Oficinas fortalecem a troca intergeracional de conhecimentos sobre a produção de artefatos fundamentais para o bem-viver dos Wayana, Apalai e Tiriyó.

Texto: Angélica Queiroz

Salaon Apalai aprendendo técnicas de trançado durante oficina na Aldeia Bona (Foto: Pedro Ribas –  Iepé)

Na língua Apalai, Tykahsamo é o nome dado aos trançados de arumã, com os quais é possível confeccionar diversos objetos essenciais para os povos Wayana, Apalai e Tiriyó, como abanos, cestos e peneiras, usados no preparo de farinha, beiju e bebidas tradicionais. Já Taxikasamo é o nome dos artefatos produzidos com técnicas de talhar madeira, como as canoas e remos, fundamentais nos deslocamentos de pessoas, objetos e mercadorias pelos territórios, além de imprescindíveis em atividades de subsistência como pesca e caça. 

Preservar esses conhecimentos tradicionais, promovendo oficinas de trocas entre as gerações, é uma das diretrizes voltadas ao fortalecimento e salvaguarda da cultura, ressaltadas no Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) das Terras Indígenas (TIs) do Parque do Tumucumaque e Rio Paru d’Este. Com esse foco, a Associação dos Povos Indígenas Wayana e Aparai (Apiwa), em parceria com o Iepé e a Fundação Ford, realizou duas oficinas para a produção dos artefatos Tykahsamo e Taxikasamo.

Segundo a tesoureira da Apiwa, Cecília Awaeko Apalai, existe uma preocupação porque muitos jovens têm se afastado dos conhecimentos tradicionais. “Apesar de a gente morar distante da cidade, a influência de fora chegou forte nas nossas aldeias”, explica. Por esse motivo, a Apiwa tem incentivado o intercâmbio de saberes entre gerações. “Nosso conhecimento não precisa ser resgatado, porque não está perdido, mas precisa ser revitalizado”, ressalta Cecília.

Aprendendo a registrando a produção dos trançados de arumã

A primeira etapa, voltada para oficina de Tykahsamo, aconteceu em novembro de 2024, na aldeia Bona (TI Parque do Tumucumaque), e contou com a participação de 30 jovens, incluindo homens e mulheres. 

Respeitando o modo de produção próprio desses povos, o grupo foi dividido em duas turmas, uma voltada para produção dos artefatos e outra para os registros da atividade e usos desses objetos. Tradicionalmente, os homens são responsáveis pela produção dos trançados, enquanto as mulheres são suas donas e usuárias. Por isso, enquanto eles aprenderam as técnicas para fazer os artefatos, elas participaram de uma oficina de registro de saberes, fazendo fotografias e sistematizando o conhecimento.

Maranauru Apalai, da aldeia Tapauku tirando fotos dos meninos trançando arumã na Aldeia Bona. (Foto: Pedro Ribas – Iepé)
Durante a oficina, as mulheres circularam pela aldeia fotografando objetos trançados de arumã e os usos destes. Na foto, a peneira de arumã está sendo utilizada para processar a mandioca. (Foto: Maranauru Apalai)

Além dos registros fotográficos, as mulheres que participaram da atividade também produziram desenhos e textos didáticos sobre uso destes artefatos, apresentados a todos no final da oficina. 

Confira abaixo um desses desenhos, feito coletivamente pelas mulheres durante a oficina, acompanhado do texto em Apalai, seguido de sua tradução em português. A ilustração mostra pessoas convivendo e trabalhando na aldeia e também jovens, com trajes não indígenas e ao lado de um ponto de internet, isolados da convivência. O menor interesse dos jovens pelas práticas tradicionais e a falta de participação nas atividades coletivas foram pontos discutidos durante a oficina.

Mapa

Descrição gerada automaticamente

“Sero desenho wenikepyra ro yna ehtoh poko yna nyriry tykahsã poko aruma tõ poko nohpo tõ nypenery tomo. Morararo tupito se exino mana wyi esaryme, otytyko tarykasã esaryme roropa, epona exino mana wyi enehse ytõko tynio maro, tyse maro, takorõke ahtao roropa arõko exino mana kataori ao tupito po exiketõ enehtozome, wyi, makaxira, napi, napoko, etc… arõko exino mana kataori ae tapyi taka ipikatohme, moromeipo tyhtohme euhkatome matapi aka, moromeipo inohnõko exino mana manare ae tyritohme orinato pona. Paxiha pona roropa wyi ekeiryhtao sapi ke itumehnõko, moromeipo touko anapam ke apitu pona.

Sero aruma kahsã kenãpako ynanase (Nohpotomo) sero maroro ponaro orutua kõ nyriry kenãpako ro ynanase: kataori, matapi, manare, anapam, sapi, ruto, apitu. Seromaroro pona ro ahtao irumekaryse pyra ynanase, yna ehtohme exiryke, yrome seromaroro ahtao otarãko tuenikehse, tueniketyrykõse toehse toto. Morara exiryke orutua kõ weniketyryse pyra ynanase tykahsã poko, aruma kapyry poko wenikehpyra ehtome” 

 “Esse desenho representa a valorização de nossos artesanatos feitos de arumã e sua importância de uso pelas mulheres. Também necessitamos de roça para plantar mandiocas e outros tipos de plantas. Nós vamos à roça para buscar mandiocas acompanhadas de maridos, mães e na maioria das vezes as irmãs são levadas junto para ajudar a carregar a cesta cargueira com os produtos de roça como mandioca, macaxeira, batata doce, cará etc. Levamos até a casa para descascar, ralar e, depois, colocar no tipiti para tirar caldo, peneirar e finalmente colocar no forno de argila. Antes de usar o forno e colocar massa de mandioca, primeiro limpamos com vassoura. Assim que estiver no ponto é retirada com o abano e colocado no apitu.

Assim nós (mulheres) utilizamos os artesanatos, até os dias de hoje usamos esses materiais produzido pelos homens que são: jamaxi, tipiti, peneira, abano, vassoura, cesta, apitu. Até hoje não queremos largar, pois isso é a nossa cultura, mas infelizmente alguns já se esqueceram, eles queriam esquecer. Portanto, queremos que os homens valorizem os seus domínios de produzir artesanatos, para que não se esqueçam de suas habilidades.”

Técnicas de construção de canoa em foco

A segunda oficina, de Taxikasamo, voltada para a produção de kanawa (canoa), aconteceu em março de 2025, em duas localidades: na aldeia Xuixuimene (TI Rio Paru D´este) e na aldeia Kureukuru (TI Parque do Tumucumaque). Participaram desta etapa 10 jovens de diferentes aldeias, que aprenderam técnicas que possibilitaram a construção de duas canoas. 

Turma de jovens realizando oficina de Taxikamano de kanawa na aldeia Xuixuimene. (Foto: Tyna Apalai Waiana)

“Como esses povos vivem em uma área de difícil acesso, é impossível o transporte de canoas manufaturadas de alumínio para lá, o que torna ainda mais fundamental saber fazer uma canoa bem-feita. Porém, hoje são poucos os jovens que detêm tais conhecimentos e habilidades”, explica Pedro Ribas, assessor do Iepé, que acompanhou a atividade. “Para além de um instrumento de mobilidade e troca, a canoa é importante para as ações de gestão dentro do território e sua governança, essencial no transporte de reuniões e assembleias, além das ações de vigilância e monitoramento territorial”, completa.

As canoas são fundamentais para o transporte na região. (Foto: Tyna Apalai Waiana)

Este projeto foi contemplado por um edital lançado pelo Iepé, com recursos da Fundação Ford. Continue acompanhando o nosso site para saber mais sobre outras atividades viabilizadas pelos editais de pequenos projetos, que contemplaram também outras associações parceiras do Iepé.

Fonte: https://institutoiepe.org.br/2025/05/entre-trancados-e-canoas-transmitindo-saberes-ancestrais/