Por Leanderson Lima
Quebra de sigilo telefônico mostra que no intervalo entre 1º de junho de 2021 e 6 de junho de 2022, o comerciante conhecido como “Colômbia” ligou 419 vezes para o pescador Jânio Freitas de Souza, que foi uma das últimas pessoas com quem Bruno e Dom conversaram no dia dos brutais assassinatos. Na imagem acima, Jânio e Colômbia (Fotos: Cícero Pedrosa Neto/Amazônia Real e Reprodução redes sociais).
Manaus (AM) – A partir de uma mentira, Rubem Dário da Silva Villar, o “Colômbia”, e Jânio Freitas de Souza, foram indiciados no último dia 31 de maio pela Polícia Federal (PF) pelos assassinatos de Bruno Pereira e Dom Phillips. A quebra de sigilo telefônico feita pela PF mostrou que entre 1º de junho de 2021 e 6 de junho de 2022, um dia após as mortes brutais do indigenista brasileiro e do jornalista britânico, “Colômbia” e Jânio trocaram nada menos do que 419 ligações. Jânio, que foi uma das últimas pessoas com quem Bruno e Dom conversaram em 5 de junho, disse em mais de uma ocasião que conhecia “Colômbia” apenas de vista. O indiciamento dos dois fecha o cerco sobre as motivações dos assassinatos: eles e Amarildo da Costa Oliveira, o “Pelado”, já preso, fariam parte de uma organização criminosa transnacional que praticava a pesca ilegal na região da Terra Indígena Vale do Javari, no Amazonas, fronteira com Peru e Colômbia.
O despacho assinado pelo Delegado da Polícia Federal, Francisco Vicente Badenes Júnior, descreve “Colômbia” como um comerciante de pescados e carne de caça no Peru e na Colômbia. Segundo a PF, o comerciante estaria no comando da organização criminosa. Abaixo dele na hierarquia, estava o seu “braço direito”, Amarildo da Costa Oliveira, o “Pelado”, e Jânio Freitas de Souza, apontado como líder na comunidade São Rafael, localizada no rio Itacoaí, na divisa com a terra indígena. Foi nesse percurso entre essas duas comunidades que Bruno e Dom sofreram uma emboscada e depois foram assassinados.
“Pelado” e Jefferson da Silva, o “Pelado da Dinha”, são réus confessos. Eles admitiram às autoridades policiais que mataram, esquartejaram e queimaram os corpos de Bruno e Dom, escondendo os restos mortais na floresta que margeia o rio Itacoaí. A polícia também prendeu Oseney da Costa Oliveira, irmão de “Pelado” e conhecido como “Dos Santos”, que nega a participação nos crimes.
De acordo com o despacho de indiciamento, “Pelado” e Jânio se organizaram de forma estruturada com o objetivo de praticar a caça e pesca ilegais, e faziam uso de violência (armada), para praticar crimes ambientais e fazer contrabando dos produtos para Colômbia e Peru. Em dezembro do ano passado, a PF chegou a prendê-lo novamente, mas não por causa dos assassinatos. Em janeiro, a PF já havia indicado que “Colômbia” havia mandado assassinar Bruno e Dom.
As investigações da PF mostram que integrantes dessa organização criminosa transnacional vêm promovendo ataques a embarcações e bases da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) no Vale do Javari, desde 2017. “Colômbia”, “Pelado” e Jânio estariam veiculados a tais ataques e também ao assassinato do funcionário da Funai, Maxciel Pereira dos Santos, que era amigo do indigenista Bruno Pereira, diz a PF. Maxciel foi morto com em uma emboscada com um tiro no pescoço no dia 6 de setembro de 2019, em Tabatinga, cidade próxima de Atalaia do Norte, onde fica a TI Vale do Javari, na região da tríplice fronteira.
De acordo com as investigações, em uma captação de áudio realizada na cela em que “Colômbia” e “Pelado” estavam, ficou registrada que foi Colômbia quem forneceu a munição para que “Pelado” matasse Bruno e Dom.
Cabeça a prêmio

O indiciamento foi divulgado pela primeira vez no programa Fantástico, neste domingo (4). A TV Globo é uma das integrantes do consórcio Forbidden Stories, iniciativa de jornalismo investigativo integrado também pela Amazônia Real dentro do Projeto Bruno e Dom. O consórcio totalizou a participação de 16 mídias brasileiras e internacionais. A agência participou com a publicação das reportagens “Os guerreiros do Médio Javari”; “A fome pelo ouro do rio Madeira”; e “Uma BR-319 no meio do caminho”.
Segundo a PF, o indigenista Bruno Pereira já estava sofrendo ameaças de morte e tinha a sua “cabeça a prêmio” pela organização criminosa, que vinha monitorando os passos do indigenista, bem como do jornalista britânico. A quebra de sigilo telefônico mostrou que “Colômbia”, Jânio e “Pelado” se comunicaram no dia do crime, antes e depois do duplo homicídio.
A polícia analisou ainda um disco de memória encontrado nas proximidades onde ocorreu o crime. O objeto pertencia a Dom Phillips. Neste dispositivo foi encontrada uma fotografia na qual um homem, que parece ser Jânio Freitas de Souza, conversa com Dom. Conforme os metadados da imagem, ela foi tirada na manhã de 5 de junho de 2022, horas antes de Bruno e Dom terem sido assassinados, nas proximidades da comunidade de São Gabriel.
Na semana em que foram assassinados, a reportagem da Amazônia Real esteve no Vale do Javari para acompanhar a procura de Bruno e Dom. Àquela altura, quando ainda não se sabia dos brutais assassinatos, só era possível reconstituir os últimos passos da dupla na região. Na comunidade São Rafael, último lugar no qual o indigenista e o jornalista foram vistos em 5 de junho, a reportagem encontrou contradições nos relatos dos ribeirinhos.
Dentro do conjunto de revelações feitas pelo consórcio Forbidden Stories, está a descoberta pela Equipe de Vigilância da Univaja (EVU) de pertences pessoais, inclusive o aparelho celular de trabalho que Bruno Pereira utilizava. Nele, estavam contidas fotografias e vídeos, inclusive também o registro de Dom com Jânio.
Na reportagem “Os minutos finais de Bruno e Dom em São Rafael”, o jornalista Cícero Pedrosa Neto conversou com Jânio Freitas, que chegou a ser detido, ao lado de outro líder ribeirinho, “Churrasco”. Os dois foram considerados pela polícia como suspeitos do desaparecimento de Bruno na noite de segunda-feira (6), mas foram liberados no dia seguinte após abertura de inquérito. O pescador Jânio afirmou à Amazônia Real:
“Ele (Bruno Pereira) disse que queria ajudar nós e que estava avexado (apressado) porque tinha uma reunião em Tabatinga com a Polícia Federal, e que ia me ligar lá pra uma hora da tarde. Eu esperei e nada. Como não tinha almoço aqui em casa, eu fui pro rio pescar (…) A primeira vez foi essa, só tinha visto ele em umas reuniões por aí”, disse Jânio. Na frase, está explícita a informação de que o pescador sabia que o indigenista Bruno Pereira iria para a PF, algo que, no mínimo, soa estranho.
A rota do pescado ilegal

No inquérito, uma testemunha que está sob proteção, contou que Maxciel dos Santos foi assassinado a mando de Colômbia. A motivação seriam as apreensões de peixe feitas pelo funcionário da Funai, nas embarcações de Jânio. Segundo o despacho da PF, o produto do crime obtido pela organização criminosa chefiada por “Colômbia” era levado até a Islândia, no Peru, e também até Letícia, na Colômbia, para ser ali comercializado.
“Múltiplos fatos, circunstâncias, depoimentos e peças técnicas, se encontram devidamente concatenados e convergentes, no sentido de apontar que Ruben Dario da Silva Villar, vulgo ‘Colômbia’, comandava a Organização Criminosa Transnacional, sendo este o maior beneficiário dos lucros advindos da atividade ilícita de caça e pesca ilegal, em Terra Indígena e Protegida pela União, tendo a pessoa de Jânio Freitas de Souza, como o seu braço direito junto àquela comunidade de pescadores”, diz o despacho.
Para a PF, Bruno Pereira e Maxciel Santos foram mortos porque a atividade de fiscalização exercida por eles atrapalhava a organização criminosa comandada por Colômbia. Dom Phillips foi assassinado por investigar os crimes da organização.
O comerciante “Colômbia” foi indiciado no artigo 121 (homicídio), incisos I e IV, quando o crime ocorre mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa da vítima; e no artigo 211 (ocultação de cadáver).
Assim como Ruben, Jânio Freitas de Souza foi indiciado pelos mesmo crimes, e ainda foi enquadrado no artigo 348, por ter dito no depoimento que conhecia “Colômbia” apenas de vista, sendo que o registro telefônico mostra que ele falou com o suspeito mais de 400 vezes em um intervalo de um ano.
De volta à fase de instrução

O processo judicial do caso Bruno e Dom está na fase de instrução. Nessa etapa, as testemunhas e os réus são ouvidos pela Justiça. Os três acusados já foram interrogados, mas serão ouvidos novamente, uma vez que o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) autorizou que mais testemunhas sejam ouvidas. Só após essa etapa, a Justiça Federal vai decidir se os três irão à júri popular. A decisão de ouvir mais testemunhas foi proferida em 16 de maio, durante o julgamento de um “habeas corpus” (HC) apresentado pelos advogados dos réus.
“Pelado” e Jefferson chegaram a alegar que cometeram o crime por legítima defesa, revelando o teor da estratégia da defesa. Em depoimento prestado em 9 de maio, eles disseram que o indigenista brasileiro foi o primeiro a atirar na direção deles, e que apenas reagiram ao ataque que resultou também na morte do jornalista.
O Ministério Público Federal (MPF), além de acompanhar as audiências pela Justiça Federal, também atua em outros dois inquéritos. Um apura se mais pessoas agiram para esconder os corpos das vítimas em área de difícil acesso no município de Atalaia do Norte; e o outro busca justamente identificar possíveis mandantes das mortes.

Fonte: https://amazoniareal.com.br/caso-bruno-e-dom-indiciados-colombia-e-janio-trocaram-419-ligacoes/
Comentários