A comunidade está no território há 70 anos e passou a sofrer pressões para deixar suas terras a partir de 2012: “dizem que não somos indígenas e sim invasores”

Foto: Ana Mendes

Por Andressa Algave, da Assessoria de Comunicação do Cimi Regional Maranhão

A União e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) foram condenadas pelo Ministério Público Federal (MPF) a concluir os estudos ligados à identificação, delimitação e demarcação do território do povo Tremembé do Engenho, situado no município de São José de Ribamar (MA), região metropolitana de São Luís. O processo foi cobrado por meio de uma Ação Civil Pública (ACP) registrada em 5 de setembro, em tramitação na Justiça Federal. O documento determina a criação do Grupo de Trabalho (GT) para o prosseguimento do processo de demarcação, e a apresentação de um cronograma de ação em 30 dias, sob pena de multa.

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Maranhão tem feito o acompanhamento jurídico e político de todo o processo junto com o povo Tremembé. A demarcação do território foi reivindicada formalmente pelos indígenas em 2017, mas desde então o processo seguia em fase inicial. A sentença determinou ainda que quando detectado que a comunidade é, de fato, indígena e que já ocupava a área quando a Constituição Federal de 1988 foi promulgada, a União e a Funai devem adotar soluções compensatórias caso a urbanização não torne mais possível a habitação tradicional do povo em seu território.

“O documento determina a criação do GT para o prosseguimento do processo de demarcação, e a apresentação de um cronograma de ação em 30 dias, sob pena de multa”

A comunidade indígena Tremembé do Engenho foi formada por famílias vindas de outros municípios do Maranhão e do Ceará que, na década de 1950, migraram para trabalhar em um dos engenhos da região. Essas famílias, de acordo com os relatos, formam parte do povo Tremembé, etnia presente no Maranhão e em algumas regiões do Ceará, como Acaraú, Itapipoca e Itarema. Há seis anos a comunidade luta pela demarcação, e atualmente, o território abriga cerca de 50 famílias em 74 hectares.

Gilderlan Rodrigues, da coordenação do Cimi Regional Maranhão, conta que o território já é habitado pelo povo Tremembé há séculos. “Nos séculos XVI e XVII, os Tremembé já ocupavam uma extensa região litorânea que seguia do atual Pará ao Ceará. É importante conhecer o território para entender todo o processo de mudanças e adaptações que ocorreram nesses territórios onde eles vivem até hoje, realizando seu Bem Viver através da pesca e da roça.”

” É importante entender todo o processo de mudanças e adaptações que ocorreram nesses territórios onde eles vivem até hoje, realizando seu Bem Viver através da pesca e da roça”

A comunidade, que está estabelecida no território há 70 anos, passou a sofrer pressões para que desocupasse as terras a partir de 2012. Um dos primeiros a se autointitular proprietário de parte do território foi o ex-deputado estadual pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), Carlos Alberto Franco. A documentação apresentada por ele é questionada pelos Tremembé, mas até o momento não passou por perícia. Em 2018, Alberto Franco teve sua ação de reintegração de posse acatada pela Justiça Estadual do Maranhão, ação que resultou na violência e destruição das moradias e plantações das famílias.

Em 2020, o Ministro Luiz Fux, na época presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), se posicionou em favor dos Tremembé, suspendendo decisões liminares de reintegração de posse que causavam preocupação ao povo. O autor do pedido suspenso pelo STF era o mesmo empresário que se dizia proprietário do território Tremembé do Engenho.

“Na época, o presidente do STF se posicionou em favor dos Tremembé suspendendo decisões liminares de reintegração de posse que causavam preocupação ao povo”

Atualmente, a Associação Abrangentes do Estado do Maranhão (AABRAEMA), por meio de seus responsáveis, também passou a disputar o território. A comunidade denuncia que os invasores destruíram roças e envenenaram animais, fontes de renda do povo.

Robson Tremembé, liderança do povo Tremembé do Engenho, conta que já foi ameaçado diversas vezes e que os criminosos dizem não ter medo das investigações sobre o caso. “A imobiliária vem nos atacando, e uma associação aqui no território está cadastrando pessoas e vendendo lotes. Essas pessoas, ao invés de cobrar a associação, cobram dos indígenas. Querem que a gente saia, dizem que não somos indígenas e sim invasores. Já vieram na minha casa me ameaçar, já foram na minha roça me ameaçar. Eles dizem que não ligam para a Polícia Federal, que não gostam de polícia e que a polícia é eles quem fazem, do jeito deles.”

“A imobiliária vem nos atacando, e uma associação aqui no território está cadastrando pessoas e vendendo lotes”

No dia 19 de junho de 2024, o Cimi Regional Maranhão esteve presente em reunião para tratar do processo de identificação e delimitação da área reivindicada pela comunidade. O encontro aconteceu na sede da Funai, em São Luís (MA), e contou com a participação do Conselho de Famílias e Conselho de Lideranças da comunidade Tremembé, seus assessores jurídicos e representantes do órgão indigenista. Na reunião foi pautada a solicitação de revisão do perímetro territorial estabelecido anteriormente pelo Grupo de Trabalho em 2022, que faltou incluir corpos d’água e locais de floresta localizados dentro do território nos estudos.

Ao fim da reunião a Funai havia se comprometido a acolher a solicitação de revisão da área reivindicada e a manter o diálogo com os conselhos de famílias e lideranças e seus assessores jurídicos. Apesar disso, o combinado não foi mantido: após a condenação pelo MPF, Robson Tremembé contou que ninguém da Funai ou da União compareceu ao território para dar orientações sobre o caso. “Estamos aqui na expectativa de que qualquer dia eles apareçam para nos dar uma resposta”, conclui a liderança.

Fonte: https://cimi.org.br/2024/09/mpf-condena-funai-uniao-demarcacao-ti-tremembe-engenho-ma/

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