Ministra dos Povos Indígenas critica fragmentação de acordos ambientais e dependência excessiva de tecnologia, propondo cosmovisão indígena como base unificadora para ações de mitigação e adaptação
– Foto: Fernando Donasci/MMA
Aministra Sonia Guajajara participou do Diálogo da América do Sul, Central e Caribe do Balanço Ético Global (BEG) junto à ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, na quinta-feira (21), em Bogotá, na Colômbia. Ambas compõem a comitiva do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o evento. A iniciativa discute, a partir da ética, as ações que a humanidade ainda precisa implementar para enfrentar a mudança do clima de maneira alinhada à ciência e à meta do Acordo de Paris de conter o aumento da temperatura média do planeta a 1,5ºC em relação aos níveis pré-industriais.
Inspirado no processo do primeiro Balanço Global do tratado internacional, concluído na COP28, o BEG traz a reflexão sobre até onde houve avanços, o caminho que ainda precisa ser percorrido e as transformações de comportamento e trajetórias coletivas necessárias para que haja o compromisso ético de colocar em prática as soluções técnicas existentes.
Dentro desse contexto, em seu discurso, a ministra Sonia Guajajara defendeu a necessidade urgente de uma revisão ética global sobre a relação da humanidade com a natureza, argumentando que a fragmentação das convenções ambientais em temas específicos criou divisões que precisam ser superadas por uma voz unificada.
“Está na hora de juntar estes diversos grupos que se especializaram tanto, mas que parece que não se falam, e voltar a falar com uma voz só. O grande foco do problema é esta relação do ser humano com a natureza que chama a destruição de progresso. Nós, povos indígenas, sempre dissemos que isto estava errado. Talvez nossa maior contribuição seja mostrar que o verdadeiro progresso é aquele que se reconecta com a natureza. Aquilo que as mulheres indígenas no Brasil chamam de reflorestar as mentes”, explicou a ministra.
Ela propôs que os conhecimentos e cosmovisões dos povos indígenas, que sempre pregaram uma conexão não predatória com o meio ambiente, devem ser o centro dessa nova abordagem, indo além do reconhecimento atual limitado às políticas de adaptação e sendo incorporados também nas ações de mitigação.
“Cada povo indígena, com seu modo de vida, com sua cosmovisão e espiritualidade, em cada canto do mundo, e na América Latina ainda mais, tem sua maneira de estar conectado. Mas, em todas elas, praticamente, de uma forma que não é predatória”, disse.
Em sua fala, a ministra ainda alertou que a atual dependência de soluções puramente tecnológicas para a mitigação, sem mudança real de paradigma, renovou a exploração de territórios indígenas em busca de minerais críticos, perpetuando injustiças, travando o debate da transição justa e desviando financiamentos climáticos para guerras e mais exploração.
“Até agora, os conhecimentos indígenas foram reconhecidos no caderno de regras por meio do Artigo 7.5 do Acordo de Paris. Artigo importante, mas que restringe apenas às políticas de adaptação. As ações de mitigação, ao longo desta última década, ficaram restritas às buscas por mais políticas ligadas ao desenvolvimento tecnológico para reduzir o consumo e produção baseado nos combustíveis fósseis, mas nesta ânsia de um progresso que não muda a relação do ser humano com a natureza em si”, ponderou.
Por fim, ela conclui que, sem uma correção de rota ética, os eventos climáticos extremos continuarão a aumentar, beneficiando setores negacionistas, ampliando a crise de refugiados e alimentando discursos de ódio.
A mesa contou também com a participação do ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Márcio Macêdo, do presidente da COP30, André Corrêa do Lago, da ex-presidente do Chile, Michelle Bachelet, e da representante e Diretora da Fundação Rockfeller, Lyana LaTorre, que apoiou o evento.
Diálogos Regionais
O BEG ocorre a partir de Diálogos Regionais a serem realizados até outubro em diferentes continentes – o primeiro, representando a Europa, aconteceu em Londres no mês de junho. Em 21 de agosto, ocorre o segundo, que reunirá em Bogotá lideranças religiosas, políticas e empresariais, artistas, representantes de povos indígenas, comunidades locais e afrodescendentes, jovens, cientistas, formuladores de políticas públicas e ativistas da América do Sul, Central e Caribe.
Em cada região, um colíder ajudará a promover e articular os princípios, objetivos e operacionalização do Balanço Ético Global. Na América do Sul, Central e Caribe, Michelle Bachelet realizará esse papel, que na Europa foi desempenhado pela ex-presidente da Irlanda, Mary Robinson. Os demais colíderes são Wanjira Mathai (África), Kailash Satyarthi (Ásia), Anote Tong (Oceania) e Karenna Gore (América do Norte).
O processo resultará em seis relatórios regionais e um relatório-síntese, que na Pré-COP, em outubro, será submetido à Presidência da COP30 para consideração na formulação das decisões e envio a chefes de Estado e negociadores climáticos.
Além dos Diálogos Regionais, o BEG tem como base Diálogos Autogestionados, promovidos por organizações da sociedade civil e governos nacionais e subnacionais seguindo a mesma metodologia e princípios do processo central.
*Com informações do MMA
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