Para pesquisador, cúpula do governo de Jair Bolsonaro e elite econômica que o apoia usam a pandemia para intensificar genocídio indígena. “Única resposta seria a destituição de toda a equipe”
São Paulo – “Está acontecendo uma guerra biológica”, denuncia o pesquisador Gercídio Valeriano, da Articulação Nacional de Indígenas em Contextos Urbanos e Migrantes. Para Valeriano, a cúpula do governo, as empresas e a elite econômica que dá suporte a Jair Bolsonaro usam a pandemia como arma biológica para intensificar o genocídio das comunidades indígenas. O pesquisador se refere a uma série de responsabilidades do Estado que vêm sendo negligenciadas. Essas atribuições, que dizem a proteção de direitos, territórios e da vida dessas comunidades, estão previstas em diversas normas e instrumentos legais sistematicamente descumpridas.
Por exemplo, na segunda-feira (18), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) acompanhou o anúncio do plano de vacinação pelo ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. Na ocasião, Pazuello referiu-se à inclusão apenas dos ‘indígenas aldeados”, que segundo ele, seriam 410.348 pessoas. “O termo usado pelo ministro para definir quais indígenas têm direito à imunização prioritária nos remete ao período da ditadura militar e representa uma discriminação”, afirmou o Cimi, em nota. “Excluir grupos indígenas do acesso à política de saúde pública é um contrassenso político e humanitário. O censo de 2010 indica a existência de quase 900 mil indígenas no Brasil. O Plano Nacional de Vacinação precisa reconhecer o total desse grupo prioritário e alcançá-lo.”
Gercídio Valeriano reforça que não há políticas públicas para indígenas que moram nas cidades. Isso apesar de essa obrigação estar estabelecida na Convenção 169 da ONU, na Carta de Direitos Indígenas e na Constituição Federal (artigos 231 e 232). “Temos todo esse aporte jurídico, mas temos de ficar indo atrás, sempre por pressão. Para conseguir garantir esses direitos, temos de ir atrás do Ministério Público Federal.”
Em julho do ano passado, o grupo lançou um relatório sobre os impactos da pandemia sobre os indígenas que moram nas cidades.
“A ideia era fazer essa denúncia junto com a ONU, com a Rede de Investigações sobre Indígenas Urbanos (Risiu), sobre essa situação que poderia se agravar. Seis meses depois a gente vê que nos dados do Instituto Socioambiental são mais de 46 mil casos confirmados de infecção que atingiram cerca de 161 povos. Isso são os dados oficiais. Há uma enorme subnotificação.” A Portaria 508 do SUS, explica Valeriano, dá aporte para que seja mapeado, feito levantamento por autodeclararão dos indígenas, inclusive, nos serviços de saúde.
Guerra biológica
“Mas na própria portaria existe uma tabela com os povos que eles tinham levantado. Apenas 264 povos. Até sobre o que está oficialmente na Funai, cerca de 274, e 305 línguas, isso ainda está abaixo. Existem etnias que não são reconhecidas pelo Estado e é justamente isso que a nota do Cimi demonstra. A gente ainda está sujeito a uma tutela do Estado. Eles ainda usam os mesmos métodos da época da ditadura. Mudam as caras, os nomes na política, mas os métodos que o Estado lida com os povos indígenas no Brasil, tanto os aldeados, os que estão nas cidades, nos assentamentos, ainda é o mesmo.”
O pesquisador destaca que na pandemia isso se agravou: “O que está acontecendo é uma guerra biológica”, denuncia. “Essas pessoas em especial, a cúpula do governo Bolsonaro, as empresas e os grandes nomes que os estão financiando, usaram a pandemia como arma biológica para intensificar esse genocídio. Temos a Política Nacional de Saúde Indígena que estabelece a prevenção e diminuição de agravos. Todo um capítulo (4) que dá as diretrizes de como a pandemia se encaixaria nessas especificidades de como cuidar dessas populações: povos isolados, de baixo contato, que estão nas fronteiras. Mas não tem para os povos que estão nas cidades.”
Ele lembra que em 22 de dezembro o Conselho Nacional de Saúde (CNS), na Recomendação 73, exigiu a inclusão dos povos indígenas, quilombolas e outros povos originários e tradicionais do Brasil no Plano Nacional de Imunização. “Até agora isso não foi atendido. A vacinação já começou. E apesar de ser uma vitória a gente ver esses símbolos das mulheres indígenas sendo vacinadas primeiro, existem muitas outras milhares de mulheres indígenas que moram nas cidades e vão ficar de fora.”
Impeachment como resposta
Gercídio Valeriano relata que existe uma ampla articulação para reivindicar a priorização na imunização dos povos originários, inclusive dos que moram na cidade. “Isso porque, como já apontamos nos nossos estudos desde o início do ano passado, essas populações são as mais vulneráveis, pois vivem nos centros urbanos onde a pandemia mais ataca.”
Para ele, é ilógico, imoral, antiético, é um crime por parte do governo federal, dos estaduais e municipais também, deixar essas populações de fora. “Essa pressão está acontecendo desde o ano passado e a gente precisa ter uma resposta desses governos”, afirma.
“Eu acredito e boa parte dos nossos companheiros, dos nossos parentes também acreditam, que a única resposta realmente efetiva para tudo isso é destituição do presidente Bolsonaro do governo federal. A gente não acha que o ministro da Saúde e o presidente são capazes de dar uma resposta que seja satisfatória e efetiva, eficaz, para solucionar esse problema. Eles simplesmente não ligam. Esse é o projeto deles. Não é uma questão de incapacidade, eles não são inaptos. Eles sabem muito bem de todas essas resoluções, planos, das leis que estão vigentes.”
Gercídio explica o termo “guerra biológica” ao classificar as ações do governo como deliberadas, de genocídio. “Apesar de a gente lutar por vias legais para conseguir, se depender de uma resposta do ministro da Saúde, do presidente, a única resposta seria a destituição dos dois e de toda a equipe. Porque esse é justamente o plano de governo deles: acabar com as populações tradicionais e originárias de Pindorama, do Brasil.”
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