Legenda: “Espaço seguro não é só um lugar físico. É quando uma criança ou jovem pode sentir confiança em alguém da comunidade. Muitas vezes, nem a família é vista como esse espaço. Nós, como mulheres e lideranças, precisamos ser esse porto seguro.” – Odimara Tukano
Foto: © UNICEF/BRZ/Sarah Paes.
Em São Gabriel da Cachoeira, agências da ONU, organizações indígenas e governo iniciam projeto para integrar saúde, educação, proteção e bioeconomia em seis estados da Amazônia Legal.
Projeto “Proteção Integral e Promoção dos Direitos de Crianças, Adolescentes e Jovens Indígenas na Amazônia Legal” tem liderança do UNICEF e participação de outras seis agências da ONU.
As ações acontecem em São Gabriel da Cachoeira, no extremo noroeste da Amazônia, um dos municípios mais indígenas do país.
Do alto, ao se aproximar de São Gabriel da Cachoeira, no extremo noroeste da Amazônia, a paisagem já anuncia a grandiosidade do território: rios que desenham caminhos pela floresta infinita e montanhas que se erguem como guardiãs do céu. No chão, a cidade pulsa em cores e cultura. As ruas pintadas de amarelo, vermelho e verde preparam o caminho para uma festa regional no início de setembro e recebem visitantes e moradores com a energia de um território onde nove em cada dez habitantes são indígenas, pertencentes a 23 etnias diferentes.
Foi nesse cenário que sete agências da ONU — UNESCO, UNFPA, ACNUR, OIT, OIM e OPAS/OMS, lideradas pelo UNICEF — em conjunto com lideranças indígenas, governos e parceiros, lançaram oficialmente as ações do projeto “Proteção Integral e Promoção dos Direitos de Crianças, Adolescentes e Jovens Indígenas na Amazônia Legal”, financiado pelo Fundo Brasil-ONU para o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia.

Considerado um dos municípios mais indígenas do Brasil, São Gabriel da Cachoeira também é um lugar de resistências e saberes. Nas feiras, na rua central da cidade e nas portas das casas, farinha e frutas se misturam ao artesanato produzido com grafismos que carregam histórias ancestrais. No alto da Pedra da Cosama, de onde se vê o Rio Negro em toda a sua força e beleza, a sensação é de que o tempo se alonga para caber no pôr do sol entre montanhas e corredeiras da serra do Cabari.
A Casa de Saberes Indígenas (Maloca) da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN) se tornou espaço de diálogo, escuta e construção coletiva durante três dias, entre os dias 20 e 22 de agosto. No evento Diálogos Fundo Brasil-ONU no Alto Rio Negro: Encontro sobre Saúde e Proteção dos Povos Indígenas, lideranças locais trouxeram suas prioridades para o futuro e a necessidade de reforçar políticas públicas existentes; jovens comunicadores defenderam a importância do fortalecimento das línguas indígenas da região; parteiras e agentes de saúde compartilharam saberes e desafios; artesãos explicaram suas dificuldades e o injusto retorno financeiro dos materiais produzidos.

“Nós, jovens comunicadores, queremos mostrar que a comunicação também é uma forma de resistência. Com nossas câmeras e microfones, ajudamos a manter vivas as nossas línguas e histórias”, disse Jucimery Garcia, uma das jovens da Rede Wayuri e coordenadora do Departamento de Adolescentes e Jovens Indígenas do Rio Negro (DAJIRN), impressionando o público com sua assertividade.
No mesmo espaço, as parteiras trouxeram sua voz. “A parteira não é apenas quem ajuda a nascer. É quem segura a vida junto da comunidade. Quando somos reconhecidas, todo o nosso povo é fortalecido”, contou uma delas, recebida com aplausos.
As lideranças reforçaram a importância de manter a escuta aberta, não apenas no evento, mas em todo o processo que o projeto pretende construir. “Escutar é tão importante quanto falar. O que pedimos aqui é que nossas vozes continuem sendo ouvidas, não apenas durante o evento, mas em cada ação que será realizada”, destacou uma das seis lideranças indígenas presentes no evento de abertura do projeto (Baré, Baniwa, Kokama, Ticuna, Tukano e Yanomami).

Ao falar sobre os Espaços Seguros, Odimara Tukano emocionou o público ao explicar que a proteção nasce também das relações comunitárias:
“Espaço seguro não é só um lugar físico. É quando uma criança ou jovem pode sentir confiança em alguém da comunidade. Muitas vezes, nem a família é vista como esse espaço. Nós, como mulheres e lideranças, precisamos ser esse porto seguro.”
As falas se entrelaçaram com compromissos práticos: definição de territórios prioritários, capacitação de agentes indígenas de saúde e parteiras, início da estratégia de Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância (AIDPI) e fortalecimento da rede de proteção de crianças e adolescentes indígenas.
“Esta semana abrimos um espaço de conversa fundamental, com rodas de diálogo em que os próprios povos indígenas compartilharam suas necessidades e prioridades. Esse momento reforça nosso compromisso de seguir ouvindo, aprendendo e construindo juntos”, afirmou o então representante do UNICEF no Brasil, Youssouf Abdel-Jelil.
O projeto atuará em todos os seis eixos que o contemplam em São Gabriel da Cachoeira, por isso a escolha do local para iniciar as atividades — integrando saúde, educação, proteção, governança, juventude e biodiversidade. O objetivo é ambicioso: fortalecer políticas públicas, reduzir desigualdades e garantir que crianças, adolescentes, jovens, migrantes e refugiados indígenas tenham acesso a direitos, oportunidades e um futuro sustentável.
Na cabeceira do Rio Negro, conhecida como “Cabeça do Cachorro”, a primeira ação do Fundo Brasil-ONU ecoa como um marco: um trabalho conjunto, construído lado a lado com os povos da Amazônia, para que suas vozes, culturas e modos de vida sigam vivos e fortalecidos para as próximas gerações.

Sobre o Fundo Brasil-ONU para o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia
O Fundo Brasil-ONU para o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia é o resultado de uma parceria entre o Governo Federal, o Consórcio Interestadual da Amazônia Legal e o Sistema das Nações Unidas. O Fundo busca mobilizar recursos para financiar projetos que gerem alternativas econômicas inclusivas e sustentáveis para fomentar o desenvolvimento da região Amazônica e beneficiar as populações em situação de maior vulnerabilidade. O Canadá foi o primeiro país a anunciar apoio financeiro ao Fundo, com uma contribuição de 13 milhões de dólares canadenses.
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