Povos de diferentes regiões ocupam rodovias e as redes sociais na luta por seus direitos constitucionais diante do julgamento do STF que pode definir o futuro das demarcações de terras

São Paulo – O Supremo Tribunal Federal (STF) inicia nesta quarta-feira (30) o julgamento que pode definir o futuro das demarcações de terras indígenas (TIs) no Brasil. A Corte analisará, em sessão prevista para às 14h, os efeitos do parecer 001/2017 da Advogacia-Geral da União (AGU) que oficializou a tese do “marco temporal”. A norma vem sendo usada desde o governo de Michel Temer para paralisar e reverter o reconhecimento das TIs. Por essa interpretação, a posse da terra só é garantida àqueles que puderem comprovar que já estavam no território na data de promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988.

Em maio do ano passado, o ministro Edson Fachin determinou a suspensão desse parecer, e a paralisação temporária, até o final da pandemia de covid-19, de processos judiciais que poderiam resultar em despejos ou anulação de terras demarcadas. Com isso, o Supremo deve apreciar as determinações nesta quarta. Na pauta também está em julgamento a ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, referente à TI Ibirama-Laklãno, onde vivem os povos Guarani e Kaingang.

De acordo com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a área é disputada desde o século 20. Com o passar dos anos, ela foi sendo reduzida e teve seu povo dizimado pelo Estado. Em 2001, a terra foi identificada por estudos da Fundação Nacional do Índio (Funai). Dois anos depois, a posse da TI foi declarada ao povo Xokleng pelo Ministério da Justiça. Desde 2017, no entanto, o governo estadual vem invocando a tese do marco temporal para pleitear o território. Em 2019, o Supremo deu status ao processo de “repercussão geral”, o que definirá a todas as instâncias judiciais e ao governo federal os procedimentos demarcatórios.

Agenda anti-indígena do Congresso

Com o futuro em jogo, cerca de 850 indígenas, de todas as regiões, estão mobilizados em acampamento em Brasília, desde o dia 8 de junho. Do local, a codeputada estadual da Bancada Ativista Chirley Pankará (Psol-SP), mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), conversou ao vivo com a jornalista Marilu Cabañas, do Jornal Brasil Atual, na edição desta quarta, sobre a expectativa dos povos originários diante do julgamento. Segundo a parlamentar, o marco temporal é também uma proposta “genocida, etnocida e ecocida” semelhante ao Projeto de Lei (PL) 490/2007 que também dificulta a demarcação de terras indígenas, altera o Estatuto do Índio e garantias constitucionais.

Há uma semana, o Levante pela Terra conseguiu adiar a votação do PL, mas ele acabou sendo aprovado no último dia 23 pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados. Nesta terça (29), a comissão concluiu a análise da proposta, rejeitando todos os destaques apresentados pela oposição. O projeto agora segue para o Plenário da Casa, apesar de já ter tido parecer negado em 2009 pela Comissão de Direitos Humanos. À RBA, parlamentares apontaram ser uma pressão do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) a tramitação do PL. Mas, dependendo da decisão do STF, a proposta também pode ser alterada.

Os riscos

“Esse julgamento coloca em risco muitas terras em processo de demarcação e de reconhecimento, porque o país é um atraso total em demarcação. Esse julgamento é um perigo para o território inteiro do Brasil, assim como uma série de outras pautas que nos rondam”, destaca Chirley.

“Nós somos os povos originários, mas temos que pedir para um órgão governamental deixar as nossas terras em paz e dizer quem somos. O país em que já estávamos aqui. (Eles) que vieram, foram acolhidos, senão não estariam aqui hoje com seus filhos e família. E estão querendo nos tirar o direito básico que é território. Não tem como falar de saúde, educação, questões socioeconômicas e outras pautas se eu não garantir território e demarcação”.

Protestos pelo país

A codeputada estadual completa que a luta indígena é uma luta pelo território de todos os povos. Ela lembra que os conhecimentos das comunidades tradicionais são os mantêm a floresta em pé e todos os serviços ambientais necessários para a manutenção da vida na terra. Além da manifestação em Brasília, outros povos também se manifestam em apoio aos protestos na capital federal com atos locais e o trancamento de rodovias.

Nesta quarta, o Povo Tupinambá de Olivença, em Ilhéus, na Bahia, bloqueou a rodovia BA 001 durante a manhã. Também há protestos na Aldeia Boa Vista e Rio Bonito, em Ubatuba, litoral norte de São Paulo. Ainda ontem a BR 174, em Roraima, próxima à TI São Marcos também foi fechada no sentido Boa Vista Pacaraima. O povo Krenak, em Resplendor, Minas Gerais, protesta na BR 259 contra a agenda anti-indígena do Congresso Nacional e o marco temporal. “Dormimos com uma luta e acordamos com outra”, resume Chirley Pankará.

“Hoje começamos com o marco temporal, tivemos o PL 490,  e temos também a tentativa de tirar a Convenção 169 (da ONU) que envolve os povos indígenas e quilombolas para consulta aos nossos territórios, então nos tiram direitos o tempo inteiro. Mas estamos unidos, a canseira nos dá mais força para lutar e resistir. Eu espero que possamos também conscientizar as pessoas a lutar por esse bem comum que não é só dos povos indígenas, quando fazemos isso é para todos”, conclui a parlamentar. Em paralelo, as entidades e movimentos indígenas também organizam para às 13h um tuitaço com a hashtag #MarcoTemporalNão.

Confira a entrevista

Redação: Clara Assunção – Edição: Helder Lima

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