Por Leanderson Lima

Durante a cerimônia virtual a jornalista Eliane Brum entrevistou as premiadas, que destacaram o aumento dos ataques e violações de direitos humanos aos povos indígenas

As homenageadas Kátia e Elaíze receberam as placas na redação da agência das mãos das jovens jornalistas Alicia Lobato e Maria Cecília Costa, respectivamente (Foto de divulgação Amazônia Real)


Manaus (AM) – As jornalistas Elaíze Farias e Kátia Brasil, fundadoras da agência Amazônia Real, se tornaram as primeiras mulheres, negra e indígena, respectivamente, a serem homenageadas no 16º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). A premiação, que reconheceu as profissionais como defensoras e símbolos do jornalismo e da Amazônia, foi realizada na noite de segunda-feira (23) de forma virtual. Conduzida pelo presidente da Abraji, Marcelo Träsel, o evento contou com a participação da jornalista Eliane Brum, do jornal El País. Antes da cerimônia, um documentário sobre a trajetória das duas jornalistas, dirigido pela cineasta Carolina Fernandes, foi exibido para o público do congresso.

Marcelo Träsel explicou que a homenagem às jornalistas Elaíze Farias e Kátia Brasil deveria ter sido realizada em 2020 mas, devido ao período crítico da pandemia da Covid-19, a cerimônia acabou sendo adiada para este ano. “Não poderíamos deixar passar mais um ano – mesmo ainda estando no modelo virtual – para fazer essa homenagem a essas duas grandes jornalistas e grandes defensoras da região amazônica, sobretudo neste momento em que a floresta, os povos que lá vivem se encontram sob ataque”, destaca Träsel, que estava em São Paulo no momento do evento.

As jornalistas participaram da cerimônia na redação da agência Amazônia Real, em Manaus, obedecendo o protocolo sanitário da pandemia e com testagem contra o coronavírus realizada horas antes do evento. Para marcar a premiação, a Abraji enviou duas placas com os dizeres:

“A sua determinação na defesa da Amazônia e de seus povos, nos lembra que devemos fazer da coragem com a qual encaram o jornalismo o nosso Norte. Às fundadoras do Amazônia Real Elaíze Farias e Kátia Brasil uma homenagem dos colegas da Abraji”.  

Marcelo Träsel, presidente da Abraji, comandou a homenagem virtual
(Foto: Leanderson Lima/Amazônia Real)

Na redação, Elaíze Farias recebeu a placa da Abraji das mãos da jornalista Maria Cecília Costa, assistente-executiva da Amazônia Real. A jornalista Alice Lobato, repórter da agência, entregou a homenagem à Kátia Brasil.

“Quero agradecer aos jornalistas da Abraji, por essa homenagem e, principalmente as mulheres da Abraji, que estão fazendo de fato a equidade acontecer. Esse movimento é muito importante neste momento em que estamos sendo atacadas em nossa dignidade e profissão. É também um reconhecimento para uma mulher negra e uma indígena, para a diversidade e igualdade. A janela está aberta. Espero que mais jornalistas, inclusive, LGBTQIA +, sejam reconhecidos pelas organizações do jornalismo brasileiro”, disse a jornalista Kátia Brasil.

“Estou extremamente emocionada. É algo inacreditável até. E realmente eu queria só dizer que as populações amazônicas não estão paradas no tempo. Elas estão sempre se reinventando e isso não é apenas uma forma de reinvenção para se manter, mas é uma estratégia de luta. É uma estratégia identitária. Não vejo a Amazônia como uma região estagnada. Não olhem a Amazônia com o senso comum. Vejam a Amazônia com outro olhar. Os jornalistas também precisam se reinventar para cobrir a Amazônia, para compreender a Amazônia”, disse Elaíze Farias.

A agência de jornalismo independente e investigativo Amazônia Real foi criada no ano de 2013 para dar visibilidade às populações e questões da região amazônica. A missão da organização sem fins lucrativos é fazer jornalismo ético e investigativo, com linha editorial voltada à defesa da democratização da informação, da liberdade de expressão, da liberdade de imprensa e dos direitos humanos. Em 2019, a agência recebeu o Prêmio Rei da Espanha de Meio de Comunicação de Maior Destaque da Ibero-América, pela valorização épica do trabalho, a solidez e o prestígio de uma pequena equipe de jornalistas que trabalha  com informações locais, em Manaus, no Amazonas.

Mudança na cobertura

Eliane Brum fez entrevistas com as jornalistas direto de Altamira, no Pará
(Foto: Leanderson Lima/Amazônia Real)

Após a homenagem feita pelo presidente da Abraji, a jornalista Eliane Brum, que estava em Altamira, no Pará, no momento da cerimônia, conduziu uma entrevista com as premiadas.

“É uma honra pra mim participar dessa homenagem a Kátia Brasil e Elaíze Farias, essas grandes repórteres que estão mudando a cobertura jornalística da Amazônia ao cobrir Amazônia desde a Amazônia”, pontuou Eliane. 

Na entrevista, Eliane Brum abordou temas como a fundação da agência no ano de 2013, a democratização da informação e os ataques aos indígenas. Kátia disse que as ameaças se acentuaram desde a eleição do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em 2018, ao ponto dos povos Guarani Kaiowá (do Mato Grosso do Sul) e Pankararu (de Pernambuco) pedirem ajuda para a Amazônia Real para denunciar as violações de direitos humanos. Ou seja, povos cujos territórios não estão geograficamente localizados na região amazônica. “Aldeias e postos de saúde foram incendiados e povos indígenas começaram a ser atacados porque o presidente [Bolsonaro] assumiu dizendo que não ia demarcar nenhum centímetro de terra e começou a armar a população, principalmente fazendeiros e madeireiros”, explicou.

“Hoje essas populações vivem tempos de barbárie. Esse termo vem sendo repetido há muito tempo, desde a ascensão do governo Temer. O atual governo é muito violento e hostil com essas populações”, destacou Elaíze Farias.

Kátia falou ainda sobre a estrutura que a agência foi adquirindo ao longo dos anos, podendo contar hoje com uma rede de 58 colaboradores espalhados por todos os estados da Amazônia. No grupo há 31 mulheres jornalistas. Segundo ela, com a equipe e apoio financeiro de instituições que apoiam a mídia é possível cobrir a região amazônica com profissionalismo e de perto, onde acontecem os fatos. “Com a internet, ficou mais fácil cobrir essa região. A gente [na Amazônia Real] trabalha online, em equipe e em rede. Então, não há dificuldade [de cobertura da grande mídia]; faltam interesse e investimento [da mídia tradicional]”, critica.

Repercussão da premiação

Homenagem da Abraji às jornalistas Elaíze Farias e Kátia Brasil
(Foto: Leanderson Lima/Amazônia Real)

A homenagem no 16º Congresso da Abraji às jornalistas Elaíze Farias e Kátia Brasil repercutiu no meio profissional, ambiental e até político. Elvira Lobato, uma das maiores jornalistas brasileiras, premiada pela Abraji em 2016, comemorou. “A Kátia e a Elaíze são duas das jornalistas mais importantes não só do Brasil, mas do mundo. Elas têm sido porta-vozes dos povos da floresta e defensoras aguerridas da Amazônia. A homenagem da Abraji para elas é um reconhecimento dos jornalistas brasileiros ao trabalho dessas duas grandes repórteres. Eu tenho o privilégio de ser amiga delas há muitos anos e tenho certeza de que elas vão inspirar muitas jovens pelo Brasil afora. As duas representam o melhor do Brasil neste momento. Parabéns, queridas”.

Ex-presidente e fundador da Abraji, o jornalista Marcelo Beraba disse que a homenagem às cofundadoras da Amazônia Real era muito merecida. “O prêmio que vocês estão recebendo é mais do que um prêmio, porque prêmio implica uma inscrição e este não, este é um reconhecimento espontâneo dos jornalistas, da categoria, de uma associação que tem muita credibilidade para o trabalho que vocês vêm fazendo de jornalismo na Amazônia. Eu fiquei muito feliz desde que fiquei sabendo da premiação e acho que é uma homenagem muito justa mesmo, muito legal. Parabéns para vocês e que continuem o trabalho e contem com a Abraji para continuar esse trabalho de vocês”, disse.

O jornalista Thiago Reis, do G1, e ex-colega de Kátia Brasil da Agência Folha, lembrou o tempo em que trabalhou com a colega. “Comecei minha profissão na Folha tendo a oportunidade de editar textos de uma repórter sagaz e impressionante como a Kátia Brasil. Foi um aprendizado sem igual. E o orgulho de ver que a jornalista se tornou, além de tudo, uma empreendedora, uma desbravadora, é enorme. A homenagem a ela e a Elaíze é mais que merecida, e é uma ode a todos que fazem um jornalismo aguerrido e comprometido, principalmente fora do eixo Rio-SP”, destacou.

Em Manaus, a jornalista Alicia Lobato comentou a premiação. “Acredito que essa homenagem foi muito importante para reconhecer o trabalho que a Amazônia Real tem feito, não é apenas um jornalismo regional. E é gratificante ver a Kátia e a Elaize serem reconhecidas por levar essas questões tão relevantes para fora da Amazônia”, disse.

“A Amazônia Real é uma escola onde a gente aprende a perceber o mundo amazônico de modo mais abrangente, e aprendemos a identificar onde faltam direitos humanos, justiça social, respeito à verdade e, principalmente, solidariedade e empatia. Parabéns para Kátia e Elaíze, e gratidão pelo aprendizado que ambas têm me proporcionado”, disse Elvira Eliza França, colunista da agência.

O ambientalista Carlos Durigan, diretor da WCS Brasil, disse que “Kátia e Elaíze construíram um grande farol, a Amazônia Real. Através dele irradiam histórias, conhecimento e inspiração. Com sensibilidade, compromisso e ética, engajam nossas mentes e espíritos em defesa da Amazônia e seus povos. Parabéns pelo reconhecimento merecido e obrigado pelo exemplo de luta”.

O jornalista Mário Freire, um dos primeiros editores de Elaíze Farias, parabenizou a colega dizendo que foi “um privilégio ter acompanhado o início da carreira dela”. Mário lembrou que os dois foram parceiros em três redações de Manaus – a mais duradoura no caderno Criação, no jornal A Crítica, na década de 90 – e que Elaíze já demonstrava um talento único que a levaria ao jornalismo investigativo, além de uma postura séria e comprometida com o que faz.

“Sempre admirei esse lado da Elaíze de tirar, no bom sentido, tudo o que pode das fontes. Posso dizer que não havia diferença no tratamento dado por ela à informação.  A mesma seriedade que dava às pautas culturais ela empregava ao material do cotidiano. Nas matérias dela, e podemos verificar isso nas pautas mais complexas que desenvolve para a Amazônia Real, não ficam pontas soltas, não fica nada em aberto. De modo que a homenagem que agora ela e Kátia Brasil recebem da Abraji vem fazer justiça a duas profissionais que exercem o seu trabalho com seriedade. Esta é a marca mais notável delas”, afirmou Freire.

Na Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam), o deputado estadual Serafim Corrêa (PSB) parabenizou as fundadoras da Amazônia Real, no grande expediente no Plenário na segunda-feira (23), pela homenagem da Abraji. “Elas montaram anos atrás o site Amazônia Real, que se dedica ao jornalismo investigativo. Esse jornalismo investigativo específico, mais ainda no que diz respeito a Amazônia, a causa dos índios, a defesa da Amazônia, evitar o desflorestamento, evitar as queimadas, a  defesa da Amazônia no sentido mais amplo que se possa ter. Elas são duas jovens idealistas, desbravadoras da modernidade e elas merecem a homenagem de todos nós. É uma homenagem justa, merecida de quem tem se dedicado a divulgar aquilo que a grande imprensa não divulga, de mostrar o outro lado, de dar voz a quem não tem voz. Meus comprimentos a Kátia e Elaíze”.

História de vida

Kátia e Elaíze durante as filmagens do documentário da Abraji realizado pela cineasta Carolina Fernandes no Bosque da Ciência do INPA
(Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Natural do município de Parintins, no Amazonas, Elaíze Farias é jornalista formada pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Tem mais de 25 anos de trajetória no jornalismo. Na primeira metade de sua profissão, trabalhou no Criação, pioneiro caderno de cultura do jornal A Crítica, de Manaus. Há mais de 15 anos, passou a atuar no jornalismo socioambiental, especializando-se na produção de grandes reportagens, com enfoque em povos indígenas e povos tradicionais, direitos territoriais, direitos humanos, biodiversidade, impactos de empreendimentos (mineração, rodovias, hidrelétricas) na natureza e nas populações amazônicas, entre outros assuntos. Entre os prêmios recebidos estão o Imprensa Embratel, Prêmio Onça-Pintada de Jornalismo e Prêmio Fapeam de Jornalismo Científico.

Com mais de 30 anos de carreira, Kátia Brasil é formada pela Faculdade de Comunicação e Turismo Hélio Alonso, no Rio de Janeiro, em 1990, e iniciou a profissão trabalhando em rádio, revista e emissoras de TV. Na Amazônia foi repórter nas emissoras TV Educativa e TV Cultura, e dos jornais A Gazeta de Roraima, Amazonas Em Tempo, O Globo, O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo, abordando temas como meio ambiente, política, economia, direitos humanos, corrupção, narcotráfico e direitos das crianças, adolescentes e das mulheres. Em 1991 ganhou o prêmio Esso de Jornalismo Região Norte com reportagem “Bandeira do Brasil Hasteada na Fronteira”, publicada pelo jornal A Gazeta de Roraima. Em 2019 foi nomeada Women Journo Heroes (#JournoHeroes) da  International Women’s Media Foundation (IWMF).

Equipe se organizou com o protocolo da Covid-19 para acompanhar o evento da redação
(Foto: Leanderson Lima/Amazônia Real)

 

Fonte: https://amazoniareal.com.br/abraji-homenageia-elaize-farias-e-katia-brasil-como-grandes-defensoras-do-jornalismo-e-da-amazonia/