O cacique Raoni Metuktire (Foto: Alberto César Araújo / Amazônia Real).
Lideranças afirmam em evento na Zona Verde da COP30 que a dor e a tristeza causados por invasores deveriam ser reconhecidos por leis, uma vez que os impactos vão além dos danos ambientais e sociais e provocam mais morte e medo.
Por Giovanny Vera da Amazônia Real
Belém (PA) – O cacique Raoni Metuktire falou com a sabedoria de um líder reconhecido mundialmente: “Os madeireiros, os garimpeiros estão destruindo tudo que tem de floresta. Temos que estar juntos nessa luta contra essas pessoas que querem destruir tudo que tem nesse universo”. Ao seu redor, outras lideranças e indígenas de várias etnias ouviam o Kaiapó atentamente e entendiam o que estava falando, socorridos pela tradução de um parente dele para o português. O homem branco, segundo Raoni, não respeita os espíritos e acaba causando guerras e violências que ameaçam a harmonia do planeta. “O homem tem que ter respeito pelos espíritos e pela sua moradia, onde eles vivem, nos morros, nas montanhas. Não podemos invadir eles para ocupar o lugar onde vivem.”
No segundo dia da COP30, em Belém, o Círculo dos Povos na Zona Verde abrigou o evento “Saúde Climática: Danos ambientais e espirituais do impacto da exploração mineração/terras raras”. Em mais de uma fala, foram denunciadas a destruição contínua da floresta e a violação dos territórios indígenas. Foi um momento carregado de emoção. A dura realidade das comunidades é marcada por violações de invasores, garimpeiros, madeireiros e até o agronegócio, que avançam sem parar. Mas, além da perda de sua cultura e até mesmo de suas terras, há também dor e doenças espirituais que são diminuídas e invisibilizadas pelo não indígena, explicaram as lideranças.
Lucimara Patté, líder da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas, afirmou que essas invasões provocam impactos profundos e multifacetados. “A nossa saúde é muito mais do que o corpo, é a saúde da alma. Quando adoecemos nossos territórios, nossas lideranças, nossos ancestrais não podem passar adiante nossa cultura”, explica. Ela lembra que quando as empresas interessadas na exploração assediam as comunidades, chegam com a promessa de ausência de impactos. Na prática, a realidade é outra. “Elas destroem não somente a natureza, mas também a nossa cultura, nosso modo de ser.”
A liderança Patté também denunciou o racismo e a vulnerabilidade crescente entre os jovens indígenas. “Os jovens estão adoecendo mentalmente porque estamos perecendo dentro e fora dos territórios. Não estamos tendo nossos direitos básicos de consulta livre e informada. Mas nós, as mulheres, estamos na linha de frente dessa luta, passando toda a sabedoria para nossos filhos”, denunciou.
“Os jovens estão tirando a vida?”

Qualquer exploração em terras indígenas não traz apenas impactos ambientais e sociais, mas também provoca danos espirituais profundos. É o que alerta a deputada Célia Xakriabá (Psol-MG), ao denunciar que “a mineração e o garimpo ilegal matam não somente nossos corpos, os nossos rios, as nossas sementes, as nossas mentes, o modo de caçar, o modo de conviver, o modo da saúde indígena”.
Célia chamou a atenção sobre a ausência de um reconhecimento legal sobre danos espirituais causados pela mineração e outras atividades em territórios indígenas, situação que só mantém o sofrimento das comunidades. “O índice de suicídio nos territórios indígenas entre jovens aumentou. E as pessoas perguntam: por que os jovens estão tirando a vida? O garimpo mexe com nossa cabeça, com o nosso espírito”, explicou a deputada.
Durante sua fala, o advogado indígena Ricardo Terena criticou o chamado desenvolvimento brasileiro que sacrifica os direitos indígenas: “Esse dito desenvolvimento teve um preço, que são os nossos territórios, suas comunidades e a morte dos nossos parentes, nossos ancestrais”. Ele denunciou que grandes mineradoras buscam legalizar suas operações mediante supostos benefícios, como empregos e apoio em ações nas comunidades, tentando criar uma imagem positiva de suas atividades. “O processo de colonização continua hoje, custando a vida dos nossos parentes.”
Já a enfermeira Clara Opoxina, que atua no território Yanomami, relatou as mudanças sofridas nas aldeias desde que começou a atuar 13 anos atrás. “As pessoas estavam enfraquecidas de malária e desnutrição. O adoecimento mental e espiritual está presente e as comunidades não conseguem fazer seus rituais”, disse. Ela explicou que a desnutrição comprometeu os rituais tradicionais, como o que se faz quando morre um indígena da aldeia. “Sem comida, a festa para entregar o espírito não pode acontecer, e assim os indígenas ficam espiritualmente doentes”, explicou.
Ataques e tensão permanentes

A liderança Lileia Guarani Kaiowá relatou o drama vivido em Mato Grosso do Sul, onde sua comunidade, que mora na área retomada Laranjeira Ñanderu, sofre ataques permanentes. São incêndios em casas de reza e tentativas de assassinato. O clima é de constante tensão e medo. “Somos tradicionais, dependemos da nossa mata para cultura e vida espiritual. Estamos protegendo a natureza e a água, que vêm sofrendo a devastação sobre nosso território”, afirmou. A importância da espiritualidade na vida indígena é demonstrada por ela no respeito e a conexão profunda com a floresta, que quando precisam recorrem às plantas medicinais. “Falamos com a árvore para saber para que serve a casca, para que serve o remédio.”
Todas essas experiências e relatos contados pelas lideranças indígenas vieram a comprovar a conexão entre a luta territorial, a proteção ambiental e o lado espiritual da vida que é de difícil compreensão pela maioria dos brasileiros. Em 2006, uma aeronave da Gol, voo 1907, caiu em território Kayapó e matou 154 pessoas. Os destroços só foram encontrados por meio da ajuda dos indígenas. Megaron Txucarramãe, sobrinho de Raoni, participou ativamente da operação de resgate junto a seus guerreiros. Quatro anos depois da tragédia, foi procurado pela companhia aérea para que ajudassem na retirada dos destroços do avião, ao que ele se negou. “Falamos para ele: aquela área, não vamos mexer. Nós não vamos caçar, nós não vamos fazer roça lá. Aquele local é um local sagrado para nós. Nós acreditamos no espírito das pessoas que morreram.”
O lugar, no meio da floresta, a 30 quilômetros de Peixoto de Azevedo (MT), já dentro da Terra Indígena Capoto-Jarinã, se converteu em um lugar sagrado e intocável para os povos originários: “É um enterro na nossa área. Muito triste. Dói. Não é nem parente nosso que morreu, mas nós choramos. Temos sentimento, sentimento humano. Nós somos gente”, concluiu Megaron.
Fonte: https://amazoniareal.com.br/danos-espirituais-indigenas/
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