Valdenir Lima dos Santos já foi apontado como executor do camponês e líder sindical Piauí, no Pará, mas PM o associou ao caso da missionária Dorothy Stang; parentes de outros dois assassinados no estado, Zé Cláudio e Maria, pensaram que justiça tinha sido feita
Valdenir Lima dos Santos, 36 anos, foi preso na última segunda-feira (13) em Itapetininga (SP), após sete anos foragido da Justiça. Ele é considerado o executor do assassinato do sindicalista Valdemar Oliveira Barbosa, em Marabá (PA), que foi morto a tiros, por dois pistoleiros em uma moto, enquanto andava de bicicleta na cidade, em agosto de 2011. Também conhecido como Velhinho, Santos foi encontrado com documentos falsos no interior de uma residência, após denúncia anônima. Segundo comunicado da Polícia Militar, foi cumprido um mandado de prisão expedido pela Comarca de Marabá. Mas não se sabe por qual crime.
Conhecido como Piauí, Barbosa foi o quarto trabalhador rural morto na região naquele ano e a execução aconteceu apenas três meses depois da morte do casal de extrativistas José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo, cujos dois condenados também estão foragidos. Em princípio, a Polícia Militar do Estado de São Paulo vinculou Santos com o assassinato da missionária norte-americana Dorothy Stang, morta em 2005 em Anapu, mas o erro foi corrigido dois dias depois pela própria entidade, após a imprensa divulgar a informação relacionando os dois casos.
O caso em Marabá envolve um ex-prefeito de Eldorado dos Carajás, o pecuarista e madeireiro Vicente José Corrêa Neto, o Vicentinho, apontado na época como mandante do crime. Nunca mais se falou de Corrêa. Que, em tese, assim como os pistoleiros, não foi punido. De Olho nos Ruralistas constatou que ele voltou a protagonizar conflitos de terra nos anos seguintes. Em 2011, foi ameaçado de morte após uma confusa venda de fazenda em Eldorado. Em 2018, foi mencionado em denúncia de trabalho escravo em uma terra indígena no Mato Grosso.
VÍTIMA COORDENAVA OCUPAÇÕES NA REGIÃO
Apesar de ser considerado como o autor dos disparos contra Piauí, a denúncia contra Santos, outro pistoleiro e o mandante foram anuladas pela Justiça por faltas de provas. Ele chegou a ser preso, mas fugiu do estabelecimento penitenciário em que estava, em 2012. Incógnita: por qual crime o mandado de prisão teria sido expedido? Não se sabe. A reportagem tentou contato com Tribunal de Justiça do Pará, mas devido à pandemia do novo coronavírus o expediente está em sistema remoto e ninguém atendeu aos telefonemas.
Advogado da Comissão Pastoral da Terra (CPT), João Batista Afonso lembra-se bem desse ano considerado trágico para os trabalhadores do campo da região. Segundo ele, Barbosa — que pertencia ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Marabá — era um líder que coordenava famílias sem-terra em processos de ocupação. Naquele momento ele coordenava a ocupação da Fazenda Califórnia, no município de Jacundá, de propriedade de Vicente José Corrêa Neto, prefeito de Eldorado dos Carajás nos anos 90.
Segundo Batista, na época não foi feito esforço para se investigar o caso, só elucidado após o pistoleiro Diego Marinho, preso sob suspeita de participar de outro crime, confessar também ter sido contratado por Corrêa Neto para matar Barbosa e delatar o comparsa Valdenir Lima dos Santos, o Velhinho. Marinho pilotava a moto e Santos atirava. Em depoimento, Marinho confessou também envolvimento em quatro homicídios. Velhinho teria cometido três mortes na região. O dono da propriedade teria pago R$ 3 mil aos pistoleiros; Santos teria levado a maior parte, R$ 2 mil. Mesmo com a delação, a Justiça absolveu os acusados.
“Essa foi uma decisão escandalosa”, disse Batista. “Inexplicável de como há uma confissão dos pistoleiros de que assassinaram, receberam o valor para matar, disseram quem pagou e como pagou, a polícia concluiu que os responsáveis foram eles, o Ministério Público denunciou, a Justiça inicialmente aceitou a denúncia e depois a Justiça absolveu”, afirma Batista.
ERRO DA POLÍCIA CAUSA ANGÚSTIA NO PARÁ
Como não há processos abertos no caso Dorothy, a divulgação da notícia em São Paulo — antes mesmo de a polícia corrigir o equívoco — causou um rumor: pensou-se que o capturado poderia ser um dos condenados pelo crime contra José Cláudio e Maria. Claudelice Santos, irmã de José Cláudio, disse que por alguns instantes pensou que o foragido poderia ser um dos condenados pelo crime que ainda abala a família “diuturnamente”.
“Ficamos com muita esperança que a justiça tinha sido feita, mas não foi dessa vez”, afirma Claudelice. “Fiquei muito ansiosa e mesmo depois de saber que não era relacionado à morte do meu irmão e da minha cunhada, chorei a noite toda”. Segundo ela, a prisão de um pistoleiro, de qualquer forma, é um grande alívio também para os movimentos sociais. “Conviver com a impunidade é desolador”.
O casal Zé Claudio e Maria foi morto no dia 24 de maio de 2011 em Nova Ipixuna (PA), em uma emboscada em uma estrada na zona rural. Cinco anos depois, o fazendeiro José Rodrigues Moreira foi condenado a sessenta anos de prisão por ser o mandante do crime. Seu irmão, Lindonjonson, foi condenado pelo assassinato junto do pistoleiro Alberto do Nascimento, a 42 e 43 anos de cadeia. Os dois últimos estão foragidos.
Maria e Zé Cláudio eram ambientalistas e agricultores extrativistas. Denunciavam grilagem de terras, desmatamento ilegal e madeireiros dentro do projeto de assentamento agroextrativista aonde viviam. Após as mortes, eles foram declarados Heróis da Floresta pela Organização das Nações Unidas (ONU). Em 2011, a CPT registrou 29 assassinatos de trabalhadores do campo.
MANDANTE REAPARECE EM CASO DE TRABALHO ESCRAVO
Ex-prefeito de Eldorado dos Carajás, Vicente José Corrêa Neto acabou aparecendo muito mais, nas últimas décadas, como protagonista de conflitos no campo. Ele foi ameaçado de morte por outro ex-prefeito do município e é investigado — junto com outros parentes — em ação penal no Pará contra uma madeireira da família, a A.C. Indústria Comércio e Exportação de Madeiras. O processo por transporte de madeira ilegal corre desde 2004 e chegou a ser prescrito, em decisão revista justamente após a inclusão de Corrêa, em 2008. A ação corre à revelia dele, “em lugar incerto e não sabido”.
Em 2018, Vicentinho reapareceu em notícia sobre trabalho escravo no Mato Grosso. Ele seria arrendatário na Terra Indígena Marãiwatsédé, no município de Bom Jesus do Araguaia, onde, durante o governo Dilma Roussef, fazendeiros foram considerados invasores e expulsos, ao fim de um processo de desintrusão no território Xavante. Um trabalhador de 33 anos o denunciou por exploração ilegal de madeira e por trabalho escravo.
Segundo o portal mato-grossense Agência da Notícia, o trabalhador contou ter trabalhado durante vários meses para Corrêa Neto, sem receber salário. Caso denunciasse, morreria. “Nós trabalhamos mais de quatro meses para o Vicente”, contou o homem, que não quis se identificar. “Ele não cumpriu o que havia combinado com a gente e, quando resolvemos cobrá-lo, fomos ameaçados e expulsos do local”.
Os trabalhadores não tinham banheiro e ficavam num alojamento insalubre: um barraco de madeira e lona. A madeira da terra indígena era utilizada para a construção de cercas. “Começamos a tirar madeira da área para a construção de novas cercas”, contou o trabalhador. “Além de estacas foram retirados vários outros tipos de madeira”. O pecuarista não foi localizado.
Ele também responde a um processo na Justiça do Trabalho no Mato Grosso, movido no ano passado pelo vaqueiro Nailton Félix dos Santos no município de Confresa (MT), a 204 quilômetros de Bom Jesus do Araguaia. Em maio do ano passado, Corrêa Neto, o Vicentinho, estava morando em Barra do Garças (MT), também no Vale do Araguaia.
Vicentinho era o prefeito de Eldorado dos Carajás no dia 17 de abril de 1996, ano do massacre de 21 camponeses do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST). O caso ocorrido durante o governo Fernando Henrique Cardoso ganhou notoriedade internacional e tornou a data o Dia Internacional da Luta Camponesa. (Colaborou Alceu Luís Castilho)
Foto principal: polícia de SP confundiu pistoleiro com outro do caso Dorothy. (Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil)
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