As áreas protegidas não são tão protegidas como geralmente se supõe (Tabela 1). O desmatamento ocorre dentro dessas áreas, incluindo áreas indígenas (por exemplo, [1, 2]). Também há uma tendência do governo de rebaixar ou reduzir as reservas existentes, ou mesmo revogá-las completamente [3, 4]. Um exemplo é fornecido por áreas protegidas que seriam afetadas por barragens planejadas na bacia do rio Tapajós [5]. Outra é a redução em abril de 2021 de uma reserva extrativista e um parque estadual em Rondônia por decisão da Assembléia Legislativa daquele Estado [6].
(a) Valores somados de Nogueira et al. (2018) [2], que inclui dados de área e carbono para cada área protegida.
(b) Toda a vegetação original, incluindo vegetação não florestal como o cerrado.
Como os recursos humanos e financeiros são sempre muito limitados para as áreas protegidas, um dos dilemas perenes é entre dar prioridade à criação de novas áreas ou investir na formação de pessoal e na defesa das áreas existentes. Na situação atual da Amazônia, a melhor opção é maximizar a criação de novas áreas, mesmo que sejam apenas “parques de papel” com apenas uma presença simbólica do governo. Isso é necessário para obter áreas maiores antes que as oportunidades sejam excluídas. Mesmo os “parques de papel” têm um efeito significativo na inibição do desmatamento porque seu status legal torna muito menos provável que invasores em potencial tenham sucesso em obter um futuro título de terra, em comparação com a opção de invadir floresta em uma área que não é legalmente protegida.
Dependendo se uma área protegida está perto ou longe da fronteira de desmatamento, seu efeito sobre o desmatamento será imediato ou retardado. A prioridade para a criação de reservas dependerá dos objetivos que motivam a decisão. Costuma-se dizer que aqueles que se preocupam principalmente em manter a biodiversidade e aqueles que se preocupam principalmente em evitar as mudanças climáticas compartilham uma aliança natural no sentido de que a proteção da floresta tropical atinge ambos os objetivos. No entanto, essa identidade de interesses pode ser quebrada quando as escolhas devem ser feitas. Se a prioridade é proteger a biodiversidade, o objetivo provavelmente será visto em termos de uma medida como o número de espécies que serão mantidas em longo prazo, teoricamente de forma permanente, tornando a criação de grandes reservas baratas longe da fronteira a melhor escolha [7, 8].
Em termos de mudança climática, é provável que a prioridade seja medida em termos de redução das emissões em um curto período de tempo, tornando as reservas mais próximas da fronteira a melhor escolha. Os custos financeiros e outros obstáculos a cada distância da fronteira determinarão a localização ideal, que provavelmente não estará em nenhum dos extremos em termos de distância da fronteira. Na prática, o tipo de área protegida está associado à distância da fronteira, com áreas de uso sustentável mais provaveis a serem localizadas mais próximas da fronteira do que áreas de proteção integral, dando às primeiras um maior efeito em curto prazo para evitar o desmatamento [9].
Os acordos de Paris de 2015 mudaram fundamentalmente os critérios de escolha com base nos benefícios do clima: o objetivo do acordo é expresso como evitar que a temperatura média global suba acima de um valor “bem abaixo” da referência de 2 °C acima da média pré-industrial, enquanto antes do objetivo foi expresso nos termos do Artigo 2 da Convenção do Clima, que especifica a “estabilização” das concentrações de gases de efeito estufa em um nível que evite “interferência perigosa no sistema climático global”. Como a estabilização pode levar muitos anos, até séculos, a escala de tempo é totalmente diferente.
Supondo que diplomatas e tomadores de decisão levem a sério o cumprimento dos acordos de Paris, o que conta é o que acontecerá nos próximos 20 anos. Em termos de áreas protegidas, os benefícios relevantes virão daqueles próximos à fronteira. O fato de muitas áreas protegidas estarem longe da fronteira significa que seu benefício climático é diminuído pelo acordo de Paris em comparação com outras formas de mitigação com retornos mais rápidos. [10]
A imagem que abre este artigo é de autoria de Marizilda Cruppe/Amazon Watch/Amazônia Real, e mostra um garimpo ilegal dentro da TI Munduruku, no Pará.
Notas
[1] Fearnside, P.M. 2005. Indigenous peoples as providers of environmental services in Amazonia: Warning signs from Mato Grosso . In: A. Hall (ed.) Global Impact, Local Action: New Environmental Policy in Latin America . University of London, School of Advanced Studies, Institute for the Study of the Americas, Londres, Reino Unido. p. 187-198.
[2] Nogueira E.M., A.M. Yanai, S.S. Vasconcelos. P.M.L.A. Graça & P.M. Fearnside. 2018. Carbon stocks and losses to deforestation in protected areas in Brazilian Amazonia. Regional Environmental Change 18(1): 261-270.
[3] Bernard, E., L.A.O. Penna & E. Araújo. 2014. Downgrading, downsizing, degazettement, and reclassification of protected areas in Brazil. Conservation Biology 28: 939–950.
[4] de Marques, A.A.B. & C.A. Peres. 2015. Pervasive legal threats to protected areas in Brazil. Oryx 49: 25–29.
[5] Fearnside, P.M. 2015. Hidrelétricas e hidrovias na Amazônia: Os planos do governo brasileiro para a bacia do Tapajós . In: P.M. Fearnside (ed.) Hidrelétricas na Amazônia: Impactos Ambientais e Sociais na Tomada de Decisões sobre Grandes Obras. Vol. 2 . Editora do INPA, Manaus. p. 85-98.
[6] Gomes, A.K. 2021. ALE-RO aprova projeto de lei que altera limites de reserva extrativista e parque estadual. G1 RO , 21 de abril de2021. https://bityl.co/6V8I
[7] Fearnside, P.M. 2021. Política de conservação na Amazônia brasileira: Entendendo os dilemas. In: Fearnside, P.M. (ed.) Destruição e Conservação da Floresta Amazônica , Vol. 1. Editora do INPA, Manaus. p. 219-243. (no prelo).
[8] Fearnside, P.M. & J. Ferraz. 2021. Uma análise de lacunas de conservação da vegetação da Amazônia. In: Fearnside, P.M . (ed.) Destruição e Conservação da Floresta Amazônica , Vol. 1. Editora do INPA, Manaus. p. 199-218.. (no prelo).
[9] Pfaff, A., J. Robalino, E. Lima, C. Sandoval & L.D. Herrera. 2014. Governance, location and avoided deforestation from protected areas: Greater restrictions can have lower impact, due to differences in location. World Development 55: 7–20.
[10] Esta série é uma tradução atualizada de: Fearnside, P.M. 2017. Deforestation of the Brazilian Amazon . In: H. Shugart (ed.) Oxford Research Encyclopedia of Environmental Science. Oxford University Press, New York, EUA.
Leia os outros artigos da série:
O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 1 – Resumo da série
O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 2 – O que é desmatamento?
O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 3 – Por que o desmatamento é importante?
O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 4 – Detecção por satélite
O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 5 – Ciclos econômicos e especulação imobiliária
O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 6 – Commodities e governança
O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 7 – Incentivos fiscais e Posse de terra
O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 8 – Lavagem de dinheiro, exploração madeireira e mineração
O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 9 – Estradas
O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 10 – Soja
O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 11 – Pecuária
O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 12 – Crescimento populacional e Dinâmica doméstica
O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 13 – Degradação extrema
O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 14 – O aumento do desmatamento pós-desaceleração
O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 15 – Controle por meio da repressão
O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 16 – Remover ou redirecionar subsídios
O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 18 — A Moratória da Soja
O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 19 – O Acordo da Carne
O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 20 – Áreas Protegidas
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