Xóchitl Gálvez é vista como antítese do atual presidente, AMLO, que impulsionou opositora ao criticá-la
BUENOS AIRES
No dia 12 de junho, a senadora mexicana Xóchitl Gálvez acordou antes das 5h, subiu em sua bicicleta e pedalou por cerca de 30 minutos até chegar ao Palácio Nacional, onde todos os dias o presidente do país, Andrés Manuel López Obrador, reúne a imprensa para dar declarações nas suas habituais “mañaneras”.
Ela deu, porém, de cara com a enorme porta de madeira fechada. Vestindo um “huipil”, um traje tradicional usado por mulheres indígenas, e levando uma decisão judicial debaixo do braço, a situação rendeu a ela uma foto simbólica. O documento lhe concedia direito de resposta contra o presidente, que sete meses antes havia afirmado erroneamente que a opositora defendia o fim de programas sociais para idosos.
“Nós também somos o povo, e ele tem a obrigação de nos escutar”, disse ela num megafone. Nascia assim uma nova candidata à Presidência do México, a ser disputada em junho de 2024. O nome de Xóchitl, que em português se pronuncia “Sótil”, disparou nas pesquisas no Google e chegou a superar por alguns dias o de AMLO, sigla pela qual o líder populista de esquerda é conhecido.
Se antes a senadora pretendia concorrer ao governo da Cidade do México, no qual tinha maiores chances, agora ela vai buscar o cargo mais alto do Executivo, impulsionada pela exposição na imprensa e pela reação de seus apoiadores depois que o presidente passou a criticá-la todas as manhãs no palácio. Ele não pode concorrer à reeleição, mas espera que seu sucessor saia das prévias de seu partido, o Morena.
A partir daí criou-se a hashtag #ASenhoraX e organizou-se uma marcha sob o lema “Obrador tem a força e as armas, nós, a verdade e a liberdade” —o ato foi adiado a pedido de Xóchitl, para evitar que fosse enquadrado como campanha antecipada. De todo modo, a ascensão da senadora foi um sopro de ar fresco para a aliança de oposição conservadora que reúne os tradicionais PRI, PAN e PRD, cujos pré-candidatos aventados até então não emocionavam.
“O país está dividido entre os 70% que apoiam o presidente e os 30% que estão contra o presidente, não importa o que ele faça. Então surge Xóchitl, que, por ser de origem indígena e ter uma forma muito popular de falar, como o presidente, converte-se na sua antítese e gera expectativa entre esses 30%”, resume o analista político Rodrigo Galván, citando números da empresa de pesquisas que dirige, a De Las Heras.
“Xóchitl é uma populista conservadora, que acredita que o futuro do país está em boas empresas e bons empresários e se comunica com a sociedade sem mediações. Atrevo-me a dizer que é um fenômeno comum na América Central, que tem escolhido personagens midiáticos como alternativa a políticos tradicionais”, analisa Manuel Canto, professor da Universidade Autônoma Metropolitana (UAM).
Em cinco minutos de conversa concedidos à Folha, Xóchitl se define como “uma mulher que vem de baixo, trabalhadora, ‘entrona'” e lista como prioridades aumentar pisos salariais, dar uma melhor educação aos jovens, reabrir escolas no campo e criar políticas ambientais.
Apesar de ser considerada de direita, já se posicionou como feminista e é a favor do aborto e dos direitos LGBTQIA+. Também costuma citar que foi criada em Tepatepec, um povoado a 130 km da capital, onde, segundo ela, vendia gelatinas para ajudar a mãe, que lavava e passava roupas para outras famílias.
O jornal El País, que viajou até a vila, usou a palavra “anfíbia” para descrever a senadora: criada entre uma família progressista e outra mais conservadora, era pobre comparada a uns, mas tinha uma vida confortável comparada a outros. O avô falava otomí, língua indígena, mas parecia um “espanhol, alto, bigodudo, de olhos claros”.
“Sobre minha vida ninguém sabe mais do que eu. Eles não sabem que eu tinha um pai violento, alcoólatra. Eles não estavam lá, quem estava lá era eu”, rebate a senadora. Depois de migrar para a capital, ela conseguiu uma bolsa e estudou engenharia na Unam (Universidade Nacional Autônoma do México), tendo aberto na década de 1990 uma consultoria para “edifícios inteligentes”, a High Tech Services.
López Obrador publicou nos últimos dias supostos contratos dessa e de outra empresa de sua opositora nas redes sociais, dizendo que pediria investigações sobre seus contratos “milionários”. “Eu não tenho nada de errado na vida. Ele não se incomoda com seus políticos corruptos, mas se irrita com uma empresária que gera empregos, riqueza e paga impostos”, diz ela.
A carreira política começou no início dos anos 2000, quando Xóchitl foi descoberta por caçadores de talentos contratados pelo governo do ex-presidente Vicente Fox, durante o qual ela depois chefiou a comissão para os povos indígenas. Em 2010, concorreu ao governo de seu estado natal, Hidalgo, mas perdeu. Em 2015, foi eleita como uma espécie de subprefeita de uma das regiões mais abastadas da Cidade do México. A classe média alta, aliás, é o principal perfil de seu eleitorado.
Nos últimos cinco anos, já como senadora, a política ficou conhecida pela oposição a AMLO, usando estratégias inusitadas para chamar a atenção da mídia. Em dezembro, por exemplo, foi a uma sessão vestida com uma enorme fantasia de dinossauro e a placa “Jurassic Plan” para protestar contra o que descreveu como “retrocesso” da reforma eleitoral do governo, derrubada recentemente pela Suprema Corte.
Muitos consideram a atenção excessiva que o presidente deu a Xóchitl um tiro no pé. Outros veem nisso uma estratégia: “Quem quer se eleger presidente no México vai precisar ganhar parte dos 70% que apoiam o governo. Se ela polariza contra ele, nunca vai conseguir esses votos. Por isso ele entrou nesse jogo”, aposta Galván, o analista da De Las Heras.
Já o sociólogo Canto avalia a atitude do presidente como impensada e impulsiva. “Xóchitl contrasta em popularidade e trajetória com a candidata favorita de Obrador, Claudia Sheinbaum [ex-chefe da Cidade do México, cargo equivalente ao de governador], que é mais rígida e menos popular. O presidente não ganha nada com isso, para ele seria melhor um opositor de origem europeia para opor o partido ‘do povo’ às ‘oligarquias'”.
Questionada pela reportagem sobre a influência do presidente na sua fama, a senadora solta um riso largo. “Estou aqui porque quis estar. A decisão foi minha, e não do presidente López Obrador, que me odeia, nem de nenhuma cúpula no poder”, responde.
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