Lideranças indígenas do estado formulam nota de repúdio contra projetos de lei do Senado que liberam mineração e atividades econômicas em Terras Indígenas e territórios em fase de demarcação
– Foto: MPI ASCOM
Ao todo, 20 lideranças indígenas do Conselho Indígena de Roraima (CIR) serão selecionadas para compor a delegação do Estado durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a COP 30. O número foi estabelecido na quarta-feira (13), no segundo dia da 9ª etapa do Ciclo COParente, que ocorreu na emblemática Terra Indígena Raposa Serra do Sol, mais especificamente às margens do Lago Caracaranã, município de Normandia-RR.
Na finalização do evento, que visa trazer informações sobre a conferência, os temas debatidos e as demandas do movimento indígena para incidir na COP 30, a ser promovida em novembro, em Belém-PA, as 150 lideranças que representam 11 regiões diferentes de Roraima aprovaram um nota de repúdio contra dois projetos de lei colocados em pauta pela senadora Damares Alves na quarta.
O primeiro deles é o PL 1331/2022, sobre a autorização de pesquisa e a lavra de recursos minerais em terras indígenas homologadas ou em processo de demarcação. O segundo é o PL 6050/2023, que versa sobre atividades econômicas em terras indígenas, alvo de requerimento de urgência, o que o faria pular as Comissões de Meio Ambiente e Constituição, Justiça e Cidadania para ser votada diretamente no Plenário do Senado Federal.
“Mais uma vez, uma ala do Congresso Nacional atua contra os direitos dos povos indígenas. Neste caso sequer se propõe a cumprir os ritos do Senado e muito menos a Convenção 169, que demanda consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas antes de tomar decisões que os afetam”, protestou o coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, Kleber Karipuna.
As lideranças locais dos povos Warao, Sarapá, Wapichana, Macuxi, Ingaricó, Taurepang, Yanomami, Pemon, Kayabi, Kambeba e Kariña realizaram uma plenária após as apresentações de palestras de membros do MPI, como João Urt, assessor do MPI, Elis Nascimento, diretora do Departamento de Justiça Climática da Secretaria Nacional de Gestão Ambiental e Territorial Indígena (SEGAT) do MPI e da presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), Joenia Wapichana.
As lideranças elencaram como os principais gargalos que enfrentam em seus territórios e comunidades: projetos contrários à ampliação de Terras Indígenas demarcadas, a presença de garimpo e mineração em TIs, bem como usinas de energia e hidrelétricas. Já as lideranças femininas apontaram a necessidade de ocupação dos espaços na política para evitar projetos de lei contrários à pauta indígena e a união de forças para combater o desmatamento.
Raposa Serra do Sol e o contexto indígena de Roraima
A 9ª etapa do Ciclo COParente foi concretizada em umas das Terras Indígenas mais icônicas do Brasil após 25 anos de sua homologação. Os povos indígenas que vivem na Raposa Serra do Sol lutaram e resistiram por três décadas para ser reconhecida e demarcada.
“Raposa Serra do Sol é uma TI contínua porque os indígenas transitam livremente dentro de seus limites. Toda a área está preservada e cuidada pelos povos indígenas que a habitam com sua sabedoria. Temos aqui um Plano de Enfrentamento à Crise Climática e um Plano de Gestão Territorial e Ambiental”, disse Sineia do Vale, do povo Wapichana e gestora ambiental do Conselho Indígena de Roraima (CIR).
Quase metade de Roraima é composta por Terras Indígenas e Unidades de Conservação. A maioria dos povos mantêm suas terras monitoradas e planejadas em um bioma que denominam como lavrado, que abriga extensa fauna e flora e uma farmácia viva em função das plantas medicinais.
“As TIs de Roraima apresentam uma enorme diversidade de culturas. Os povos indígenas são os responsáveis por colocar comida na mesa da população dos municípios, principalmente em Normandia e Uiramutã. Carne, melancia e farinha são exemplos dos itens mais produzidos”, pontuou Sineia.
- Confira as considerações finais e encaminhamentos do movimento indígena de Roraima:
- Reafirmar a NDC Indígena como documento político central do movimento indígena brasileiro, cobrando sua incorporação às NDCs oficiais do Brasil e ao Plano Clima nacional.
- Incluir a demarcação de Terras Indígenas como política efetiva de mitigação climática, com metas claras, mensuráveis e com prazos definidos, conforme defendido por Kleber Karipuna e demais lideranças.
- Organizar previamente as manifestações e atos simbólicos dentro da COP30, em diálogo com a ONU e a presidência da COP, para garantir espaços legítimos de expressão política dos povos indígenas, conforme alertado por Sineia.
- Divulgar e fortalecer a Nota de Repúdio da APIB e da COIAB contra o PL 6050/2023, aprovado na Comissão de Direitos Humanos do Senado, que representa um grave retrocesso ambiental e ameaça direta aos direitos indígenas.
- Realizar a escolha de 20 lideranças indígenas de Roraima por meio de articulação interna entre as próprias lideranças, priorizando mulheres e jovens para compor essa delegação estadual.
Conselho Indígena de Roraima
O CIR nasceu em 1971, na primeira assembleia dos tuxauas (cacique em diversas línguas indígenas da região amazônica). Em 1983, formou quatro conselhos nas regiões: Serras, Surumu, Taiano, Serra da Lua e Baixo Cotingo. Após três anos, ampliou-se para todas as regiões de Roraima.
O Conselho abrange direta e indiretamente 100 mil indígenas, sendo que 58 mil indígenas estão em 35 Terras Indígenas. O CIR também abrange a extensão de 10 milhões de hectares, envolvendo as etno regiões Serras, Surumu, Baixo Cotingo, Raposa, Amajari, Wai Wai, Tabaio, Serra da Lua, Murupu, Yanomami e Alto Cauamé e atende os povos Macuxi, Wapichana, Ingarikó, Patamona, Sapará, Taurepang, Wai Wai, Yanomami, Yekuana e Pirititi. Das 465 comunidades de Roraima, 263 são associados ao CIR.
A atuação estratégica da organização é baseada em defesa dos direitos indígenas, gestão ambiental e territorial, comunicação, mulheres e juventude, sustentabilidade econômica dos territórios indígenas.
O CIR, através do departamento de Gestão territorial e Ambiental, realiza desde 2011 os Estudo de Casos de Mudanças Climáticas ou Plano de enfrentamento às mudanças climáticas, que trata dos impactos nas percepções dos povos indígenas de Roraima, como vem afetando diretamente os modos de vida nas comunidades e Terras Indígenas de Roraima.
Já foram feitos três estudos nas Regiões: Serra da Lua, Amajari e na Terra Indígena Raposa Serra do Sol nas regiões: Serras, Surumu, Baixo Cotingo e Raposa, esses estudos de mudanças climáticas são parte do Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTAs) das TIs.
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