Indígenas mundurukus fazem protesto na COP30 contra o marco temporal e a Ferrogrão – Danilo Verpa – 14.nov.25/Folhapress

Txai Suruí

Coordenadora da Associação de Defesa Etnoambiental – Kanindé

  • A Constituição é clara: os povos indígenas têm direitos originários sobre as terras que ocupam
  • A lei continua validando a violência e o medo em nossas terras

No dia 10 de dezembro, o Supremo Tribunal Federal volta a decidir se o Brasil honra ou rasga a própria Constituição. Estará em julgamento a lei 14.701/2023, a Lei do Genocídio Indígena, que tenta ressuscitar, pela porta dos fundos, o marco temporal e outros entraves às demarcações de Terras Indígenas.

O marco temporal é uma tese que diz que só teriam direito às suas terras os povos que estivessem nelas —ou em disputa por elas— em 5 de outubro de 1988. Em 2023, o STF já declarou essa ideia inconstitucional, mas o Congresso reagiu aprovando a lei para reintroduzi-la e impor novas barreiras. Desde então, o efeito tem sido travar demarcações, ameaçar territórios já reconhecidos e aumentar conflitos e mortes no campo.

Enquanto o STF não conclui a análise dessa lei, ela segue validando a violência e o medo em nossas terras. Em 2024, primeiro ano de vigência, o Conselho Indigenista Missionário registrou 154 conflitos territoriais e 230 invasões em dezenas de terras indígenas; vidas foram perdidas para milícias e interesses que apostam na impunidade. Cada mês de atraso institucional custa nossas vidas e nossa floresta.

A nossa Constituição é clara: os povos indígenas têm direitos originários sobre as terras que ocupam, e é obrigação da União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. Direito originário significa que nosso vínculo com o território não começou em 1988 nem depende de reconhecimento formal do Estado; ele existe porque nós existimos como povos muito antes do Brasil. O marco temporal inverte essa verdade e transforma expulsões históricas em “prova” contra nós.

Ainda que o STF mantenha seu entendimento de que o marco temporal é inconstitucional, a Lei do Genocídio Indígena traz uma boiada de entraves aos direitos indígenas que não podem passar despercebidos. Na prática, ela cria litígios intermináveis ao permitir contestação em qualquer fase do processo de demarcação; exige registrar em áudio e vídeo falas indígenas, violando nossa privacidade e atacando a fé pública dos laudos antropológicos; proíbe corrigir erros do próprio Estado nos limites demarcados nos territórios indígenas; e ainda ameaça aplicar regras retroativas, anulando demarcações já concluídas.

A lei 14.701/2023 nos foi empurrada goela abaixo por um Legislativo cada vez mais agressivo contra os povos indígenas e a natureza e que tem aprovado aberrações que andam na contramão do interesse e da segurança do povo brasileiro, como o PL da Devastação. Atacar terras indígenas é atacar a floresta em pé, a água limpa e a saúde das cidades. Nossos territórios são as áreas mais preservadas do país e mantêm o equilíbrio climático para todos.

Mais uma vez o STF tem um papel imprescindível e precisa ir além de reafirmar que o marco temporal é inconstitucional: a Lei do Genocídio Indígena precisa ser declarada inconstitucional em todos os pontos questionados, restabelecendo plenamente o rito de demarcação previsto na Constituição e garantindo a proteção dos territórios e de seus povos.

Não pedimos favor: exigimos que o Estado cumpra seu dever histórico e respeite a Constituição. Defender nossas terras é defender a vida, a cultura e o clima, em benefício de toda a sociedade e da Mãe-Terra.

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/txai-surui/2025/12/a-lei-do-genocidio-indigena.shtml