Foto: Guilherme Cavalli/Cimi

Saiba o que teve de mais importante no monitoramento do Observatório dos Direitos e Políticas Indigenistas no mês de Setembro (01/09-30/09).

Prejuízo ao garimpo. Desde 2023, operações federais em nove terras indígenas resultaram em um prejuízo de R$ 740,6 milhões a criminosos ambientais, com a destruição de milhares de equipamentos, retirada de invasores e proteção de 58 mil indígenas em 18,7 milhões de hectares. O maior impacto ocorreu na Terra Yanomami (RR e AM), onde o garimpo ilegal foi reduzido em 98%, com a inutilização de 668 acampamentos, destruição de aeronaves e embarcações e prejuízo próximo a R$ 500 milhões. Além da repressão, houve reforço em saúde, alimentação e retomada de culturas tradicionais. No Pará, as ações em terras Munduruku, Sai-Cinza e Kayapó desmantelaram centenas de pontos de garimpo; em Rondônia e Maranhão, os alvos foram desmatamento, grilagem, pecuária e exploração madeireira. O balanço foi divulgado pela Casa Civil e pelo Ministério dos Povos Indígenas, no momento em que o STF concluiu a análise da ADPF que tratava de medidas de apoio e proteção aos povos indígenas.

Vetos. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou 63 trechos da Lei Geral do Licenciamento Ambiental, incluindo o dispositivo que excluía a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) da análise de empreendimentos em terras indígenas não homologadas. A decisão preserva a proteção de 297 territórios (41% das terras indígenas do país) que ainda estão em processo de regularização e poderiam ser diretamente afetados pela medida. A Funai exerce papel central no licenciamento, ao avaliar impactos socioambientais, definir diretrizes e garantir a participação das comunidades envolvidas, assegurando a defesa de seus direitos e territórios. A exclusão da autarquia abriria espaço para degradação e descaracterização dessas áreas sem a devida análise técnica. Os vetos, que expressam a discordância do Executivo em pontos do projeto, ainda serão avaliados pelo Congresso Nacional, mas reforçam a importância da Funai como órgão responsável por zelar pela proteção dos povos indígenas e do meio ambiente.

Marco temporal. A presidenta da Funai, Joenia Wapichana, classificou a Lei do Marco Temporal como um dos maiores retrocessos para os direitos indígenas desde a promulgação da Constituição de 1988, durante o Ciclo COParente em Manaus. A lei restringe a demarcação às terras ocupadas em 5 de outubro de 1988, desconsiderando violências e remoções sofridas pelos povos indígenas, e contraria decisão do STF, que declarou a tese inconstitucional. Apesar do veto presidencial, o Congresso manteve a Lei 14.701/2023 em vigor, impondo dificuldades adicionais à Funai para garantir a proteção territorial e jurídica dos povos indígenas. Além de travar processos de demarcação, a norma fragiliza direitos como a consulta prévia e a revisão de limites de terras já reconhecidas, comprometendo a política indigenista como um todo.

Entre 30 de setembro e 3 de outubro, cerca de 40 lideranças indígenas dos povos Kaingang, Xokleng, Guarani e Kaiowá, vindas da região Sul e do Mato Grosso do Sul, realizam mobilização em Brasília contra a Lei 14.701/2023, conhecida como Lei do Marco Temporal. A delegação reivindica do STF a conclusão do julgamento sobre os direitos constitucionais indígenas, além de cobrar celeridade na demarcação de territórios e medidas contra a escalada de violência, especialmente no Mato Grosso do Sul. A programação inclui vigília na Praça dos Três Poderes, ato público com coletiva de imprensa e a divulgação de uma carta à sociedade. O movimento ocorre em meio ao aumento dos ataques às comunidades e em uma semana simbólica: os dois anos da decisão do STF que declarou inconstitucional a tese do marco temporal e os 37 anos da Constituição de 1988. Para Kretã Kaingang, liderança da Apib pelo Sul, a mobilização é essencial porque, enquanto a lei estiver em vigor, “territórios, comunidades e direitos estão em risco”.

Violência. Na Terra Indígena Guyraroká, em Caarapó (MS), os Guarani e Kaiowá denunciam uma escalada de violência durante a retomada da Fazenda Ipuitã, marcada por ataques de jagunços e ações conjuntas de forças policiais estaduais, como a Tropa de Choque, o SIG e o DOF. Entre os episódios mais cruéis, os agressores enterraram dois cães vivos, destruíram o acampamento e enterraram mantimentos, enquanto indígenas recolheram cápsulas de bombas de gás vencidas usadas pela polícia. A Comissão de Direitos Humanos que visitou a área relatou despejos ilegais sem mandado judicial, resultando em ao menos quatro feridos, incluindo uma mulher grávida de seis meses e um homem atingido a queima-roupa por balas de borracha. Os indígenas denunciam a omissão federal na proteção de suas comunidades e destacam que a retomada também busca barrar a pulverização de agrotóxicos na região. O Ministério dos Povos Indígenas afirmou acompanhar a situação em articulação com outros órgãos, mas as lideranças seguem cobrando garantias territoriais e segurança diante dos ataques sistemáticos.

No Peru, organizações indígenas denunciaram um “ataque legislativo sem precedentes” aos povos isolados e pediram a suspensão de financiamentos internacionais à indústria florestal e a programas climáticos do governo peruano até que haja garantias de respeito aos direitos indígenas. Em carta dirigida a governos da Europa, aos EUA e a instituições como o Banco Mundial e o KfW, a AIDESEP e suas organizações regionais alertam para projetos que fragilizam a proteção territorial: o bloqueio da criação da reserva Yavari-Mirim, após 20 anos de tramitação; a proposta de revisão semestral das reservas indígenas existentes, que ameaça sua continuidade; e uma iniciativa que abriria áreas protegidas para exploração de petróleo e gás, incluindo territórios de povos isolados. As lideranças também criticam declarações do deputado Juan Carlos Celis Mori, que chegou a negar a existência desses povos em Loreto, apesar de décadas de registros. Para as organizações, tais medidas podem representar o desmonte do sistema de proteção dos povos isolados no Peru.

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