Na última sexta-feira, 15 de agosto de 2025, a comunidade indígena Erem MutãKen, localizada na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, no município de Uiramutã, recebeu a visita do Ministério Público Federal (MPF).
O objetivo do encontro foi solicitar a atuação de órgãos federais em ações voltadas à proteção da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, com foco na segurança territorial, no fortalecimento da vigilância de fronteiras e na preservação das áreas tradicionais. A visita também teve como propósito verificar, presencialmente, o fluxo de passagem naquela região. E teve o acompanhamento dos advogados do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Junior Nicacio e Luciane Xavier, além da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI/RR).
A presença do MPF na comunidade foi resultado de uma audiência pública realizada previamente pelo órgão, com foco na segurança territorial indígena. A audiência ocorreu no município de Uiramutã, e reuniu autoridades, órgãos de fiscalização e lideranças indígenas para discutir medidas de segurança e vigilância na região.
E diante do aumento de crimes como tráfico de drogas, presença de garimpeiros, circulação de bebidas alcoólicas e a constante ameaça à segurança de suas famílias, a comunidade indígena Erem MutãKen decidiu se organizar e implementar um sistema próprio de vigilância e monitoramento.
Localizada em perímetro urbano, mas reconhecida como comunidade indígena, Erem MutãKen enfrenta diariamente a circulação de 15 a 20 veículos, entre quadriciclos, caminhões, caçambas e caminhonetes, muitos deles transportando bebidas alcoólicas proibidas por lei dentro de territórios indígenas.
“A maioria desses veículos não vem só com alimentos, mas sim com bebidas alcoólicas, que entram ilegalmente e são levadas para comunidades vizinhas, inclusive do lado da Guiana”, relata uma das lideranças da comunidade.
Com a omissão das autoridades em garantir segurança, a comunidade passou a controlar uma barreira de acesso, que, segundo acordo com o Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia Militar, deve funcionar com abertura às 6h e fechamento às 18hs. No entanto, a presença da Polícia durou apenas um mês. Desde então, são os próprios moradores que mantêm o controle de entrada e saída de veículos.
A comunidade destaca que a passagem de veículos de saúde e educação continua garantida, inclusive fora do horário, em casos de urgências. “Já fomos acionados de madrugada para liberar passagem de ambulância e até para o resgate de corpo de vítima de acidente. Nunca negamos apoio nessas situações urgentes”, ressalta a liderança.
Além disso, comunidades vizinhas da Guiana e do Brasil, como Urinduk e Kumambai, utilizam essa mesma via para transporte de materiais básicos. A comunidade afirma ter consciência dessa necessidade e sempre busca atuar com diálogo e com bom senso.

Por outro lado, a entrada de bebidas alcoólicas tem causado desunião social, violência doméstica, prisões de indígenas e destruição de vínculos familiares. Por isso, os moradores reafirmam sua decisão de coibir totalmente o transporte de álcool para dentro das terras indígenas.
“Nosso objetivo é proteger o nosso território, crianças, nossos netos, garantir saúde, ar puro e um presente futuro digno. Não podemos permitir que a bebida, o garimpo e o tráfico destruam tudo isso. E esperamos que o MPF e as autoridades tomem providencias rápidas”, conclui o representante da vigilância.
O Procurador-Chefe do Ministério Público Federal (MPF), Dr. Miguel de Almeida Lima, e o Procurador-Chefe Substituto do 7º Ofício, Alisson Marugal, realizaram uma visita técnica e institucional à região da comunidade indígena Erem Mutãken. Eles estiveram especificamente na “barreira” e no rio Maú, rota que liga o Brasil à Guiana e marca a divisa entre os dois países, com o objetivo de compreender melhor a realidade vivida pela comunidade local e dar continuidade a um procedimento já instaurado.
“Estamos aqui para entender mais profundamente o que está acontecendo na barreira e ouvir outros atores que participam desse processo. É um trabalho delicado, que exige atenção especial por se tratar de uma área indígena”, afirmou o procurador Alisson.

O procurador defendeu a retomada do acordo firmado no ano passado entre o MPF, a Polícia Militar e demais órgãos de fiscalização. Segundo ele, havia a percepção de que o acordo estava sendo cumprido, mas verificou que o cordo não segue.
Um dos pontos discutidos durante a visita foi o trânsito de pessoas com mercadorias, que não configura, a princípio, ilegalidade de acordo com a Lei. “A circulação de pessoas e até o transporte de bebidas alcoólicas não se configura, necessariamente, como crime. Já o transporte de materiais relacionados ao garimpo precisa ser analisado caso a caso, para saber se há configuração de contrabando ou descaminho”, explicou.
A ideia central, segundo do MPF, é retomar as discussões com os órgãos competentes, entre eles Ibama, Polícia Federal e Receita Federal, para encontrar soluções que possam ser implementadas, mesmo que de forma gradual. Uma das possibilidades cogitadas seria a criação de um posto fixo de fiscalização na área, com a presença de diferentes instituições, mas ainda sem definição concreta.
“Não será uma solução imediata nem simples. Estamos lidando com uma situação complexa, que exige tempo, diálogo e responsabilidade. Talvez consigamos avançar ainda este ano, mas é possível que o processo leve mais tempo. Também não temos como garantir que a solução vá agradar a todos, mas ela precisa ser construída de forma participativa”, reforçou o procurador.
A audiência pública realizada recentemente teve exatamente esse intuito, ouvir a comunidade, os órgãos públicos e demais envolvidos, para estabelecer estratégias conjuntas que possam amenizar a situação atual e garantir a fiscalização legal e legítima do território.
A comunidade aguarda uma resposta rápida e concreta das instituições responsáveis pela fronteira, especialmente quanto ao reforço das ações de fiscalização e apoio na manutenção da segurança dos povos indígenas que ali moram.
Lideranças da terra indígena Raposa Serra do Sol, afetada pela rota de passagem denuncia a demora na atuação dos órgãos públicos e alertam para o aumento dos conflitos na região. Segundo os moradores, o controle comunitário anterior mantinha a área em calma, mas a liberação da passagem durante o dia tem gerado tensão.
“Quando a gente controlava, estava calmo. Agora, com a passagem liberada, aumentaram os problemas. Estamos enfrentando entrada de bebida alcoólica e risco de garimpo ilegal. Isso aqui não vai passar”, afirma uma liderança local.
A comunidade já encaminhou denúncias e espera um posicionamento mais rápido das autoridades. O grupo pede que o Ministério Público Federal cobre providências imediatas dos órgãos competentes.
“Ou os órgãos resolvem, ou vão ter que mudar a rota. O que está claro é que a gente não vai parar de fiscalizar o nosso território”, conclui a liderança.
Sobre a Audiência
No dia 14 de agosto, lideranças da Terra Indígena Raposa Serra do Sol participaram de uma audiência pública no município de Uiramutã (RR), promovida pelo Ministério Público Federal (MPF), para discutir a Segurança Territorial Indígena e o fluxo de mercadorias entre o Brasil e a Guiana. Lideranças da Raposa Serra do Sol defenderam proteção territorial.
O encontro reuniu representantes indígenas, órgãos de fiscalização e autoridades civis e militares, com foco na preservação das áreas tradicionais e no fortalecimento das ações de vigilância na faixa de fronteira.
“Segurança e vigilância para garantir que o território continue sendo espaço de vida, cultura e resistência”, destacou o tuxaua geral do Conselho Indígena de Roraima, Amarildo Macuxi.
Na ocasião, foi lida e entregue uma carta às instituições presentes, com reivindicações voltadas à proteção do território e ao apoio institucional às ações de monitoramento feitas pelos próprios povos indígenas.
Estiveram Lideranças da Raposa Serra do Sol, assessoria jurídica do Conselho Indígena de Roraima, Grupo de Proteção e Vigilância Territorial Indígena (GPVTI), representantes da sociedade civil de Uiramutã, IBAMA, Exército, Polícia Federal, Receita Federal, Prefeitura de Uiramutã, FUNAI, Procuradoria Federal Especializada junto à FUNAI (PFE/FUNAI), Sociedade de Defesa dos Índios Unidos de Roraima (SODIUR), além dos procuradores da República Alisson Marugal e Miguel de Almeida.

O antropólogo e procurador da FUNAI em Brasília, Gustavo Menezes, reforçou a importância do apoio estatal: “A sociedade em geral conhece pouco sobre os povos indígenas. Eles estão aqui há muito tempo. É preciso cumprir o que está na lei. As comunidades fazem uma vigilância voluntária, mas isso é um pedido de socorro. É preciso presença mais efetiva da Polícia Militar e do Exército”, afirmou.
As lideranças indígenas cobraram maior presença do Estado, respeito à demarcação e apoio logístico para manter o território protegido diante de crescentes ameaças e pressões externas.
Ao final da audiência, o Ministério Público Federal (MPF) esclareceu os limites legais de atuação, destacando que o GPVIT não possui competência para exercer funções típicas de polícia. Ressaltou ainda que este foi o primeiro diálogo formal entre os órgãos governamentais envolvidos, e que, a partir dessa iniciativa, serão pensadas estratégias conjuntas para aprimorar o funcionamento e a fiscalização na região de fronteira.
CARTA DAS LIDERANÇAS DA TERRA INDÍGENA RAPOSA SERRA DO SOL: https://www.cir.org.br/files/posts_conteudo/68a54b1cddc8c5.17808182.pdf
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