Estratégia é manter o processo em Tabatinga, mas o júri popular, se houver, na capital amazonense; audiências de instrução do caso serão retomadas em 17 julho (Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil).


Manaus (AM) – A defesa dos réus confessos dos assassinatos de Bruno Pereira e Dom Phillips vai pedir para transferir um provável júri popular para a capital amazonense. A alegação é a de que um julgamento em Manaus tenha melhores condições para abrigá-lo, tanto do ponto de vista tecnológico como de espaço físico. Já é certo que o caso terá ampla cobertura midiática.

Parte da lentidão no andamento processual se dá por conta da dificuldade de comunicação das audiências de instrução, que ocorrem em Tabatinga (AM), a 1.106 quilômetros de Manaus, localizado na região do Alto Rio Solimões, fronteira com Colômbia. Os réus Amarildo da Costa Oliveira (“Pelado”), Oseney da Costa Oliveira (“Dos Santos”) e Jefferson da Silva Lima, (“Pelado da Dinha”) se encontram em presídios federais de segurança máxima em outros estados e precisam ser ouvidos por teleconferência.

“Se a acusação não pedir, então a defesa irá pedir o desaforamento”, adiantou à Amazônia Real o advogado paraense Américo Leal. O desaforamento é uma expressão jurídica que representa o deslocamento do julgamento de uma cidade para outra. “Não é transferir o processo, é tão somente o julgamento em Manaus. É transferir o julgamento de Tabatinga para Manaus.”

Américo Leal integra a banca de defesa dos réus, composta por Gilberto Alves, Larissa Rubim e Lucas Sá, e todos sob comando da advogada Goreth Rubim. Veterano, ele já atuou na defesa do fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida, condenado a 30 anos de prisão pelo assassinato da missionária norte-americana naturalizada brasileira Dorothy Stang. Na ocasião, ele culpou Dorothy pela própria morte, dizendo que ela pregava “violência” na região de Anapu (PA).

Américo Leal
Américo Leal (de barba) durante audiência de instrução do caso Bruno e Dom (Foto: Reprodução/Redes sociais)

O pedido de desaforamento do julgamento para Manaus no caso Bruno e Dom, segundo o advogado, é quase inevitável. “Quando defendi aqui em Belém o julgamento de Eldorado dos Carajás, o fórum de Belém não comportava 48 emissoras de TV internacionais, então foi feito numa universidade. Ela tinha uma área muito grande e poderia ir quantas pessoas quisessem assistir”, explicou. 

Para Américo Leal, um dos gargalos é a dificuldade de comunicação no município de Tabatinga. “Nós, amazônidas, não somos bem providos [de internet] como no Sul do País. Em Manaus existe maior possibilidade de tornar público o julgamento que tantas pessoas querem saber, querem ouvir, tudo mais e fazer também seu próprio julgamento”, pontuou o advogado.

A Justiça Federal vai retomar as audiências relativas ao caso do assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Philips, nos próximos dias 17, 20 e 27 de julho. Após pressionar, a defesa conseguiu obter um habeas corpus em favor dos réus para que todas as testemunhas listadas pela banca de advogados pudessem ser ouvidas pela Justiça Federal. Leal chegou a levantar suspeição por suposta parcialidade do juiz Fabiano Verli, da Vara Única da Subseção Judiciária de Tabatinga.

A reportagem da Amazônia Real entrou em contato com os advogados dos familiares das vítimas, para saber sobre a questão do desaforamento do julgamento para Manaus, mas eles não quiseram se pronunciar.

Lentidão processual

Jefferson Lima da Silva, o “Pelado da Dinha”; Amarildo da Costa Oliveira, o “Pelado”, e Oseney dos Santos, o “dos Santos” viram réus pela morte de Dom Phillips e Bruno Pereira (Fotos: José Medeiros/Agência Pública; Reprodução Tv Globo e Avener Prado/Agência Pública)

habeas corpus em favor dos réus no caso Bruno e Dom acendeu um sinal de alerta na  advogada da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Leticia Klein. Nós vemos com muita preocupação o andamento desse processo, tanto pela demora, quanto pela falta de diligência, como ficou demonstrado pela decisão do Tribunal de retornar o caso para a instrução, além dos sucessivos cancelamentos de audiências por questões técnicas, reforçando a falta de infraestrutura da Justiça local para o julgamento”, diz Letícia Klein.

Sobre o possível pedido de desaforamento, Leticia Klein aponta duas preocupações: “Garantir que tenha condições de realizar o julgamento, tanto pela questão da internet quanto a pressão e intimidação das testemunhas, mas por outro lado, como  a própria defesa deve fazer o pedido, é que isso seja usado para protelar o julgamento”, analisa. 

“Estamos alertando sobre os problemas na forma com que as autoridades brasileiras estão tratando a questão, desde as buscas e a investigação do crime, que não tem levado em conta o papel do Dom enquanto comunicador como um fator que influenciou os acontecimentos”, afirmou. A Abraji, Artigo 19 Brasil e América do Sul, Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca), Associação de Jornalismo Digital (Ajor), Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), Instituto Vladimir Herzog (IVH) , Instituto Palavra Aberta, Repórteres Sem Fronteiras (RSF) e Tornavoz apresentaram essa situação, marcada por problemas com a investigação e processamento do caso, para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), que concedeu uma medida cautelar nesse sentido ainda em 2022”, aponta. 

Violações contra jornalistas 

Cartão de imprensa de Dom Phillips (Imagem: TVGLOBO / GLOBOPLAY)

O “Observatório de Violações da Liberdade de Imprensa na Amazônia”, iniciativa da organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), apontou que desde o assassinato de Dom Philips e Bruno Pereira já foram registrados pelo menos 62 casos envolvendo jornalistas, equipes de reportagem inteiras ou meios de comunicação como um todo. Destes, foram 13 ameaças (incluindo de morte), 3 invasões ou atentados contra a sede de veículos de mídia e 1 jornalista foi alvo de tiros. Cerca de 57% dos agressores são agentes privados, entre eles manifestantes de extrema direita; membros do crime organizado e empresas mineradoras, de garimpo, do agronegócio e de turismo.

A reportagem da Amazônia Real procurou o coordenador da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), Bushe Matís, para falar sobre a possibilidade de transferir o julgamento para Manaus do caso Bruno e Dom. A liderança Matís pediu para a reportagem procurar o assessor jurídico da Univaja, Eliésio Marubo.  A agência fez inúmeros contatos com Eliesio que, por estar na Europa, disse que não poderia conceder entrevista. 

As audiências de instruções foram marcadas, pela primeira vez, para acontecer nos dias 22, 23 e 24 de janeiro. Porém, elas acabaram sendo adiadas para que a Justiça pensasse uma estratégia para ouvir os acusados de forma remota. Tabatinga [onde o processo tramita] possui uma estrutura precária de internet, segundo justificou a Justiça Federal à época. As audiências só começaram no dia 20 de março. 

Os réus foram interrogados pela Justiça Federal em 8 de maio. Na ocasião, Amarildo da Costa Oliveira, mais conhecido como “Pelado”, e Jefferson da Silva Lima, Na alegação de “legítima defesa”, “Pelado da Dinha” e Jefferson disseram que o indigenista brasileiro atirou na direção deles, e que apenas reagiram ao ataque que resultou na morte também do jornalista inglês. 

O duplo homicídio

Homenagem a Dom e Bruno no local onde os dois foram assassinados no rio Itacoaí, no Vale do Javari (Foto: Univaja)

O indigenista Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Philips foram dados como desaparecidos no domingo 5 de junho de 2023. O governo brasileiro, na gestão do então presidente Jair Bolsonaro, só deu início às buscas, na tarde da segunda-feira (6) depois da pressão feita pela Embaixada da Inglaterra, no Brasil. Àquela altura, já havia uma comoção tomando conta das redes sociais. Só aí o governo acionou a Marinha e a Polícia Federal, que ainda levaram dias para efetivamente entrar em operação.

Dom Phillips era colaborador do  jornal The Guardian, no Brasil. Já o indigenista Bruno Pereira, era servidor licenciado da Fundação Nacional do Índio (Funai) e estava trabalhando em um projeto da Univaja. 

Os dois foram mortos em uma emboscada no 5 junho, mas seus corpos só foram localizados 10 dias depois. Bruno e Dom foram mortos a tiros e tiveram seus corpos esquartejados e queimados. O assassinato brutal foi em represália às denúncias de que os ribeirinhos estavam invadindo a Terra Indigena (TI) Vale do Javari, no Amazonas, para pescar ilegalmente pirarucu e tracajás (quelônios da Amazônia). Dom Phillips estava investigando o caso, com auxílio de Bruno Pereira. 

No dia em que foram assassinados, Bruno e Dom passaram na comunidade ribeirinha de São Rafael, localizada no município de Atalaia do Norte (a 1.136 quilômetros de Manaus), no extremo oeste do Amazonas, na fronteira com o Peru. Segundo a Univaja, a última informação de avistamento deles é da comunidade São Gabriel, que fica rio abaixo da comunidade São Rafael. 

O pescador Amarildo da Costa de Oliveira, o “Pelado”, foi o primeiro a confessar participação no crime, na terça-feira 14 de junho de 2022. O irmão de “Pelado”, Oseney da Costa Oliveira, o “Dos Santos”, negou envolvimento com o crime. No dia 17 de junho de 2022, a PF chegou a afirmar que apenas os irmãos Amarildo e Oseney de Oliveira eram os autores do duplo homicídio, e que não havia um mandante do crime. A Univaja protestou contra a versão policial. 

terceiro suspeito de participação no crime, Jefferson Lima da Silva, vulgo “Pelado da Dinha”, foi preso no dia 18 de junho. “Pelado” e Jefferson da Silva admitiram às autoridades policiais que mataram, esquartejaram e queimaram os corpos de Bruno e Dom, escondendo os restos mortais na floresta que margeia o rio Itacoaí. 

Mais indiciados 

Dom Phillips e o pescador Jânio Freitas de Souza, em imagem tirada do celular de Bruno Pereira em 5 de junho de 2022 (imagem: TVGLOBO / GLOBOPLAY)

No último dia 31 de maio, a PF indiciou Rubem Dário da Silva Villar, o “Colômbia”, e Jânio Freitas de Souza, por envolvimento no assassinato de Bruno e Dom. A polícia chegou aos dois  a partir da quebra de sigilo telefônico, que mostrou que 1º de junho de 2021 e 6 de junho de 2022, um dia após o assassinato do indigenista brasileiro e do jornalista britânico, “Colômbia” e Jânio trocaram nada menos do que 419 ligações

Jânio foi uma das últimas pessoas a estar com Bruno e Dom. E à PF, ele disse que conhecia “Colômbia”, apenas de vista. De acordo com a polícia, a dupla, junto de Amarildo da Costa Oliveira, o “Pelado”, fariam parte de uma organização criminosa transnacional que praticava a pesca ilegal na região da Terra Indígena Vale do Javari, no Amazonas, fronteira com Peru e Colômbia.

O consórcio internacional pela Forbidden Stories publicou, no começo de junho, uma série de reportagens investigativas sobre a Amazônia. Dezesseis veículos de dez países e mais de 50 jornalistas envolvidos participaram do Projeto Bruno e Dom, que procurou manter vivo o trabalho do jornalista britânico, que dedicou parte de sua vida a conhecer a região amazônica. A Amazônia Real foi convidada a participar do consórcio, publicando três grandes reportagens (Os Guerreiros do Médio JavariA Fome pelo Ouro do Rio Madeira e Uma BR-319 no Meio do Caminho), e republicando histórias de outros veículos da iniciativa.

É graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pelo Centro Universitário Nilton Lins. Tem MBA executivo em Gestão de pessoas e coaching, pelas Faculdades Idaam. Com 18 anos de experiência profissional, atuou por veículos como Jornal A Crítica, Correio Amazonense, Jornal do Commercio e Zero Hora (RS). Na televisão trabalhou na TV A Crítica, Rede TV! Manaus, e na rádio A Crítica, como comentarista. É o vencedor do Prêmio Petrobras de Jornalismo de 2015, com a reportagem “Chute no Preconceito”.

Fonte: https://amazoniareal.com.br/julgamento-em-manaus/