Por Felipe Medeiros
Organizações de defesa das mulheres, em Roraima, divulgaram nota cobrando investigação e justiça à liderança indígena (Foto: @nucleodemulheresrr).
Boa Vista (RR) – Passados quase dois meses desde que os restos mortais de Angelita Proporita Yanomami foram encontrados, as autoridades policiais ainda não têm respostas sobre o crime. Ninguém foi preso e a Polícia Civil, que conduz o caso, não informa como está o andamento da investigação. Angelita trabalhava como intérprete na Casa de Apoio à Saúde Indígena (Casai), em Boa Vista. Ela estava desaparecida e seus restos mortais foram encontrados no dia 1º de maio. A confirmação de que se tratava de Angelita aconteceu no dia 31 de maio pela Polícia Civil de Roraima e pela Hutukara Associação Yanomami.
Sem respostas das autoridades públicas, indígenas de Roraima pedem que órgãos federais integrem a investigação que está com a Polícia Civil de Roraima. No último dia 5, o Conselho Indígena de Roraima (CIR) enviou um ofício ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva pedindo uma apuração no âmbito federal para solucionar o crime. O documento foi enviado para Sonia Guajajara, ministra dos povos indígenas, Joenia Wapichana, presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Cida Gonçalves, ministra das Mulheres.
O CIR quer que a Polícia Federal assuma as investigações, por isso enviou o ofício também para o superintendente do órgão em Roraima, Ronaldo Guilherme Campos, e para o procurador da República, Alisson Marugal. À Amazônia Real, a PF informou que não se manifesta sobre investigações, mas a reportagem apurou que o órgão ainda não está no caso.
“É a segunda morte de uma mulher indígena Yanomami na cidade de Boa Vista em menos de dois anos. Por isso requeremos o acompanhamento dos inquéritos e investigação do assassinato da indígena Angelita Yanomami”, diz o ofício.
Para o diretor jurídico do CIR, Júnior Nicácio Wapichana, mais órgãos e instituições devem se envolver para que o desfecho do crime tenha celeridade. “A gente quer que a Polícia Federal acompanhe e que até pegue para investigar para que não fique só na Polícia Civil e que seja um caso de feminicídio isolado. Por isso a gente oficializou, para saber se foi uma ameaça, se foi por causa do garimpo”, explicou Nicácio à Amazônia Real.
No dia 2 de junho, o Núcleo de Mulheres de Roraima (NUMUR) divulgou nota assinada por 61 organizações cobrando justiça à Angelita e denunciou a omissão e o descaso das autoridades para com o crime. “Diante da crise humanitária e de saúde, criada pelo descaso e abandono nos últimos anos do poder público e o incentivo de atividades criminosas de garimpo no seu território, Angelita [foi resistente e] conquistou espaço na cidade como tradutora e intérprete da sua língua materna”, diz a nota.
O NUMUR lembrou de outros casos de assassinatos, como o da mulher Yanomami morta em uma feira de produtor rural, em Boa Vista, no final de 2022. Na época, feirantes disseram à reportagem que dois homens, suspeitos de efetuarem os disparos, fugiram de bicicleta por dentro do local que tem câmeras de segurança. Até o momento ninguém foi preso.
Questionada, a Polícia Civil de Roraima se limitou a informar que “o caso foi encaminhado ao Ministério Público Federal e à Polícia Federal” para assumirem as investigações.
Garimpo
Andrea Vasconcelos, que integra o NUMUR, contou à Amazônia Real que há uma seletividade nos casos de violência, torturas e mortes de pessoas pobres no Brasil, na Amazônia e em Roraima. Segundo ela, que é mestre em sociologia e graduada em Direito, esta realidade está presente, principalmente, nas populações mais vulnerabilizadas, que é o caso dos povos indígenas.
“A sociedade sequer se comove ou se enluta pelos assassinatos das mulheres Yanomami. É como se nada estivesse acontecendo, como se não houvesse importância nessas vidas”, diz a socióloga.
Para Andrea Vasconcelos, estudiosa de assuntos relacionados às mulheres e uma das fundadoras do NUMUR, há um processo de desumanização quando se fala das mulheres Yanomami. “São vidas que o Estado deixa morrer”, afirma.
A Amazônia Real apurou que Angelita Yanomami foi sepultada no território de seu povo seguindo os ritos funerários tradicionais. A Amazônia Real recebeu uma nota da Hutukara Associação Yanomami na qual a organização diz apenas que está apoiando as investigações, “mas em respeito à família, ao povo Yanomami e para não atrapalhar a análise do caso, não vai se manifestar no momento sobre a morte de Angelita Prororita Yanomami”.
Edinho Batista Macuxi, coordenador do CIR, suspeita que o assassinato de Angelita pode ter conexão com a atividade de garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami, com envolvimento de garimpeiros que estão na cidade. Segundo ele, trata-se “classe de criminosos” queria a liderança feminina morta. Mas, para isso se confirmar, é preciso que as investigações prossigam. Por enquanto, há apenas suspeitas, já que Angelita era próxima de indígenas que combatem o garimpo na TI Yanomami.
O coordenador do CIR também suspeita que o crime tenha mais de uma pessoa envolvida e que ele ocorreu para intimidar a luta indígena contra o garimpo. Para o indígen, falta vontade política para solucionar este crime.
“Às vezes, quando é de interesse, quando é de alguém que não é parente indígena, a gente sabe que tem um processo rápido porque querem investigação e claro, punição. Mas quando é para gente indígena, é um processo muito demorado, às vezes até negado esse direito”, avaliou Edinho.
O que dizem as autoridades
Os restos mortais de Angelita Yanomami foram encontrados no dia 1º de maio. A confirmação de que se tratava de Angelita foi divulgada no dia 31 de maio. Mas até o momento, o Instituto Médico Legal (IML) não informou oficialmente a causa do óbito.
A Delegacia Geral de Homicídios informou em nota à Amazônia Real que o inquérito aberto para as investigações foi prejudicado porque “o desaparecimento da mulher não foi comunicado por nenhum familiar à Polícia Civil”.
Fontes ouvidas pela reportagem da Amazônia Real disseram que a identificação da causa da morte de Angelita é difícil por falta de sinais que comprovem, supostamente, um tiro ou uma facada, por exemplo.
“Não tem como saber o que provocou a morte, não há osso quebrado. O corpo já estava em avançado estado de decomposição, só tinha a ossada dela, por isso, também não dá para dizer se ela foi vítima de arma branca”, explicou uma fonte que pediu anonimato.
Na nota que a Polícia Civil de Roraima encaminhou para a Amazônia Real foi informado que órgão “já ouviu algumas pessoas, familiares da mulher, e outras estão sendo intimadas para depor”, e segundo a secretaria de Comunicação do Governo “estão sendo aguardados os laudos periciais, dentre eles o cadavérico”. A nota diz que “as investigações seguem até que o caso seja solucionado”.
Ainda conforme o comunicado, “somente com mais de 15 dias após o sumiço da indígena é que uma colega de trabalho procurou a Polícia, exatamente um dia antes do reconhecimento da ossada no Instituto de Medicina Legal”.
Comentários