Por Rosa Acevedo e Elieson Pereira da Silva
Nesse momento, alguém morre e será enterrado como mais uma nova vítima da COVID 19 na Amazônia. Milhões sentem os sintomas da doença no seu corpo e, mesmo recuperados,  vivem o medo diante das sequelas contraídas e da possibilidade de reinfecção por novas variantes mais letais do coronavírus.  Centenas de milhares de pessoas choram as mortes, enquanto milhões reconhecem a impotência de estar doentes, pois não dispõem de recursos e não conseguem atendimento em hospitais e postos de saúde. Muitos não dispõem de dinheiro para comprar medicamentos, água, álcool, máscaras e, o mais crítico, falta-lhes dinheiro para adquirir  alimentos para a família, situação frequente entre os que não tiveram acesso ao  Auxílio Emergencial, hoje suspenso.  As tragédias anunciadas de Manaus provocam horror e revolta, e elas se repetem de forma irresponsável e criminosa, o que representa a política de controle social através da morte, adotada pelo governo brasileiro.

Nesse documento, apontamos a responsabilidade do Estado e dos governos Federal e Estadual, que sacrificam e condenam a morte os povos da Amazônia

  1. O ano 2020 combinou e sobrepôs as práticas e políticas econômicas, fundiárias e as ditas reformas estruturantes do governo (apoiadas Congresso Nacional e pelas elites que o sustentam) com os efeitos sanitários e sociais da pandemia da COVID 19.  Ambos, sincronizados, são responsáveis pela morte, de acordo com dados oficiais, de mais de 210.000 pessoas até esta primeira quinzena de janeiro de 2021. A política social de morte é seletiva: as principais vítimas são indígenas, negros, favelados.
  2. Nos meses de abril e maio do primeiro ano da pandemia, esperou-se por um plano nacional de enfrentamento da pandemia.  No entanto, a proposta do “Plano Emergencial de combate à Covid 19” nos territórios indígenas e quilombolas, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e apoiada pela Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ), foi vetada por Bolsonaro. Com isso, a morte de lideranças e idosos golpeou em cheio muitos povos e comunidades tradicionais.  A omissão e o descaso têm sido descarados, e neste segundo ano da pandemia, com os efeitos agravados da crise sanitária e social, o Plano de Contingência inexiste, bem como o aguardado plano de vacinação.  Isto porque é dever do Estado assumir a responsabilidade pelo atendimento aos doentes e a vacinação, privilegiando os grupos sociais mais “vulneráveis”, uma expressão que não traduz as desigualdades sociais e injustiças radicais e o racismo que ficaram escancarados com a pandemia.
  3. Esse ano passado foi de muitas lutas pelos territórios e pela proteção da vida.  Centenas de famílias foram ameaçadas,  despejadas de suas moradias e terras. Povos indígenas tiveram as terras invadidas por garimpeiros, madeireiros, grileiros, plantadores de soja e dendê. Também as empresas de mineração intensificaram seus projetos e metas de exploração. Neste período, as instituições de gestão ambiental e fundiária favoreceram as atividades de mineração, madeireira, a dendeicultura e outros cultivos homogêneos que praticam a usurpação das terras ocupadas tradicionalmente por esses povos.  De outro lado, o Estado regulamentou atividades de exploração econômicas nas terras indígenas em atendimento às pressões políticas do capital que dá sustentação aos planos governamentais.  Os agentes econômicos e políticos decidem sobre os territórios de povos e comunidades tradicionais, colocando em risco os modos de existência desses grupos.
  4. De acordo com o INPE –  Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), a taxa de desmatamento na Amazônia Legal Brasileira em 11.088 km² de corte raso no período de 01 agosto de 2019 a 31 julho de 2020. Os dados gerados pelo Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (PRODES) mostram que o desmatamento nos estados do Pará, Mato Grosso, Amazonas e Rondônia correspondem a 87,8% do total.  De acordo com informe recém divulgado pelo Imazon, o desmatamento na Amazônia cresceu 30% em 2020, comparado ao ano anterior. Foram mais de 8.000 km2 de cobertura florestal transformados em cinzas, para abrir caminho à implantação de atividades agropecuárias e minerárias. O Pará se sobressai novamente como o principal estado desmatador, com 42% (336.000 hectares) devastados. Altamira e São Félix do Xingu ocupam o topo do triste ranking entre os municípios amazônicos que mais desmatam. O desmatamento é uma prática ilegal e criminosa que está associado à especulação e grilagem de terras públicas na Amazônia e em torno da qual se realiza a exploração madeireira, o garimpo predatório e outras atividades ilegais. Que interesses e grupos econômicos e políticos estão inseridos nessas atividades e são responsáveis por destruição dos recursos (queimadas,  contaminação),  ameaças de homens e mulheres e crimes de violência física (remoções, despejos), e assassinato de lideranças?  Os nomes dos agentes que realizam essas operações são conhecidos.  Também é de conhecimento público os instrumentos legais que acobertam seus desmandos.  A Medida Provisória 910 de  10 de dezembro de 2019, conhecida como M.P da Grilagem,  permite que terras públicas desmatadas com até 2,5 mil hectares se tornem propriedade de quem as ocupou irregularmente, desde que se cumpram alguns requisitos.  Essas áreas correspondem a cerca de 57 milhões de hectares, e a maioria delas está localizada na Amazônia. Os proponentes e beneficiários dessa medida estão articulados com a Bancada Ruralista do Congresso Nacional.  No alastramento desse processo, áreas reivindicadas por esses agentes podem ser territórios reivindicados por comunidades tradicionais.  Enquanto isso, povos indígenas e comunidades quilombolas aguardam pela finalização de processos demarcatórios de seus territórios.
  5. Dentre as medidas concretas mais nefastas adotadas durante a pandemia, destaca-se a Instrução Normativa Funai nº 09, de 16 de abril de 2020, que dispôs sobre a emissão de Declaração de Reconhecimento de Limites em favor de agroempresários que reivindicam apossamentos ilegais no interior de terras indígenas ainda não demarcadas, excluindo as referidas terras tradicionalmente ocupadas da base cartográfica do Sistema de Gestão Fundiária do Incra.  A medida se inscreve no prelúdio etnocida enunciado pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, na reunião ministerial ocorrida naquele mês. Segundo ele, era preciso aproveitar o momento oportuno em que todas as atenções estão voltadas para a pandemia e então “passar a boiada”, impondo mudanças infralegais em favor da devastação, sem o escrutínio da sociedade.  De acordo com estudo publicado por Santos (2020), no livro Pandemia e Território, as TI’s Ituna Itatá, Paquiçamba e Juruna do Km 17 estão entre as mais afetadas pela norma estimuladora da grilagem de terras.
  6. Outra questão crítica diz respeito à classificação de atividades econômicas como “serviços essenciais”, por parte dos governos federal, estadual e municipais.  Essa excepcionalidade abrangeu especialmente a mineração e o agronegócio, grupos de interesse isentos de quaisquer restrições sanitárias relativas ao distanciamento social, por serem considerados setores-chave da economia. Já restou comprovado que um dos principais vetores de transmissão do novo coronavírus foram as aglomerações de trabalhadores expostos a condições insalubres dentro de frigoríficos de transnacionais como a JBS e a Marfrig.
  7. Igualmente temerário tem sido a distribuição do chamado “kit covid”, composto por hidroxicloroquina, azitromicina e pelo vermífugo ivermectina, sob orientação do Ministério da Saúde, a partir de grotescas e reiteradas prescrições do Presidente da República, amparado em discursos negacionistas anti-vacina. Praticamente todos os entes federativos têm insistido em recomendar o insidioso “tratamento precoce” com medicamentos comprovadamente ineficazes para o enfrentamento à COVID-19, os quais podem, inclusive, oferecer graves riscos à saúde de grupos específicos, notadamente de hipertensos e portadores de doenças cardiovasculares.
  8. A constatação é de que não estamos sendo asfixiados somente pela covid-19, mas pela destruição de nossos territórios tradicionais por madeireiros, grileiros, especuladores, agroempresários e mineradoras, que tentam nos privar do direito universal à respiração.

Exigimos o fim do projeto social de extermínio do governo Bolsonaro, dos governos municipais e do estado do Pará!

TEMOS DIGNIDADE E EXIGIMOS RESPEITO POR NOSSAS VIDAS E EXISTÊNCIA!

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