Elaborado pelo MPI com outros ministérios e órgãos do governo federal, área com oito mil hectares localizada em Rondônia recebeu nome em homenagem ao indígena Tanaru, conhecido como “Índio do Buraco”

– Foto: Acervo FUNAI

Oministro Edson Fachin do Supremo Tribunal Federal (STF) homologou, na quinta-feira (11), o Plano de Trabalho para a criação do Parque Nacional Tanaru. O documento foi desenvolvido pela Casa Civil, Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (Icmbio), Ministério de Direitos Humanos e Cidadania (MDHC) e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

Fachin declarou que a criação do parque nacional será um “instrumento de reparação da histórica violência e vulnerabilização sofrida pelos povos originários do Brasil”. Ele destacou que o plano de trabalho apresentado pela União foi elaborado a partir de amplo diálogo e cooperação institucional, atendendo ao dever fundamental do Estado de proteger o patrimônio ambiental, cultural e arqueológico relativo ao território outrora ocupado pelo povo Tanaru.

Na mesma decisão, Fachin autorizou a prorrogação dos efeitos de portaria da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) que restringe o uso da área até a formalização do Parque Nacional Tanaru, garantindo a continuidade das medidas protetivas previstas na norma.

De acordo com o Plano de Trabalho, o Parque Nacional Tanaru terá cerca de oito mil hectares no Estado de Rondônia, na fronteira com a Bolívia. O nome do Parque é uma homenagem ao indígena homônimo, que viveu em isolamento voluntário por pelo menos 26 anos. Tanaru é um apelido que agentes da Funai deram ao indígena em referência a um rio que atravessa a região, mas também se refere ao povo ao qual ele pertence.

DEPIR 

O envolvimento do Departamento de Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (DEPI) da Secretaria Nacional de Direitos Territoriais Indígenas (SEDAT) do MPI se deu desde o princípio da iniciativa por meio da participação em reuniões preliminares coordenadas pela Casa Civil e na elaboração da proposta de Plano de Trabalho, que destacou estudos arqueológicos feitos na região com o intuito de promover reparação e preservação da memória e patrimônio histórico indígena.

“A floresta que hoje está conservada é resultado da cultura de um povo, que resistiu e manteve seu modo de vida ao longo de todos esse anos, ou seja, trata-se de um lugar de memória e de existência de um povo alvo de genocídio”, segundo Beatriz Matos, diretora do Departamento de Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato da SEDAT do MPI.

Conforme o Plano de Trabalho, MPI, Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) têm até novembro para analisar e aprovar os estudos ambientais, socioeconômicos e culturais referentes à área delimitada. Em seguida, os mesmos órgãos precisam elaborar a proposta de criação do Parque Nacional até o final de dezembro de 2025. O plano de implementação da unidade, o provimento de cargos e de servidores e a formação de conselho consultivo estão previstos para 2027.

Histórico

Os registros da ocupação territorial do indígena Tanaru foram documentados pela Coordenação da Frente de Proteção Etnoambiental Guaporé da FUNAI desde 1996, com o estabelecimento de Portarias de Restrição de Uso. A proteção do território de ocupação do indígena Tanaru se inicia logo após a constatação de sua presença em áreas de floresta de propriedades consideradas privadas. O cenário era de desmatamento, extração de madeira e acesso de pessoas estranhas não autorizadas pela FUNAI, sendo essencial o estabelecimento de mecanismos legais que garantissem a proteção ao indígena e ao seu território.

As informações sobre a ocupação indígena na região, especialmente entre os rios Corumbiara, Mequens, Tanaru e Taboca, que atravessam e margeiam o território Tanaru têm como principais fontes relatos coletados entre membros de povos indígenas vizinhos (e/ou de seus descendentes), documentos históricos e literatura antropológica e histórica a respeito destes povos. 

São memórias de diferentes gerações, que mostram uma região altamente marcada por contatos forçados, deslocamentos, conflitos e alianças entre povos indígenas e não-indígenas. Os relatos revelam tanto episódios de convivência amistosa quanto de violência, massacres, ataques, e guerras, incluindo episódios de resistência e estratégias de proteção. 

Até a década de 1910, quando da chegada massiva de colonos para a exploração da borracha, que acompanhada de violência, epidemias e deslocamentos forçados, vitimaram diversos povos indígenas da região, as relações entre os povos eram fluidas, variando entre cordialidade e conflito, refletindo a complexidade das redes sociais e culturais. 

“Neste sentido, deduz-se a hipótese de conexão étnica do povo Tanaru com o povo que se autodenomina Kampé, histórica e genericamente chamado de “Corumbiara”. A língua que falavam – considerada morta em 2021 com o falecimento de Pedro Arthur, o último falante – pertence à família Tupari, do tronco linguístico Tupi. De todo modo, os indícios preliminares apontam maior probabilidade de que se trate de algum dos povos falantes de línguas da família Tupari, como é o caso dos Akuntsu, Sakirabiat (“Mequéns”), Wajuru, Makurap e os próprios Tupari. A depopulação dos Kampé foi drástica, e sua habilidade na construção de barcos é apontada como fator de cobiça para os seringalistas na época”, relata o Plano de Trabalho.

ADPF 991

A União delimitou a área de aproximadamente oito mil campos de futebol para o indígena entre os municípios de Parecis, Pimenteiras do Oeste, Chupinguaia e Corumbiara. Ele ficou conhecido como “Índio do Buraco” por cavá-los nas malocas que habitava. Ele faleceu em 2022, quando foi encontrado por indigenistas em uma rede dentro das últimas palhoças que ergueu, mas seu primeiro avistamento foi registrado por não indígenas em 1996.

A decisão para estabelecer o Parque foi tomada nos autos da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 991, que trata da proteção de territórios tradicionalmente ocupados por grupos indígenas isolados e de recente contato, após acordo firmado entre as partes envolvidas. A União deverá encaminhar ao STF relatórios semestrais sobre o cumprimento de cada etapa do projeto.

“A unidade de conservação de proteção integral será destinada ao reconhecimento e à preservação da memória material e imaterial do povo Tanaru. Com a morte do ‘Índio do Buraco’, surgiu a controvérsia quanto à possibilidade de demarcação da terra indígena, à necessidade de preservação da área e à criação de mecanismos para resguardar e ampliar o inventário cultural, material e imaterial dessa comunidade”, informou o STF em sua página oficial.

No âmbito do processo, foram discutidas alternativas para a destinação da área com órgãos e entidades envolvidos: o MPI, ICMBio, Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), IPHAN e Casa Civil da Presidência da República, responsáveis pelo Plano de Trabalho. 

Em 21 de maio foi celebrado o acordo para a elaboração e apresentação do plano de trabalho sobre a criação da reserva, a partir da interlocução entre os órgãos e entidades federais competentes e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), organização autora da ADPF.

“A melhor solução encontrada foi a criação de um parque nacional, sob o regime de proteção integral, aliado ao desenvolvimento de estudos sobre a memória do povo Tanaru”, afirmou o STF.

*Com informações do STF 

Fonte: https://www.gov.br/povosindigenas/pt-br/assuntos/noticias/2025/09/stf-homologa-plano-de-trabalho-para-a-criacao-do-parque-nacional-tanaru