Gabriela Moncau / Brasil de Fato
Indígenas Guarani foram reprimidos pela PM em ato contra marco temporal na rodovia dos Bandeirantes, em São Paulo
Tese jurídica de interesse dos ruralistas está prevista para ser votada nesta terça na Câmara. Eventual aprovação coloca em alerta ONU e pode enfraquecer imagem do Brasil no exterior, avalia Jamil Chade
Por Redação RBA
Publicado 30/05/2023 – 14h50
São Paulo – Em protesto pacífico, lideranças indígenas de diferentes etnias ocuparam rodovias em diversas partes do Brasil, nesta terça-feira (30). A mobilização nacional faz parte do “Ato em prol da Vida” convocado contra a aprovação do Projeto de Lei (PL) 490, que estabelece o chamado marco temporal. Na última quarta (24), a Câmara dos Deputados aprovou a tramitação em regime de urgência do PL que pode ser votado hoje, de acordo com o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).
A medida altera o estatuto jurídico das terras indígenas ao introduzir o requisito do marco temporal de ocupação para os processos de demarcação. Pela tese, só deverão ser reconhecidas as terras ocupadas pelos povos originários até o dia da promulgação da Constituição. Ou seja, em 5 de outubro de 1988. O que, na prática, impedirá o direito à terra pelos povos indígenas.
O PL 490 estava parado na Câmara desde novembro de 2021. Mas, atendendo aos interesses da bancada ruralista, o projeto foi colocado em pauta por Lira, que garantiu a votação às pressas para legislar sobre o tema antes do Supremo Tribunal Federal (STF). Isso porque a Corte também deve apreciar o tema em julgamento no próximo dia 7 de junho. Apesar da manobra, lideranças e movimentos indígenas conseguiram antecipar parte da mobilização social para esta terça, bloqueando diversos pontos pelo país.
Atos pelo Brasil e repressão em São Paulo
Ainda nas primeiras horas, ao menos quatro protestos foram registrados no Ceará. As manifestações bloquearam pontos de rodovias em Caucaia, Maracanaú e Crateús. Em São Paulo, o povo Guarani Mbya, da Terra Indígena Jaraguá, travou também a rodovia Bandeirantes, na capital. Em um protesto pacífico, os Guarani seguiam em direção ao rio Tietê, deixando uma faixa da rodovia livre, conforme haviam acordado com a Polícia Militar. Mas, por volta das 8h30, os PMs começaram a atacar a manifestação, com bombas de gás lacrimogêneo, jatos de água e tiros de balas de borracha.
De acordo com a deputada federal Célia Xakriabá (Psol-MG), mais cedo, também nesta terça, um evento na Câmara que reuniria hoje povos indígenas de todo o Brasil foi desmarcado pelo Legislativo. A alegação, segundo a parlamentar, foram “motivos de segurança”. “O motivo real é a presença dos povos indígenas dentro da ‘Casa do Povo’ no dia da votação do PL 490”, rebateu Célia em sua conta no Twitter.
O povo Mura de Autazes, no Amazonas, contudo, também seguiu protestando contra o PL 490. Desde as 14h, os povos indígenas marcham em Brasília contra o que classificam como “um genocídio legislado que está em tramitação no Congresso”. O ato é organizado pela Articulação Nacional dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). Em paralelo, um tuitaço também marca a oposição da sociedade civil contra a retirada dos direitos dos indígenas.
ONU faz alerta
“Levantemos nossos maracás e ecoemos nosso grito, toda nossa rede, povos, comunidades, aldeias e onde for necessário, demonstrando o nosso repúdio aprovação do PL 490 e mostrando nossa força na luta pela defesa dos nossos direitos”, destaca o movimento indígena.
Em comunicado divulgado ontem (29), o escritório da ONU para Direitos Humanos na América do Sul se mostrou preocupado com eventual aprovação do marco temporal. A avaliação é que a tese jurídica “enfraquece a proteção dos povos indígenas no Brasil”. A medida ainda seria um “grave retrocesso” para os direitos dos povos originários e “contrária às normas internacionais de direitos humanos”.
Repercussão nacional e internacional
“A posse das terras existente em 1988, após o expansionismo da ditadura militar, não representa a relação tradicional forjada durante séculos pelos povos com seu entorno, ignorando arbitrariamente seus direitos territoriais e o valor ancestral das terras para seus modos de viver”, afirmou o chefe da ONU Direitos Humanos na América do Sul, Jan Jarab.
O jornalista e correspondente internacional Jamil Chade também observou que o mundo acompanha apreensivo a votação do PL 490. Em entrevista ao ICL Notícias, o jornalista disse que aprovação pode enfraquecer a imagem do Brasil no exterior, com custos para o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “Essa é uma repercussão internacional para o Brasil. A Amazônia, questão indígena e de direitos humanos são pontos fundamentais de uma inserção do Brasil no mundo”, afirma Jamil Chade.
Saiba mais na entrevista completa:
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