São Paulo – “Vidas indígenas estão, como vidas negras e mulheres, em situação calamitosa“, disse o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Renato Janine Ribeiro. Sua fala introduziu um debate sobre a questão indígena para o futuro, após superado o governo de Jair Bolsonaro, cuja postura estimula ataques aos povos originários. “Estamos em um momento bastante grave, bastante preocupante. É muito importante que a sociedade se mobilize”, afirmou.
Os debatedores apontaram desafios para o próximo governante. “Estamos enfrentando uma busca pela reconstrução do país”, resumiu a pesquisadora em Saúde Ana Lúcia de Moura Pontes, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). “Precisamos de mudanças estruturais para o ano que vem, com novos governantes, assim esperamos”, reforçou o professor de Filosofia da Universidade de Brasília (UnB) Gersem Baniwa, que é indígena.
Educação indígena
Baniwa traçou um panorama sobre a situação da educação indígena. Embora existam muitos problemas e “vergonhas”, como definiu, existe um passado não tão distante de conquistas. Ele citou, por exemplo, um programa idealizado pelo governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que é o atual líder das pesquisas para reassumir o cargo em 2023. “Precisamos de implementação por lei dos Territórios Etnoeducacionais, que foi uma iniciativa da segunda gestão do Lula muito interessante. Isso, se implementado, ajudaria muito a superar problemas sérios do regime de contratação dos professores”, disse sobre o projeto de implementação de educação específica e direcionada às realidades distintas das etnias indígenas.
“O que os povos reivindicam é um sistema próprio, como no caminho da saúde. Um Sistema Nacional de Educação Escolar Indígena”, defendeu. A intenção é resolver um dos maiores problemas da educação indígena que é a continuidade. “Contratos temporários de professores, o que torna a educação descontínua e os professores vulneráveis, reféns dos gestores, que demitem todo mundo a cada nova eleição. Precisamos de uma educação escolar indígena do futuro”, observouBaniwa.
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A vice-presidenta da SBPC, Fernanda Sobral, classifica questão indígena como “da maior emergência”. O debate foi o último de uma série intitulada “Projetos para um Novo Brasil”. “Temos que pensar um futuro melhor, essa é a ideia. Tivemos uma ausência plenamente justificada do Helói Terena, que está na luta em defesa dos povos indígenas, já que houveram dois massacres recentes”, explicou Fernanda.
Ribeiro reforçou que o evento “se desdobra em uma questão de urgência. Nosso objetivo não é apenas protestar, mas definir projetos para um Brasil novo. Temos dificuldades que não são frutos do acaso, mas foram construídas ao longo de séculos de injustiças. Queremos quebrar com isso de uma vez por todas”.
Entre as ações urgentes a serem tomadas pelo próximo governo está a revisão de medidas adotadas pelos governos de Bolsonaro e MIchel Temer (MDB), que impedem o cuidado adequado sobre a questão indígena. “Temos, na saúde indígena, o problema da Emenda Constitucional 95, a PEC do Teto de Gastos. Temos um momento de recessão orçamentária por 20 anos. Isso, claramente, afeta a saúde como todo. É uma pauta a ser revertida pelo próximo governo, tem que estar na agenda”, disse Ana Lúcia.
Saúde indígena
A pesquisadora da Fiocruz lembrou que a questão da saúde indígena passa pela necessidade de demarcação dos territórios, que foi suspensa durante o governo Bolsonaro. “No campo das políticas de Saúde, temos um cenário de inequidades. Situações de saúde e de vida são desfavoráveis para as populações indígenas. Vemos um cenário claro onde temos uma manutenção de doenças transmissíveis evitáveis, com o crescimento de doenças crônicas como diabetes e cânceres. Existe uma dificuldade de acesso a questões como saneamento, assistencia social. O direito ao território e a proteção afeta diretamente a saúde. Existe uma correlação. Nós da área da Saúde reforçamos essas pautas e precisamos discutir isso”.
Por fim, Ana Lúcia chamou a atenção para a necessidade de protagonismo indígena em políticas públicas futuras. “Hoje, temos que a saúde é direito de todos e dever do Estado. Precisamos de participação e reconhecimento dos indígenas como sujeitos de direito, participantes e formuladores de políticas. É uma obrigação que vem sendo violada nos últimos anos. Precisamos construir um modelo de atenção diferenciada, ou seja, pensar serviços de acordo com as especificidades locais”.
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