Foto: Acervo/Funai

Saiba o que teve de mais importante no monitoramento do Observatório dos Direitos e Políticas Indigenistas em 2022 (Julho-Dezembro).

JULHO

Bruno e Dom. O homicídio de Bruno Pereira e Dom Phillips foi enviado para a esfera federal a pedido do Ministério Público Federal. A juíza anteriormente responsável pelo caso entendeu que, por envolver direitos indígenas, o caso era de competência da justiça federal. Até o momento, foram presos Amarildo Oliveira, o Pelado, seu irmão, Oseney da Costa de Oliveira, e Jefferson da Silva Lima. 

Deputados e senadores que visitaram o Vale do Javari, local do assassinato, pediram o afastamento do presidente da Funai, Marcelo Xavier. O requerimento aprovado pela comissão parlamentar que investiga o caso afirma que a política anti-indígena da Funai transforma indígenas e ativistas em alvo de criminosos, que se sentem respaldados e empoderados pelo governo federal. 

Segundo a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), mais de um mês depois do assassinato de Bruno e Dom, a região continua sem reforço na segurança. A Unijava teve papel importante nas investigações. A organização denuncia que nenhuma ação efetiva foi tomada para proteger os defensores dos direitos indígenas que atuam na região. “Indígenas e servidores continuam sem segurança e as bases de proteção etnoambiental da Funai continuam sem reforço, atuando de forma precária e limitada. Nenhum plano de ação de caráter emergencial com atuação articulada entre os órgãos de segurança que atuam na região foi sequer elaborado”, comunica a Unijava. A omissão contraria decisão do Supremo Tribunal Federal, que ordenou medidas imediatas, sob pena de multa. 

Funai anti-indígena. “Esse homem é responsável pela morte de Bruno Pereira. Esse homem é responsável pela morte de Phillips”: na Espanha, o presidente da Funai, Marcelo Xavier, foi expulso aos gritos de um evento por um ex-servidor da Fundação. O evento que debatia questões indígenas era a 15ª Assembleia Geral da FILAC, o Fundo para o Desenvolvimento dos Povos Indígenas da América Latina e Caribe. “Marcelo Xavier é inimigo de vocês [indígenas]. Esse homem é um miliciano. É amigo de um governo golpista que está ameaçando a democracia no Brasil”, gritou Ricardo Rao, que foi colega do indigenista Bruno Pereira, assassinado no Vale do Javari. 

AGOSTO

Índio do Buraco. Acompanhado à distância pela Funai há 26 anos, um indígena de etnia e nome desconhecidos que vivia na Terra Indígena Tanaru, em Rondônia, foi encontrado morto na semana passada. Ele era considerado o último sobrevivente do seu povo, que foi dizimado por madeireiros, e sempre recusou as tentativas de contatos feitos pela Funai. O jornalista Rubens Valente, da Agência Pública, revela que o indígena foi encontrado “deitado na rede, e paramentado [com penas de arara] como se esperasse a morte”. O indigenista da Funai Marcelo dos Santos falou ao jornalista sobre o homem conhecido como “índio do buraco”, por abrir covas no chão: “Ele não confiava em ninguém em sua volta porque viveu várias experiências traumatizantes com os não indígenas. Ele temia pela própria vida. Um conjunto de fatores levou a essa solidão. Há relatos de que indígenas isolados foram mortos na região com veneno misturado à comida. Acreditamos que, por isso, ele nunca aceitou a comida que deixávamos para ele na mata”. Com a morte do indígena, não se sabe o que vai acontecer com os 8 mil hectares conhecidos como TI Tanaru. Essa área era protegida por uma Portaria de Restrição de Uso, que impedia não-indígenas de acessá-la, fruto da “política de não contato” da Funai. 

SETEMBRO 

Julgamento do Marco Temporal. A ministra Rosa Weber, que tomou posse como presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) no último dia 12, se comprometeu a retomar o julgamento do marco temporal durante sua gestão. Ela deve se aposentar em outubro de 2023. O julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365 foi paralisado há um ano depois de um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes. Até então, haviam votado os ministros Edson Fachin e Nunes Marques. Fachin votou contra o marco temporal, ou seja, a favor dos direitos indígenas sobre as terras ocupadas pelos seus antepassados. Já o ministro Nunes Marques votou a favor do marco temporal: para ele, as comunidades indígenas só têm direito às terras que já ocupavam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. 

OUTUBRO 

Bancada indígena. Sônia Guajajara (PSOL/SP) e Célia Xakriabá (PSOL/MG) são as duas deputadas federais indígenas eleitas no Brasil. Joênia Wapichana, primeira mulher indígena eleita em 2018, não se reelegeu. A mobilização Aldear a Política, organizada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), busca garantir um projeto de vida, voltado à biodiversidade e à defesa dos direitos humanos, em resposta ao projeto de morte encampado por Bolsonaro. Durante seu mandato, Joênia  Wapichana (REDE/RR) articulou a Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, com 237 parlamentares. 

Sônia Guajajara recebeu 156.695 e vai compor a bancada de São Paulo na Câmara. “São Paulo, nós conseguimos! A primeira mulher indígena eleita como deputada federal por SP vai aldear o Congresso Nacional. Muito, muito obrigada pela confiança! Vamos aldear mentes e corações, e construir um novo Brasil. Seguimos juntes!”, tuitou a deputada. Em Minas Gerais, Célia Xakriabá recebeu 101.154 votos e foi a candidata mais votada do Psol. 

Indígenas eleitos. De acordo com a Câmara dos Deputados, cinco indígenas foram eleitos no pleito de 2 de outubro. Sônia Guajajara e Célia Xakriabá, pelo PSOL, Juliana Cardoso e Paulo José Carlos Guedes, pelo PT, e Silvia Waiãpi, pelo PL. Os candidatos da Bancada Indígenas, proposta pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), receberam quase 500 mil votos. Além de Célia e Sônia, eleitas com 101.154 votos e 156.966 votos, respectivamente, outros destaques foram as candidatas Vanda Witoto (Rede-AM), que recebeu 25.382 votos, e Joênia Wapichana (Rede-RR), com 11.221 votos. Nenhuma das duas foi eleita. Kerexu Guarani recebeu 35.215 votos em Santa Catarina. Para a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), Chirley Pankará (Psol) conseguiu 27.802 votos, mas não foi eleita. Todos os citados são candidatos fortes para as próximas eleições municipais em 2024 e nacionais em 2026. 

Silvia Waiãpi (PL-AP) é apoiadora de Jair Bolsonaro, próxima a Damares Alves e já chefiou a Sesai (Secretaria de Saúde Indígena). Quando estava no cargo, Sônia Guajajara liderou um protesto contra sua gestão. Agora, as duas devem estar em lados opostos da Câmara. “Quem representa Bolsonaro não representa a luta dos povos indígenas, então eu e Silvia estaremos em lados opostos, mas está valendo”, disse Guajajara à Folha.

NOVEMBRO 

O ministro Edson Fachin, do STF, determinou que a Funai mantenha vigentes as restrições de acesso e uso da Terra Indígena Tanaru, onde viveu o Índio do Buraco, o último de seu povo. Foi pela presença desse indígena de etnia e nome desconhecidos que a Funai conseguiu proteger a terra de 8.070 hectares por décadas. A decisão do ministro ainda obriga o governo a cumprir outras medidas: adoção de medidas para proteção integral de territórios onde há grupos isolados; apresentação de plano de ação para regularização dessas terras; e definição de um cronograma para expedições da Funai. A Arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF 991) havia sido proposta pela Apib. “Essa ADPF é mais uma importante vitória da Apib no âmbito da jurisdição constitucional. Ela foi proposta em junho, no contexto da morte de Bruno e Dom, e a Apib foi ao Supremo justamente buscar medidas de proteção específicas para povos indígenas isolados e de recente contato. O Ministro acatou algumas providências como, por exemplo, a determinação para que o Governo Federal adote todas as medidas necessárias para garantir a proteção integral dos territórios com a presença de povos isolados, garantindo que as portarias de restrições de uso sejam sempre renovadas antes do término da sua vigência e até que a terra seja efetivamente demarcada. Outro pedido acatado foi a definição do prazo de 60 dias para a União elaborar um plano de ação para a regularização e proteção das terras indígenas. Agora vamos ter a missão de monitorar para saber se a decisão do Supremo está sendo realmente cumprida”, afirmou Eloy Terena, coordenador jurídico da Apib.

DEZEMBRO 

Yanomami. Por conta do desvio de recursos públicos para compra de medicamentos, o Ministério Público Federal (MPF) recomendou a nomeação de um interventor para chefiar o Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (Dsei-Y). Na TI localizada em Roraima e Amazonas, os casos de malária e dos índices de mortalidade infantil e subnutrição têm aumentado, mesmo sendo o distrito que mais recebe verbas no Brasil: R$ 200 milhões desde o ano de 2020. Agentes públicos e privados estão envolvidos nas fraudes. 

Junto com a Polícia Federal, o MPF fez uma operação para combater os desvios. A retenção de medicações dedicadas ao combate de doenças atingiu mais de 10 mil crianças. As fraudes envolviam o pagamento de notas mesmo sem a entrega de medicamentos e o posterior rateio dos valores entre os agentes públicos e privados. Segundo a PF, apenas 30% de mais de 90 tipos de medicamentos foram entregues. 

Ministério.  Entre as principais propostas do Grupo Técnico (GT) Povos Indígenas do governo de transição está a incorporação da Fundação Nacional do Índio (Funai) ao novo Ministério dos Povos Indígenas e a demarcação de 13 Terras Indígenas que já estão prontas para sem homologadas. São as TIs dos povos: povos Pataxó, Kariri-Xokó, Potiguara, Xukuru-Kariri, Tremembé, Guarani, Kaingang, Karajá, Arara, Katukina Pano, Yawanawá, Tukano e Kokama. Segundo levantamento do GT, 63% dos procedimentos demarcatórios estão totalmente paralisados e sem nenhum tipo de providência

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) encaminhou ao presidente Lula uma espécie de lista tríplice para o Ministério dos Povos Originários. Na lista, são sugeridos os nomes de Sonia Guajajara, eleita deputada federal pelo PSOL de São Paulo, Joenia Wapichana (Rede-RR), primeira mulher indígena eleita deputada federal, em 2018, e advogado e vereador de Caucaia (CE) Weibe Tapeba. “Nos colocamos à disposição do diálogo e seguimos unidos para construirmos a democracia e as políticas para os povos indígenas do Brasil”, diz o texto da carta. 

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