Irepoiti Metuktire em visita à Aldeia COP, em Belém (Foto: Juliana Pesqueira/Amazônia Real/2025).
Mais de 3 mil indígenas da Bacia Amazônica vão discutir clima, território e autonomia em paralelo a programação oficial da COP30.
Por Nicoly Ambrosio
Belém (PA) – Símbolo da autogestão e da autonomia dos povos indígenas durante a COP30, a Aldeia COP é mais do que um alojamento. Articulado pelo Ministério dos Povos Indígenas (MPI) em parceria com a Universidade Federal do Pará (UFPA) e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o local começa a receber delegações indígenas a partir do próximo domingo (09) para pautar a agenda climática que está sendo construída pelos movimentos sociais, entre eles os indígenas, em contraponto às decisões tomadas nos espaços oficiais da conferência do clima promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Antes da abertura oficial, a Amazônia Real esteve nesta sexta-feira (07) no acampamento, sediado na Escola de Aplicação da UFPA, no bairro da Terra Firme, periferia de Belém (PA), para conversar com lideranças sobre suas expectativas para o encontro que promete reunir mais de 3 mil pessoas de povos indígenas do Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Suriname, Guiana, Guiana Francesa e Venezuela.

O espaço foi pensado para evitar e driblar a especulação imobiliária, que elevou de forma absurda os preços de hospedagem na capital paraense às vésperas da conferência. A área total é de 72.695 m². Nela, foi construída uma área de 14.903,81 m², com a infraestrutura conta com cerca de 60 salas de aula climatizadas, 13 laboratórios, complexo de artes, serviço médico e refeitório. Há ainda dois conjuntos de quadras cobertas, um campo de futebol e parquinho. As obras foram coordenadas pelo MPI para ampliar ainda mais as condições de alojamento e acolher a delegação indígena.
A abertura oficial será na próxima terça-feira (11) e o encerramento oficial está marcado para a quinta-feira (20). Durante esse período, a grande aldeia, como vem sendo denominada, terá uma programação própria com debates sobre políticas públicas, fundos de financiamento, demarcação de territórios, além de atrações culturais.
De acordo com Toya Manchineri, coordenador geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), o espaço é essencial para fortalecer articulações entre povos dos nove países da Bacia Amazônica e além dela, em busca de soluções para os impactos climáticos vividos nesses territórios.
“A partir dali [Aldeia COP], nós vamos fazer várias mobilizações na defesa dos direitos dos povos indígenas, não só da Bacia Amazônica, mas na defesa dos povos indígenas de todos os continentes”, afirmou a liderança.

Toya apontou o alojamento como um meio de fortalecer as atuações e articulações do movimento indígena junto aos representantes dos governos. A principal demanda é pela demarcação dos territórios indígenas como uma política climática no documento final da COP30.
O movimento indígena exige que a demarcação, homologação e proteção dos territórios indígenas sejam oficialmente reconhecidas como estratégias eficazes de mitigação e adaptação às mudanças climáticas nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) dos países e um Balanço Ético Global sobre o Clima, que consiste na revisão das metas propostas pelos governos para limitar as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE). Outra demanda do grupo é que o financiamento climático seja passado aos povos indígenas, criando mecanismos para que recursos financeiros internacionais cheguem diretamente às mãos dos indígenas, sem passar por ONGs ou governos.
Além disso, a Coiab destaca os impactos diretos das mudanças climáticas em seus territórios, como secas extremas, alagamentos, queimadas e ameaças de grandes empreendimentos extrativistas. Em outubro de 2025, oito organizações representativas, incluindo a Apib e a Coiab, divulgaram uma carta intitulada “A resposta somos nós”, em que determinam a copresidência da COP30 que acontecerá no Brasil, justificando que, ao conceder mais poder aos indígenas, eles podem contribuir com o acúmulo de conhecimentos que têm. O grupo também exigiu o fim da era dos combustíveis fósseis.
Apesar da relevância do espaço da Aldeia COP, a liderança chama atenção para a necessidade de melhores condições de acomodação. Por causa da dificuldade logística de hospedagem e deslocamento para a conferência, a Coiab chegou a reduzir cerca de 30% de sua representação que havia sido inicialmente pensada para estar no espaço da COP30. “É uma COP onde vai ter a participação de, no mínimo, 3.000 indígenas, e que precisaria ser olhada com mais atenção por parte do Estado brasileiro”, enfatizou Toya Manchineri.
Luta Feminina

Irepoiti Metuktire, liderança feminina do povo Kayapó da Terra Indígena Capoto-Jarina, no Mato Grosso (MT), participa da COP30 representando as mulheres do seu território que não puderam viajar até Belém. A liderança já alerta para os impactos da crise climática sentidos em seu território, mesmo em áreas onde o desmatamento é controlado. Segundo ela, as mudanças climáticas têm alterado o modo de vida dos Kayapó, afetando os rios e os ciclos naturais do local.
“As mudanças climáticas afetam bastante o nosso território, porque o rio fica seco, a queimada vem porque o sol está quente, a terra fica muito quente. A água fica muito quente para tomar banho no rio, no igarapé. Então, os peixes morrem por causa do calor. Temos o nosso calendário para saber do tempo de chuva e de seca, e hoje em dia ele mudou bastante. A seca não vem no tempo certo, a chuva não vem no tempo certo”, explicou.
Junto a outras 15 mulheres Kayapó, ela ressalta a importância histórica da presença indígena em uma conferência climática realizada pela primeira vez no Brasil e destaca o caráter coletivo da luta de seu povo. Para ela, a presença indígena na COP é essencial para mostrar ao mundo que o equilíbrio climático depende da proteção dos territórios e da sabedoria dos povos originários.
“É uma luta coletiva para nós povos indígenas, então, essa vai ser muito importante para mim. A minha participação vai ser uma voz de mulheres que não tiveram condições de vir para cá. Estou aqui representando meu território, representando as mulheres do meu povo”, disse.
Reconhecimento
Dilmar Puri, representante do povo Puri-Goitacá da Aldeia Maracanã, no Rio de Janeiro, chega à COP30 com um olhar crítico sobre as negociações globais, mas esperançoso quanto à troca entre povos indígenas que acontecerá na Aldeia COP. Segundo ele, que foi um dos primeiros indígenas a chegar à Aldeia COP, a grande política internacional muitas vezes ignora as demandas reais dos povos tradicionais.

“Para ser sincero, estou meio descrente com relação à macropolítica feita na COP30. O meu interesse como representante do meu povo é mais a micropolítica, porque o meu povo é tido como dizimado, apesar de ser um dos maiores povos indígenas do Brasil e um dos primeiros a terem sido massacrados”, declarou.
Dilmar lembrou que a floresta se mantém de pé graças ao cuidado ancestral dos povos indígenas.”Sem o indígena não tem floresta”, disse. Ele também criticou o tratamento “simbólico” que recebem em discussões climáticas, muitas vezes sendo incluídos apenas como “cotas” em mesas de negociação, sem acesso real aos líderes e tomadores de decisão.
Cerca de 20 indígenas Puri estarão em Belém alojados no espaço da Aldeia COP, vindos de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo. Para a liderança, a participação no evento é uma oportunidade de buscar reconhecimento e fortalecer a convivência com outros povos indígenas, além de discutir o que podem resolver de forma autônoma, sem depender das grandes decisões políticas feitas a portões fechados.
“Nosso foco principal nessa vinda até aqui é justamente nessas questões nossas enquanto indígenas, entre nós, que muitas vezes são negligenciadas pelos grandes tomadores de decisões”, afirmou Dilmar.
A programação completa e oficial da Aldeia COP foi divulgada pelo MPI nesta quarta-feira (o5). Confira a programação neste link.
Fonte: https://amazoniareal.com.br/aldeia-cop-quer-reforcar-demarcacao-e-financiamento-climatico/
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