Conheça as estratégias ilegais de políticos e empresários para tentar convencer os indígenas Krahô a não votar em Lula
Murilo Pajolla
Brasil de Fato | Lábrea (AM) |
29 de Outubro de 2022 às 17:54
Dinheiro, festas, presentes, jogo de futebol com premiação e até cabeças de gado. Esses são os instrumentos utilizados por políticos, empresários e fazendeiros bolsonaristas para comprar o voto de indígenas Krahô no norte do Tocantins, em plena reta final do 2º turno das eleições presidenciais. No primeiro turno, o estado deu 50,4% de votos em Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e 44% em Jair Bolsonaro (PL).
Na última semana, uma liderança indígena fez uma denúncia de compra de votos pelas redes sociais. “Ontem o ex-prefeito Vinicius de Goiatins veio aqui na aldeia Pedra Branca esforçando a comunidade da aldeia Pedra Branca votar no presidente Bolsonaro em troca de vaca”, publicou. A identidade da liderança será preservada por segurança.
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Publicação no Twitter denuncia compra de votos; MPF pede investigação / Reprodução
Pedra Branca é a maior e mais populosa aldeia Krahô, onde está instalada uma seção eleitoral. O “Vinicius” citado na denúncia é Vinícius Donnover Gomes (PSD), ex-prefeito de Goiatins, um dos dois municípios habitados pelo povo Krahô.
Apoiador de Jair Bolsonaro (PL), Gomes teve o mandato cassado em 2013 por compra de votos. Entre as vantagens oferecidas aos eleitores pelo ex-prefeito na época, estavam combustível, materiais de construção, motosserra, sementes e conserto de veículo.
Com base na denúncia contra o ex-prefeito publicada nas redes sociais pela liderança indígena, o Tribunal Regional Eleitoral do Tocantins (TRE-TO) fez um pedido de investigação à Polícia Federal (PF) por crime eleitoral.
Prefeita bolsonarista teria comprado votos, dizem indígenas
O segundo município habitado pelos Krahô no Tocantins é Itacajá, comandando pela prefeita Maria Aparecida Lima Rocha Costa (PSC), apoiadora de Jair Bolsonaro. Indígenas e indigenistas ouvidos em condição de anonimato pela reportagem afirmam que Aparecida e comerciantes têm tentado comprar votos de indígenas em favor de Bolsonaro.
“A prefeita de Itacajá deu muito dinheiro para as lideranças aqui na terra indígena para fazer festa e comprar voto. Agora teve festa, jogo de futebol, tudo pela prefeitura que estava gastando recurso. Ela [prefeita Maria Aparecida] estava dando até dinheiro em premiação em jogo de futebol”, afirmou uma liderança indígena, que diz ter recebido ameaças e intimidações por tentar convencer indígenas da sua comunidade a recusar a venda do voto.
Prefeita de Itacajá declarou apoio a Bolsonaro pelas redes sociais / Reprodução
Outro indígena da região testemunhou: “aqui perto da nossa aldeia tem um cara que pegou dinheiro, bebeu cachaça e saiu falando para todo mundo que ela [prefeita de Itacajá] estava com dinheiro para comprar voto. Quem quisesse [era só pegar o dinheiro]. Inclusive ele espalhou dinheiro para os parentes dele nas festas”.
Um integrante da Fundação Nacional do Índio (Funai) que não quis se identificar também diz que os crimes eleitorais são frequentes. “Tem essa prática de apoiar com gado, com festas, com viagens. A gente sabe de aldeias que tiveram festas e churrascos apoiados por deputados e que tiveram bastante votos para eles”, diz.
O Brasil de Fato procurou a prefeitura de Itacajá, mas ninguém respondeu. O contato do ex-prefeito de Goiatins Vinicius Donnover Gomes não foi localizado. O espaço está aberto às manifestações, e a reportagem poderá ser atualizada a qualquer momento.
Bolsonaro usa políticos locais para ampliar apoio
O antropólogo Ian Packer, que trabalha com os Krahô desde 2015, afirma que Jair Bolsonaro faz uso de governos e prefeituras alinhadas ao bolsonarismo como forma de tentar sabotar o direito ao voto dos indígenas.
“Eles fazem isso sem nenhum escrúpulo. Fica claro como é uma ação orquestrada e difundida em várias regiões do Brasil”, avalia. Em apoio a Bolsonaro, empresários e fazendeiros da região também participam do boicote.
“Há uma tentativa de impedir populações indígenas e rurais mais vulneráveis de exercer o voto, ou mesmo pagar para que as pessoas não votem. É uma situação muito preocupante. A gente vê que é uma ação orquestrada e, sobretudo, coerente com o que o governo Bolsonaro fez até agora contra os povos indígenas”, diz o antropólogo.
Boicote ao transporte
Na área rural de Itacajá, são poucas as aldeias Krahô com urna eletrônica. Por isso, a maioria dos indígenas tem que se deslocar por até 60 km por estradas de terra para votar.
Todos os anos, no domingo de eleições, os Krahô embarcam em caminhonetes e carrocerias de caminhões para serem levados até os locais de votação em aldeias vizinhas. O transporte – muitas vezes precário e inseguro – é contratado pela prefeitura de Itacajá e pelo TRE-TO junto a comerciantes locais.
“Os comerciantes têm o carro deles. Na época de eleição eles levam o povo para votar. Porém todos eles são bolsonaristas. Eles são ricos, né?”, afirma uma liderança indígena da região, que pediu anonimato por medo de represálias.
Transporte de eleitores indígenas em caminhonetes de comerciantes é precário e inseguro / Imagens cedidas
No primeiro turno deste ano, tudo ocorreu dentro da normalidade. Os veículos fretados levaram os indígenas até a cidade. Mas faltando 15 dias para o segundo turno, os caciques foram surpreendidos. A prefeitura comunicou ao TRE-TO que o transporte para o dia 30 de outubro ficaria “inviável”.
“Os veículos que fizeram o transporte do eleitorado indígena no 1º turno foi doação dos comerciantes locais. Sendo que para o 2º turno os mesmos não se propõe a fazê-los”, diz ofício encaminhado à Justiça Eleitoral pela prefeita de Itacajá.
“O governador que eles [comerciantes] estavam apoiando ganhou. Agora eles não querem saber mais da gente. Sabe por quê? Porque a maioria dos Krahô daqui vão votar em Lula. Todo mundo sabe disso”, afirma uma liderança indígena, referindo-se ao governador bolsonarista Wanderlei Barbosa (Republicanos), reeleito em primeiro turno no Tocantins.
TRE garantiu voto dos Krahô
No ofício ao TRE-TO, a prefeitura informou que não tinha dinheiro para pagar o transporte e pediu que a Justiça Eleitoral custeasse a gasolina. A prefeita Maria Aparecida Lima Rocha se limitou a disponibilizar dois ônibus e um veículo utilitário da prefeitura, frota insuficiente para garantir os votos de cerca de 800 indígenas das aldeias Taypoca, Serra Grande, Mangabeira, Campos Limpos, entre outras.
“A gente se sentiu traído, enganado pela prefeita”, protesta outra liderança Krahô. “Porque ela fez o possível e o impossível para levar o povo para votar [no 1º turno]. Como o candidato dela ganhou, ela se mostrou para todos nós. Ela é bolsonarista. E agora ela vem dizer para nós que não tem recurso para mandar o carro, para combustível, para mais nada”, acrescenta.
O direito ao voto dos Krahô só foi garantido após a intervenção do Ministério Público Federal do Tocantins (MPF-TO). Em resposta a uma manifestação do procurador Álvaro Lotufo Manzano, o TRE-TO decidiu ceder 12 veículos para atender especificamente a área indígena. “A determinação é para que nenhum eleitor deixe de comparecer às urnas por falta de transporte”, escreveu o juiz eleitoral Carlos Roberto de Sousa Dutra.
Edição: Vivian Virissimo
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