Fred Di Giacomo
No dia 09 de agosto celebramos o Dia Internacional dos Povos Indígenas do Mundo, definido pelas Nações Unidas em 1994. A data celebra um marco importante para os povos nativos do planeta. É que, nesse mesmo dia, em 1982, acontecia a primeira reunião do Grupo de Trabalho da ONU sobre Populações Indígenas.
De lá para cá, correram 40 anos de muita luta, e diversos povos indígenas iniciaram um processo de ‘retomada’ de suas terras ancestrais. Mas ‘retomada’ não significa apenas voltar para suas terras roubadas pelos colonizadores europeus. Segundo o cacique Babau Tupinambá retomar “é um ritual de recuperar não só a terra: é tomar na mão a vida que foi tirada”.
Essa ‘retomada’, de terras e vidas, também ecoa nos diversos campos artísticos do Brasil, seja nas artes plásticas, seja na literatura indígena, seja na música que vai dos cantos tradicionais ao hip-hop.
Segundo artigo da colunista de Ecoa Julie Dorrico, hoje chamada Trudruá Dorrico, assinado em conjunto com Leno Francisco Danner e Fernando Danner, a literatura indígena, que eles definem como “política-politizante”, permite “a superação do silenciamento e do confinamento dos povos indígenas à esfera privada de vida”.
Para celebrar o Dia Internacional dos Povos Indígenas do Mundo — e a boa fase da literatura indígena, que supera o silenciamento iniciado há 500 anos no Brasil — indico cinco ótimas autoras para você ler, aprender e se encantar.

Trudruá Dorrico
Nascida Julie Dorrico, Trudruá ganhou o nome macuxi recentemente. Além de colunista de Ecoa, Dorrico escreveu os excelentes contos de “Eu sou macuxi e outras histórias” e participou de antologias como “Geração 2010: o sertão é o mundo”. É doutora em literatura, tendo defendido a tese “A literatura indígena contemporânea no Brasil: a autoria individual e a poética do eu-nós”.
Verenilde Pereira
Pioneira da literatura afroindígena, Verenilde Pereira é filha de mãe negra e pai do povo sateré mawé. Ainda pouco conhecida, a autora lançou, em 1998, o romance “Um Rio sem Fim” e, em 2002, a coletânea de contos “Não da Maneira como Aconteceu”. Nascida em Manaus, em 1956, Verenilde é professora e mora em Brasília.
Eliane Potiguara
Contemporânea dos poetas marginais da “geração mimeógrafo”, Eliane Potiguara publicava “poemas-pôster” e cartilhas mimeografadas com suas criações artísticas já em 1979. Começou a escrever, menina, cartas para a avó, que vivia na Paraíba. Em 2004, Eliane publicou “Metade cara, metade máscara” (2004), que, segundo Aílton Krenak, é “um livro totem” e funde ficção, memórias, poesia e alguns artigos sobre a luta de Eliane pelos direitos indígenas e pelos direitos das mulheres. Fundamental.
Márcia Kambeba
Neta de boto e primeira indígena a chegar ao primeiro escalão da prefeitura de Belém (PA), Márcia Kambeba tem mil faces artísticas e ativistas, fazendo valer a definição de Dorrico da literatura indígena como “política-politizante”. Seus poemas tem parentesco com o cordel e dialogam com as narrativas orais. Entre suas principais influências estão sua avó-mãe Assunta e a diretora da primeira escola em que estudou Tia Sueli. Publicou “Ay Kakyri Tama: Eu Moro Na Cidade”, entre outros.
Graça Graúna
Graúna não é só uma grande poeta, mas também uma acadêmica que ajudou a definir a literatura indígena contemporânea. Nascida em São José do Rio Campestre (RN), Graúna publicou o fundamental “Canto mestizo” (1999), mas também livros como “Tessituras da terra” (2000), “Tear da palavra” (2001) e os haicais de “Flor da mata” (2014).
GEOGRAFIA DO POEMA, Graça Graúna
I
O dia deu em chuvoso
na geografia do poema.
Um corpo virou cinzas
um sonho foi desfeito
e mil povos proclamaram:
– Não à violência!
A terra está sentida
de tanto sofrimento.
II
Na geografia do poema voam balas
passam na TV os seres nus
o pátio aglomerado
o chão vermelho
onde a regra do jogo
da velha é sentença
marcada na réstia
do sol quadrado.
III
Pelas ruas
a tristeza dos tempos
a impossibilidade do abraço.
Crianças
nos corredores da morte
nos becos da fome
consomem a miséria
matéria prima da sua sobrevivência.
IV
Nos quarteirões
dobrando a esquina
homens e mulheres
idôneos, cansados
a lastimar o destino
de esmolar o direito
dos tempos madrugados.
V
Se o medo se espalha
virá o silêncio
o espectro das horas
e as cores sombrias.
Se o medo se espalha
amargo será sempre o poema
VI
O dia deu em chuvoso
na geografia do poema
um sonho foi desfeito
mil povos pratearam.
A terra está sentida de tanto sofrimento.
Mas…
VII
Haverá manhã
e o sol cobrirá
com os seus raios de luz
a rosa dos ventos
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