O mecanismo, anunciado durante o Fórum Permanente das Nações Unidas sobre Questões Indígenas, será desenvolvido por meio de parceria entre o TFFF e a Aliança Global de Comunidades Territoriais

Por meio de uma parceria de cocriação, será desenvolvido mecanismo de governança e acesso a financiamento por povos indígenas e outros povos e comunidades tradicionais. Foto: Leo Otero

Na 24ª sessão do Fórum Permanente das Nações Unidas sobre Questões Indígenas (UNPFII) foi anunciada uma parceria formal entre o Tropical Forest Forever Facility (TFFF) e a Aliança Global de Comunidades Territoriais (GATC, na sigla em inglês) pela ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, e pelo Secretário Executivo da GATC, Juan Carlos Jintiach. O objetivo é viabilizar o desenvolvimento conjunto dos mecanismos de governança e de acesso ao financiamento ambiental por povos indígenas e comunidades locais, o que representa um avanço concreto protagonizado pelo Brasil, em direção ao financiamento direto, inclusivo e equitativo aos serviços ambientais prestados por esses grupos.

Em sua fala durante o lançamento, a ministra defendeu a importância de que os recursos financeiros cheguem de fato aos territórios e sejam geridos pelas organizações comunitárias, alinhados às suas prioridades e governança, com o propósito de fortalecer a autonomia e a ampliação do impacto da proteção florestal já realizada há séculos por povos indígenas e outros povos e comunidades tradicionais.

“Diferente de iniciativas impostas de cima para baixo, o TFFF está sendo desenhado em parceria direta com povos indígenas e comunidades tradicionais, garantindo que as vozes, os conhecimentos e as necessidades desses povos e comunidades moldem cada etapa do processo; da concepção à implementação. Aqui, não somos ‘beneficiários passivos’, mas arquitetos ativos de soluções climáticas”, enfatizou a ministra.

Com lançamento previsto para a COP30, a iniciativa inédita proposta pelo governo brasileiro visa mobilizar fluxos financeiros sustentáveis para proteger as florestas tropicais por meio de um novo modelo de investimento. Financiado por empréstimos soberanos e investimentos do setor privado, os retornos gerados pelo fundo serão direcionados aos Países com Florestas Tropicais (TFCs, na sigla em inglês) na forma de pagamentos baseados em desempenho para garantir que a floresta tropical tenha mais valor em pé do que derrubada.

Em uma ação histórica, o TFFF se comprometeu a alocar pelo menos 20% desses pagamentos baseados em desempenho especificamente para aqueles que estão na linha de frente da proteção florestal, especialmente Povos Indígenas e Comunidades Locais (PIs e CLs). Por meio de financiamento misto, o TFFF combinará capital soberano e filantrópico com investimento privado para criar um fundo de US$ 125 bilhões, que gera pagamentos anuais com base no desempenho dos países com florestas tropicais. Isso posicionará às florestas uma classe de ativos com valor global.

Os pagamentos são verificados de forma independente por meio de monitoramento por satélite. O TFFF visa valorizar e recompensar os serviços ecossistêmicos vitais que as florestas tropicais em pé fornecem a todo o planeta, tornando a conservação um caminho econômico sustentável para os países com florestas.

Por meio de uma parceria de cocriação, o GATC desempenhará um papel central na definição de como esses fundos serão governados, distribuídos e acessados. Essa colaboração representa um passo significativo na promoção de fluxos financeiros guiados por soluções climáticas culturalmente relevantes, orientadas por territórios e lideradas pelas comunidades.

Como será o desenvolvimento do mecanismo

O processo de cocriação será realizado com ampla consulta e participação em redes de povos indígenas e comunidades locais além do GATC. Com representação de instituições de diferentes grupos e regiões do planeta, o intuito é a garantia da diversidade de vozes no processo de desenho do mecanismo direto de financiamento. Sua organização será orientada por um comitê diretor global composto por representantes de organizações indígenas e comunitárias na América Latina, África e Ásia.

Uma série de sessões de engajamento será iniciada com um diálogo de escuta durante o Fórum de Políticas Florestais da ONU (UNPFII), seguido por uma reunião internacional no Congresso Global de Bacias Florestais em Brazzaville, a ser realizado em maio.

O coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e co-presidente do GATC, Kleber Karipuna, destacou a importância da conformação de um comitê, que será composto por organizações membros de diversos países. “É importante levarmos nossas preocupações e estarmos juntos na mesa de diálogo para avançar esse processo, desenhando a arquitetura para o financiamento climático do TFFF para construir um mecanismo que tenha relação com os povos indígenas e comunidades locais mais próxima da nossa realidade e dos nossos princípios”, afirmou a liderança indígena.

Kléber Karipuna afirmou que a definição dos 20% de recursos destinados aos povos indígenas e comunidades locais foi o primeiro resultado fruto do debate entre o governo federal, os povos indígenas, outros povos e comunidades tradicionais. “Esse é um avanço interessante para reafirmar o compromisso do próprio mecanismo e também dos países membros, que estão propondo a manutenção desse diálogo”, disse.

“O financiamento é importante e os recursos financeiros precisam chegar até o chão do território. Mas estamos propondo mais do que isso: que ele viabilize a garantia da proteção dos territórios, da vida desses povos e da biodiversidade que neles existe. Propomos que, cada vez mais, os territórios indígenas sejam demarcados. No caso do Brasil, que sejam reconhecidos ou titulados conforme as regras de outros países para o enfrentamento à crise climática. Precisamos que esse reconhecimento se transforme em ações concretas de apoio, de parcerias, de alianças”, completou.

A fala de Kléber corrobora com o pleito do governo federal e do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) de defesa de políticas internacionais de garantia da proteção dos direitos e de territórios indígenas para o enfrentamento à emergência climática, como foi reforçado pela ministra em seu discurso.

Canais de financiamento

Sonia Guajajara destacou a contribuição efetiva promovida por políticas indigenistas bem executadas, associadas às ações das organizações indígenas e aos conhecimentos tradicionais indígenas para limitar o aumento da temperatura global, conservar a biodiversidade e promover seu usufruto sustentável. “Essas são ações que contribuem para as principais metas das grandes Convenções Internacionais do Meio Ambiente, como a do Clima e da Biodiversidade. Somente com os orçamentos nacionais não conseguiremos cumprir com eficácia as metas internacionais. Portanto, se a proteção dos territórios indígenas contribui com as metas internacionais, precisa ser entendida como uma política internacional e ter canais internacionais de financiamento”, reforçou a ministra.

Juan Carlos Jintiach, Secretário Executivo do GATC, também enfatizou o papel desses grupos para o combate à emergência climática. “Há muitas evidências que demonstram nosso papel crucial como povos indígenas e comunidades locais na manutenção das florestas em pé e já passou da hora de o financiamento climático refletir isso. Esse não é apenas um progresso, mas também uma mudança em direção a um novo tipo de financiamento climático que respeite nossos direitos, ouça nossas prioridades e siga o exemplo daqueles que cuidam dessas terras há gerações.”

“Esta parceria consiste em ouvir e liderar juntos”, disse André Aquino, diretor do Secretariado do TFFF. “É uma honra para nós cocriar um fundo que valoriza e investe naqueles que sempre protegeram nossas florestas. Precisamos garantir que aprendemos as lições ao fornecer acesso direto ao financiamento, confiança e flexibilidade serão palavras-chave aqui”, explicou Aquino

Entre as lideranças indígenas brasileiras estiveram presentes no evento Dinaman Tuxá, coordenador executivo da APIB pela Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), e Toya Manchineri, coordenador-geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB).

Sobre a Aliança Global

Já a Aliança Global de Comunidades Territoriais (GATC) é uma plataforma política de Povos Indígenas e Comunidades Locais unidos para defender a Mãe Terra em benefício do presente e do futuro de toda a humanidade ao atuar com representatividade por meio de processos democráticos, que abrangem desde o nível comunitário até o plurinacional.

A aliança representa 35 milhões de pessoas que vivem em territórios florestais de 24 países da Ásia, África e América Latina e contemplam cerca de 960 milhões de hectares. Ela é composta por cinco organizações: a Aliança Indonésia dos Povos Indígenas do Arquipélago (AMAN); a Aliança Mesoamericana de Povos e Florestas (AMPB); a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB); a Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (COICA); e a Rede de Populações Indígenas e Locais para a Gestão Sustentável dos Ecossistemas Florestais da África Central (REPALEAC).

Fonte: https://www.gov.br/povosindigenas/pt-br/assuntos/noticias/2025/04/em-nova-york-ministra-dos-povos-indigenas-anuncia-parceria-que-viabilizara-financiamento-internacional-a-povos-indigenas-e-comunidades-locais