taurepang.

Nós somos fortes, já resistimos a várias pandemias e endemias, mas desta vez estamos sofrendo muito. Perdendo nossa biblioteca oral, nosso povo para essa COVID-19 por conta do descaso desse governo, mas sobrevivemos porque temos na terra a tradição da cura”, disse Sandra Andrade. “Tudo que puderam tirar de nosso povo tiraram e ainda assim há uma ofensiva agora para o extermínio dos povos indígenas e ainda assim estamos resistindo. A gente continua na luta por demarcação, por saúde, por políticas públicas” “É necessário o “reflerostamente” no nosso país!”, e completa explicando o jogo de palavras (reflorestar + mente), disse Kerexu Yxapyry.

Para assistir a mesa na íntegra acesse:

https://www.youtube.com/watch?v=p0hvdbtQ5dk&feature=emb_title

Cobertura: Thereza DantasLilian Bento e Anápuàka Tupinambá

 

Fonte: https://radioyande.com/

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