Promovido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), evento internacional contou com participação do secretário-executivo Eloy Terena e representantes do Departamento de Línguas e Memórias do MPI

2º Simpósio Internacional do STJ – Direitos dos Povos Indígenas – Foto: Washington Costa | MPI

Em um cenário de crescentes ameaças a direitos, o 2º Simpósio Internacional de Direito dos Povos Indígenas reuniu Judiciário, Executivo e lideranças tradicionais do Brasil e do exterior em Brasília, entre 18 e 19 de agosto. O encontro, realizado pelo Superior Tribunal de Justiça, convergiu para um consenso simples: garantir acesso à Justiça é a forma mais direta de fazer valer a Constituição de 1988. A agenda contou com a participação ativa do Ministério dos Povos Indígenas e combinou análise jurídica e debate de políticas públicas, com foco na aplicação concreta dos direitos, sobretudo, nos territórios. 

Ao longo dos dois dias, as mesas trataram de demarcação e proteção coletiva da terra, preservação do patrimônio material e imaterial e centralidade das línguas como portas de entrada para a Justiça. A preservação cultural foi apresentada como política de Estado, sustentada por instrumentos jurídicos, protocolos e cooperação institucional para proteger a integridade física e cultural dos povos. 

O encontro foi aberto pelo presidente do STJ, ministro Antônio Herman Benjamin. Segundo ele, as mais de três centenas de povos indígenas e as suas respectivas línguas mostram que não somos um país de um único povo. “É importante que nós, brasileiros, entendamos isso, não apenas pelos números, mas pelo que afirmam a legislação. O papel dos juízes é fundamental nesse processo [de garantia de direitos]”, ressaltou. 

Na mesa de abertura estiveram Marlova Noleto (UNESCO Brasil), a embaixadora Sophie Davies (Austrália) e o embaixador Emmanuel Kamarianakis (Canadá). A presidenta da Funai, Joênia Wapichana, sublinhou demarcação e proteção territorial com instrumentos que garantem justiça para os povos. “Essa é uma oportunidade fundamental para reafirmarmos o dever do Estado brasileiro com a Constituição Federal de 88, que reconhece aos povos indígenas seus direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupamos, a nossa cultura, os nossos costumes, a organização social e o modo de viver”, afirmou na sessão de abertura.

A presidenta salientou a importância institucional e o papel do Judiciário como barreira contra retrocessos. No entanto, lembro, é preciso estar sempre vigilante pois há diversas frentes de ataques como a tentativa de colocar na constituição a tese do marco temporal ou iniciativas para restringir a atuação da Funai no processo de demarcação de novos territórios. “Algumas mudanças legislativas, infelizmente, nos colocam para que esse trabalho da FUNAI se perca ou demore cada vez mais. E quanto mais se demora, mais se coloca em risco a vida dos povos indígenas”, disse.  

Política pública que garante o território

Os painéis combinaram diagnósticos e práticas, com grandes representações como Davi Kopenawa, Kokonã Metuktire, do Instituto Raoni, além de referências internacionais como Joe Williams, primeiro maori na Suprema Corte da Nova Zelândia, e Michelle O’Bonsawin, primeira pessoa indígena na Suprema Corte do Canadá. 

O Ministério dos Povos Indígenas pautou dois eixos centrais. O secretário-executivo Eloy Terena apresentou os resultados da política de desintrusão de terras indígenas, que já alcançou oito territórios indígenas, retirando invasores não indígenas das áreas e garantindo o usufruto exclusivo aos povos indígenas, conforme prevê a Constituição. O êxito da iniciativa é demonstrado por meio de exemplos como a redução de 98% nas áreas de garimpo ilegal no Território Yanomami; além da criação do Programa de Consolidação da Posse Indígena (PCPI), que visa a fase pós-desintrusão. 

As medidas do PCPI incluem a ampliação da infraestrutura básica nas aldeias, o apoio a atividades produtivas sustentáveis e a articulação de políticas públicas que assegurem condições concretas para as comunidades locais, respeitando os modos de vida e a organização social de cada povo. Além de prever um conjunto de ações integradas que envolvem o fortalecimento da vigilância comunitária, a prevenção de reinvasões, a proteção do território e o estímulo à gestão autônoma dos recursos naturais. 

“Não adianta a gente ir lá tirar o garimpeiro, tirar o gado, tirar o madeireiro e a gente não dá condições para que as comunidades indígenas, primeiro, tenham ali de forma autônoma capacidade para gerir o seu território e tenham também ali a presença do Estado brasileiro, porque senão toda a criminalidade volta de novo e aí vai ser um desperdício de recurso público”, afirmou. 

A implementação do programa será orientada por cinco eixos: monitoramento e proteção territorial, produção e uso de informações geoespaciais, formação de agentes indígenas e servidores públicos, articulação institucional com órgãos de fiscalização e financiamento por meio de recursos orçamentários e parcerias nacionais e internacionais. 

Terena esteve na mesa “O Direito à Terra: Propriedade Coletiva e Demarcação” e debateu fundamentos jurídicos e efeitos práticos da demarcação ao lado de Maurício Guetta, da Avaaz, Kari Guajajara, do Centro de Recursos Jurídicos para os Povos Indígenas e do advogado indígena Ivo Makuxi. 

2º Simpósio Internacional do STJ - Direitos dos Povos Indígenas

Línguas indígenas e acesso à Justiça 

O segundo eixo do MPI tratou da proteção e promoção das línguas indígenas como condição de acesso a direitos. Eliel Benites, diretor do Departamento de Línguas e Memórias (MPI) e indígena Guarani Kaiowá, abriu o painel ao situar as línguas como elementos intrínsecos à espiritualidade, à cosmologia e ao território. 

O professor lembrou a violência histórica do apagamento linguístico, da colonização a políticas assimilacionistas, e defendeu justiça linguística e reparação histórica via políticas de reconhecimento, revitalização e fortalecimento. “Temos que considerar a língua dos povos indígenas, essa diversidade de riqueza, como parte da língua do Estado nacional. Como direito. Como reparação histórica. Reparar é a recomposição dessa cosmologia dos povos, a recomposição das forças, das potências, do universo de cada povos que foram degradados, que foram decompostos ao longo do século na colonização”, disse. 

Benites relacionou a agenda linguística a resultados concretos em educação, saúde, mediação de conflitos e gestão territorial, com necessidade de orçamento, formação e institucionalidade permanentes. “Nós queremos que a sociedade brasileira entenda que a diversidade linguística não é um problema, ela é uma riqueza. Utilizar línguas indígenas no sistema judiciário, por exemplo, no campo do direito, é uma riqueza cultural que nós temos que utilizar para que nós possamos, de fato, começar a pensar uma justiça plena”, afirmou. 

Altaci Kokama, coordenadora de Promoção à Política Linguística do MPI, também trouxe sua perspectiva sobre o tema e defendeu a Década Internacional das Línguas Indígenas como oportunidade para afirmar o direito linguístico como direito humano, lembrando que cada língua é repositório vivo de saberes ancestrais e biodiversidade. “Primeiro que reconhecer o direito linguístico como direito humano é reconhecer que o território é vivo, o rio é vivo, as árvores são vivas e assim como toda a biodiversidade. Porque nas línguas indígenas estão todos os segredos, todos os saberes de falas, de remédios, de conexão ancestral, que revela uma resistência dos povos indígenas até os dias atuais”, explicou. 

Altaci listou conquistas e desafios na implementação de medidas de reconhecimento e revitalização, denunciou o glotocídio e defendeu acessibilidade e diálogo intercultural para que escolas, unidades de saúde e tribunais atendam adequadamente às comunidades. A mesa contou ainda com a participação da professora Bruna Franchetto (UFRJ).

Fonte: https://www.gov.br/povosindigenas/pt-br/assuntos/noticias/2025/08/em-simposio-liderancas-indigenas-debatem-direitos-para-protecao-de-territorios-e-culturas