Projeto Asas da Emergência levou profissionais de saúde e produtos de higiene básica a locais remotos da Amazônia
Em um esforço para combater a disseminação do novo coronavírus pelas aldeias indígenas, o Greenpeace está transportando de profissionais de saúde a produtos de higiene básica para locais remotos da Amazônia.
Batizado de Asas da Emergência, o projeto realizou seu quarto voo nesta terça-feira (19). O destino foi o Alto Rio Solimões (AM), onde vivem cerca de 70 mil indígenas em aldeias e outros milhares nos centros urbanos, principalmente Tabatinga.
Greenpeace leva auxílio emergencial a indígenas da Amazônia contra a Covid-19
Trata-se da região com maior número de indígenas vítimas da Covid-19 no país — pouco mais da metade das mortes ocorreu ali, segundo o Ministério da Saúde.
A viagem de Manaus a Tabatinga, em avião Caravan, demorou 3h30 para percorrer os 1.100 km em linha reta. A bordo, 700 kg de material: frascos de de álcool em gel, caixas de sabão, máscaras e luvas. Viajaram dois tripulantes, dois ativistas do Greenpeace e dois repórteres.
O carregamento foi recebido na pista do aeroporto por funcionários do Dsei (Distrito Sanitário Especial Indígena) Alto Solimões, subordinado à Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), do Ministério da Saúde. O coordenador distrital, Weydson Pereira, não pode ir por ter contraído a Covid-19.
“Esse material vai para os profissionais de saúde nas comunidades que têm mais doentes no Alto Solimões. Nós trabalhamos com 237 aldeias, quase 70 mil indígenas”, afirma Eládio Kokama, assessor do Dsei e também liderança da Organização Geral dos Caciques das Comunidades Indígenas do Povo Kokama.
“Precisamos de higiene, máscara pra toda a população. Esse é um problema sério. Pra nossa equipe, temos essa ajuda, mas nós queremos pra população”, afirmou Kokama, um dos centenas de indígenas empregados pelos Dseis.
“A ideia é não entrar diretamente nos territórios indígenas, mas fortalecer as instituições”, afirma Carol Marçal, da campanha da Amazônia do Greenpeace, baseada em Manaus. “Uma pandemia exige solidariedade e nos estimula a expandir nosso senso de humanidade.”
A ativista criticou a atuação do governo federal contra o avanço da pandemia sobre a população indígena. “Falta um plano emergencial que leve em consideração as características dos povos. As medidas sanitárias não terão efeito se não forem feitas em conjunto com medidas de proteção do território indígena.”
Além do Alto Rio Solimões, o Greenpeace já fez dois voos a São Gabriel da Cachoeira (AM), a cidade mais indígena do país —90% dos seus 45 mil habitantes. A ONG transportou profissionais de saúde que atuam no Dsei Alto Rio Negro e diversos materiais hospitalares.
O Greenpeace também levou insumos até o Dsei Tapajós, em Jacareacanga (PA). É a porta de entrada da Terra Indígena Munduruku, etnia de cerca de 13 mil pessoas que sofre com a invasão ilegal de garimpeiros atrás de ouro.
O boletim diário da Articulação dos Povos Indígenas (Apib) afirma que 121 indígenas morreram em decorrência do novo coronavírus até esta sexta (22), dos quais 89 no Amazonas.
Na contagem do Ministério da Saúde, que só considera índios atendidos em aldeias, o Dsei Alto Rio Solimões registra 16 dos 31 óbitos por Covid-19. É, disparado, o número mais alto entre os 34 Dseis espalhados pelo Brasil.
FILAS DA CAIXA
Com 47 mortos, os kokamas são o povo mais atingido pelo coronavírus do país. Eládio Kokama já perdeu oito parentes e agora acompanha o drama do irmão, que está internado em estado grave em Tabatinga e tenta a remoção para Manaus, a única cidade do Amazonas que dispõe de UTI.
“O meu irmão está intubado. Por duas vezes, quando ele saiu do hospital e chegou aqui ao aeroporto, a saturação respiratória desceu pra 40% [o ideal é acima de 90%]. Aí não tem como transportar”, afirma.
Para ele, as aglomerações na Caixa Econômica Federal foram um dos principais propagadores do novo coronavírus. “Não tem organização. Pessoas dormindo na fila, mais de 200, 300 sem máscara. São as pessoas que alimentam o vírus”, diz.
Na quarta-feira (20), a reportagem acompanhou o pagamento da segunda parcela do auxílio emergencial. A Caixa instalou toldos e cadeiras na entrada, e todos usavam máscara. Mesmo assim, as pessoas esperavam por horas acuadas pela chuva, sem o distanciamento social de 1 metro.
A tikuna Magnolia Ramos, 44, chegou de madrugada à fila e já esperava havia seis horas. De uma aldeia próxima da cidade, ela disse que o auxílio emergencial é necessário por causa da paralisação da venda de produção agrícola. Ela disse estava com medo de ir à cidade. “A gente põe máscara, mas depois chega em casa e estão os filhos.”
Ao seu lado, o marido, Pedro Ramos, 48, disse que há falta de comida e que o governo deveria distribuir cesta básica. “Por causa dessa pandemia, ninguém sai pra pescar, pra trabalhar.”
O repórter Fabiano Maisonnave viajou a Tabatinga a convite do Greenpeace.
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