Combater a violência e o abuso sexual de crianças e adolescentes indígenas, principalmente em áreas mais vulneráveis e de alto indíce de casos, tem sido uma das principais lutas das comunidades indígenas que buscam a proteção e o bem estar de suas crianças e jovens indígenas.
Para fortalecer essa luta, agora as comunidades também podem contar com o apoio da Rede de Proteção às Crianças e Adolescentes Indígenas, por meio do “Projeto Rede Viva Bonfim”, criado pelo Tribunal de Justiça de Roraima (TJ/RR), envolvendo vários órgãos públicos e entidades que atuam na pauta de proteção às crianças e adolescentes do Estado.
A atuação da Rede é focada nas regiões de abrangência do município de Bonfim, fronteira com a Guiana, uma das mais vulneráveis e de constantes casos de denúncias, conforme relatos da Polícia Militar de Roraima.
Avançando nos diálogos e proposições de ações conjuntas, a segunda reunião da Rede ocorreu nos últimos dias, 14 e 15, no auditório da Comarca de Bonfim, com a presença do Conselho Indígena de Roraima (CIR) e equipes dos departamentos, jurídico, mulheres e de juventude, além das instituições, como a Secretaria de Educação, Polícia Militar, Conselho Tutelar do Município de Bonfim, Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), Delegacia de Polícia de Bonfim, Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e demais instituições que atuam na pauta de proteção à crianças e adolescentes.
As coordenações regionais de tuxauas, mulheres e juventude, da Serra da Lua, Raposa e Baixo Cotingo, dos municípios de Bonfim, Cantá e Normandia, estiveram na reunião e apresentaram suas preocupações e realidades em relação às crianças e adolescentes, tendo como problemáticas não somentes os abusos, mas a depressão e suicídios de jovens.“ Estamos aqui por um mesmo objetivo que é a proteção das nossas crianças e jovens. Está crescendo os casos na nossa região e em outras também, e isso é uma preocupação para nós. Temos que chamar o nosso GPVITI, que também pode nos ajudar nessa parte”, sugeriu o coordenador regional da Serra da Lua e tuxaua da comunidade Tabalascada, Cesar da Silva. Também sugeriu conhecer melhor a atuação do Conselho Tutelar nas comunidades indígenas, para não ocorrer como em determinadas situações de chegarem nas comunidades sem procurar a principal liderança que é o tuxaua.



Lideranças reunidas para diálogo/ Fotos: Ascom CIR
Ao considerar a importância do trabalho da Rede junto às comunidades indígenas, também sugeriu que a iniciativa seja amplamente compartilhada com os demais tuxauas e suas lideranças, para que tenham efetividade nas ações de combate a violência, principalmente o abuso sexual de crianças e adolescentes.
Nos últimos dois anos, o atual departamento da Juventude Indígena do CIR, vem dando prioridade a pauta da saúde mental dos jovens indígenas em razão da urgência e necessidade de agir contra os diversos tipos de violência, dentre eles, o abuso sexual.
Pautando a preocupação da juventude indígena da região da Raposa, no município de Normandia, a vice-coordenadora dos jovens, Alzieny Almeida, ao ressaltar a importância do espaço de fala da juventude no evento, sugeriu mais diálogo entre o Conselho e as comunidades indígenas, no sentido de atuarem de forma conjunta, diante das diversas dificuldade, sobretudo no acesso às comunidades, que nem sempre é de acordo com a organização local.
Com o anseio de buscar respostas para o que está motivando o aumento da violência, a coordenadora regional de mulheres da Serra da Lua, Aldenicia Cadete, considerou o momento bastante oportuno e novo, porém, requisitou alinhamento entre as instituições. “É um momento oportuno e novo, para mim, enquanto coordenadora regional de mulheres. É uma iniciativa boa, o que falta é o alinhamento entre as instituições. Precisamos estar alinhados com esse propósito de amenizar e até acabar com essa violência em nossas comunidades”, apontou.
Aldenicia sugeriu também que as instituições fiquem atentas ao uso dos instrumentos de organização social das comunidades indígenas, como os regimentos internos e protocolos de consulta, como é o caso da região da Serra da Lua que já tem o seu protocolo. Um documento que está respaldado com as leis que garantem os direitos dos povos indígenas na Constituição Federal.
“ Temos a nossa estrutura organizacional, como os regimentos internos, que é a lei interna da comunidade, um instrumento que vem nos fortalecendo. É fundamental o uso porque está amparado na Constituição e são os instrumentos que estão mais próximos das comunidades indígenas. Por isso é importante o alinhamento para sabermos qual o papel de cada um nesse processo. Não é só o Tuxaua que vai resolver, mas uma conjuntura e estrutura de lideranças, todos vão ajudar”, considerou Aldenicia.
O Conselho Indígena de Roraima (CIR) que atua em 260 comunidades, 11 regiões e diferentes povos indígenas, têm dado atenção ao diálogo com o objetivo de fortalecer as ações já realizadas através dos seus departamentos jurídico, mulheres e juventude, mas também possibilitando outras formas de acesso e ajuda às comunidades indígenas. A organização destaca em suas ações, o respeito aos direitos e a forma de organização de cada comunidade e povo indígena.
Acompanhando a reunião no primeiro dia (14), a tuxaua geral do Movimento de Mulheres Indígenas e membro da coordenação executiva do CIR, Kelliane Wapichana, frisou sobre a importância de manter diálogo e entender a forma de organização das comunidades, sobretudo na solução dos problemas e reforçou que abuso sexual de crianças e adolescentes é uma questão grave, precisa ser combatida e não é uma questão cultural.
“ É um diálogo importante, precisam entender a realidade das comunidades indígenas, a sua organização social, e propor ações que combatam os vários tipos de violências. É uma questão urgente a ser combatida e de forma alguma, deve ser tratada como uma questão cultural. Nós não consideramos isso”, frisou, a Tuxaua, que vem participando das discussões desde o primeiro encontro da Rede.
Para a psicóloga e membro da Coordenadoria da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça de Roraima (TJ/RR), Isabeau Cristina, ao destacar os primeiros passos da Rede, ressaltou que a intenção, é realizar trabalhos nas escolas com as crianças e adolescentes, preparar professores da rede de ensino para identificar possíveis sinais de violência, porém, antes disso, buscam articular o funcionamento da Rede e conseguirem atender as crianças e adolescentes, que possivelmente tendem a buscar ajudar cada vez mais.


Tuxaua do Movimento de Mulheres Indígenas do CIR Kelliane e Raquel Wapichana discussão durante o encontro
“ Quando são realizadas ações informativas, de conscientização, isso acaba gerando também uma ampliação nas denúncias”, pontuou, ao comentar sobre o alinhamento entre a Rede e as lideranças indígenas.
Como um dos principais avanços na segunda reunião, Isabeau, destacou o fortalecimento de diálogo com as lideranças, mesmo com os vários questionamentos sobre os tipos de violência. “ A gente sai com alguns questionamentos em relação a aproximação da Rede e isso já deu um grande passo, a partir da presença das lideranças indígenas, como as coordenações de tuxauas, mulheres e juventude. Houve um convite para a participação da Rede nas Assembleias regionais, o que para mim é um dos maiores avanços dessa reunião”, destacou.
Um dos desafios para as instituições, inclusive para a organização e suas bases, identificados nesse contexto de efetivação da Rede, são os dados específicos de crianças e adolescentes indígenas, vítimas de abuso sexual e outras violências, que ainda não tem e que podem subisidiar nas ações mais efetivas de proteção às crianças e adolescentes indígenas de Roraima.
Durante a reunião, cada representante apresentou a atuação da instituição, as dificuldades e suas expectativas de melhoria do atendimento às comunidades indígenas. Uma das principais instituições citadas foi o Conselho Tutelar, criado com base no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que trata- se de um órgão permanente e autônomo que busca zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente. Sua atuação ocorre em parceria com escolas, organizações sociais e serviços públicos.
O Conselheiro de Bonfim, Talison Lúcio, ao relatar os desafios e dificuldades de atuação nas comunidades indígenas, considerou que a reunião foi muito importante para estreitar a relação com as comunidades e suas lideranças, de forma que possam aperfeiçoar os seus trabalhos e dar melhor atenção a esse público. “ Foi uma reunião importante para nós que atuamos diretamente com os casos, quando acionados, no sentido de estreitar a relação com as comunidades, saber de que forma podemos atuar, sem desrespeitar o seu modo de organização social, levando informações e conscientização, nao só às crianças e jovens, mas para toda a comunidade”, relatou, colocando – se à disposição para os diálogos, conforme solicitados pelas lideranças indígenas.
Como encaminhamento da reunião, os participantes apresentaram como propostas a produção de materiais de conscientização e informações, como cartilhas e vídeos, envolvendo as crianças e adolescentes, a formação específica sobre os direitos indígenas às instituições e as funções de cada instituição, com a participação das comunidades indígenas e suas lideranças focais, além da participação nas Assembleias Regionais da Serra da Lua, Raposa e Baixo Cotingo, conforme convite feito das coordenações regionais aos representantes da Rede.
O alinhamento das ações e planejamento estratégico, serão tratados na próxima reunião da Rede. Data e local ainda não foram definidos.



Fonte: Ascom/CIR
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