Foto: Hellen Loures/Cimi

Saiba o que teve de mais importante no monitoramento do Observatório dos Direitos e Políticas Indigenistas no mês de Julho (01/07-31/07).

A primeira etapa da Operação de Desintrusão da Terra Indígena Kayapó (OD-TIKAY), concluída em julho de 2025, superou as metas do governo ao inutilizar 1 384 alvos de garimpo ilegal – o dobro da meta inicial de 650 – causando um prejuízo estimado de R$ 97,3 milhões às atividades criminosas. A ação, que contou com o envolvimento integrado de mais de 20 órgãos federais, resultou em queda de 96% nos alertas de garimpo e de 95% nos de desmatamento, além de apreensões de combustível, maquinário, 63 g de ouro, cocaína, madeira ilegal e a eliminação de centenas de barracos, acampamentos, motores e escavadeiras. A Força Nacional e a Funai permanecerão na área para evitar nova invasão, e o Ministério dos Povos Indígenas divulgará um plano de sustentabilidade para a região. Essa operação atende a determinação do STF (ADPF 709) e foi destacada como uma das maiores ações integradas já realizadas pelo Estado brasileiro na Amazônia.

A “Operação Asfixia”, parte de um esforço multidisciplinar coordenado pelo governo em Boa Vista, reduziu em impressionantes 98% as áreas de garimpo ativo na Terra Indígena Yanomami (TIY), passando de 4.750 hectares para apenas 182 hectares ativos, o que resultou em um prejuízo estimado em R$ 396 milhões para o garimpo ilegal. Após esse avanço, a estratégia entrou em sua nova fase: não apenas desmantelar a estrutura interna de extração, mas também estrangular economicamente o mercado que sustenta o garimpo, identificando e interrompendo os apoios logísticos externos—como pistas de pouso, combustível e aeronaves—e ampliando ações de cerco, fiscalização terrestre, fluvial e aérea para evitar qualquer retomada da atividade criminosa. Essa abordagem abrangente tem sido conduzida diariamente por meio de operações integradas e reuniões na Casa de Governo, com participação de dezenas de órgãos federais.

Efeitos do Marco Temporal. A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) admitiu que as disposições da Lei 14.701/23 – o chamado “marco temporal”, em vigor desde setembro de 2023 – afetam os 304 processos de Terras Indígenas que ainda não foram demarcadas no país. Segundo o órgão, diversas exigências trazidas pela nova lei, como a identificação prévia de todos os interessados e a possibilidade de indicação de “peritos auxiliares”, dificultam e retardam significativamente os procedimentos, especialmente considerando a escassez de informações fundiárias em regiões Norte e Nordeste e o orçamento e quadro técnico insuficientes. Ademais, a previsão de indenização pela “terra nua” amplia a complexidade da análise de posse e levanta dúvidas sobre a fonte de recursos para pagamentos, tornando todo o processo ainda mais moroso e vulnerável a contestações.

A antropóloga Lúcia Helena Rangel, docente da PUC-SP e assessora do Cimi, alerta que a combinação da Lei 14.701/2023 (conhecida como “marco temporal”) com o avanço do agronegócio tem gerado um ambiente de violência extrema em terras indígenas, comparável a “zonas de guerra”. “O agronegócio é o principal instigador dessas invasões de terra, como se precisasse de mais terra. Tem milhões e milhões de hectares plantados. E o alvo é a terra indígena, que não é respeitada por ninguém”, afirmou em entrevista ao Brasil de Fato.

Em 2024, primeiro ano em vigor da Lei 14.701/2023 (o chamado “marco temporal”), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) lançou o relatório “Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – dados de 2024”, que revela um ambiente de crescente violência institucionalizada e conflitos significativos contra comunidades indígenas. O documento, organizado em três capítulos — violência contra o patrimônio, contra a pessoa e por omissão do Estado — identificou 1.241 casos de violência patrimonial (incluindo 857 relacionados à morosidade e omissão na regularização de terras, 154 conflitos territoriais em 114 TIs e 230 invasões e danos em 159 TIs). No mesmo período, foram contabilizadas 424 ocorrências de violência contra a pessoa, com 211 assassinatos, 208 suicídios (aumento de mais de 15 %), além de casos de tentativas de homicídio, racismo, ameaças e violência sexual. O Cimi associa o recrudescimento dessas violências à fragilização dos direitos territoriais indígenas promovida pelo marco temporal, que gerou insegurança jurídica e estimulou invasões e agressões a comunidades em luta pela terra.

Devastação. O Ministério Público Federal (MPF), por meio de nota técnica entregue ao Palácio do Planalto em 29 de julho de 2025, recomendou o veto a mais de 30 dispositivos do Projeto de Lei 2159/2021 — a chamada Lei Geral do Licenciamento Ambiental — aprovada em 17 de julho pelo Congresso Nacional. O MPF alerta que a proposta oferece um sério retrocesso à proteção socioambiental e aos direitos de povos indígenas e tradicionais, ao permitir modalidades de licenciamento mais permissivas (como autolicenciamento e Licença Ambiental Especial sem análise técnica), dispensar licenciamento para agronegócio e infraestrutura, instituir renovação automática de licenças, limitar a atuação de órgãos como a Funai em territórios ainda não homologados, eliminar a exigência do CAR e flexibilizar normas da Mata Atlântica, configurando violação à Constituição, tratados internacionais e à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Violência. Três policiais militares e um guarda municipal foram presos no sábado (26) acusados de estupro qualificado, estupro de vulnerável e tortura contra uma mulher indígena da etnia Kokama, enquanto ela estava detida na delegacia de Santo Antônio do Içá (AM), entre novembro de 2022 e agosto de 2023. A vítima, que estava presa ao lado do filho recém-nascido, relatou que os abusos ocorreram repetidamente, durante a noite, e envolveram humilhação, tortura e intimidação. Após sua transferência para uma unidade prisional feminina em Manaus, agentes teriam ido à casa da mãe da vítima para intimidar familiares. A prisão preventiva dos agentes foi autorizada pelo Judiciário em menos de 24 horas após o pedido do Ministério Público do Amazonas, baseado em risco à ordem pública, à integridade da vítima e à continuidade das investigações. O caso tramita em segredo de Justiça, e os envolvidos foram afastados de suas funções e tiveram o porte de armas suspenso.