Com entrada gratuita em julho, espaço é comandado por representantes de diferentes povos
SÃO PAULO
Uma enorme faixa pendurada no prédio de número 451 da rua Dona Germaine Burchard, na Água Branca, bairro da zona oeste de São Paulo, já dá alguma pista da novidade que chega por ali —a mensagem “Atenção, área indígena” aparece em letras brancas estampadas na cores verde e amarelo da bandeira do Brasil sobre cinco dos sete andares do novo Museu das Culturas Indígenas da cidade.
Abaixo, na entrada do espaço inaugurado na tarde desta quarta-feira, dia 29, a mensagem é reforçada. Lambe-lambes coloridos colados nas pilastras pedem, por exemplo, a demarcação das terras indígenas, a floresta de pé e o fascismo no chão.
Duas grandes onças estão pintadas em uma parede ao redor, mas outros ícones também aparecem —são redes penduradas em árvores, animais talhados em madeira e, na ocasião da inauguração do museu, banquinhas com produtos feitos por indígenas do estado de São Paulo.
Museu das Culturas Indígenas é inaugurado em SP
Obra da sala dedicada ao artista Xadalu Tupã Jekupé, no Museu das Culturas Indígenas; nela, povo Guarani Mbya é retratado com colete a prova de balas Maurício Burim/Divulgação/Maurício Burim/Divulgação
A poucos metros do parque que leva o nome do bairro paulistano em que está localizado, o espaço começou a ser pensado há cerca de um ano, em uma visita de representantes de povos indígenas de São Paulo ao então governador, João Doria, do PSDB. De lá para cá, o cargo passou para as mãos de Rodrigo Garcia, do mesmo partido, e o projeto levantado com um repasse de R$ 14 milhões foi inaugurado em parceria com a organização social de cultura Acam Portinari e o Instituto Maracá, que protege e difunde o patrimônio cultural indígena.
O diferencial ali é o modelo de gestão, que dá protagonismo aos indígenas, para que contem as suas histórias com suas próprias mãos e vozes. Desde o começo do projeto foi montado o conselho Aty Mirim, que reúne representantes de povos que moram no estado de São Paulo. É esse grupo que dá as diretrizes de curadoria e de condução do museu.
“A partir disso veio a ideia de que o museu seria inaugurado com uma espécie de coletânea de instalações e de obras de arte contemporânea, mas que já trouxesse esse conceito de ser um olhar indígena sobre as culturas indígenas”, disse o secretário de Cultura do estado de São Paulo, Sérgio Sá Leitão, no evento de inauguração do espaço. “O interessante é que ele é um museu em permanente transformação, mas sempre sob o ponto de vista indígena.”
Como temas escolhidos pelo conselho para as primeiras exposições temporárias que ocupam os quatro andares dedicados às mostras do prédio, aparecem o desmatamento da floresta, a violência contra esses povos, a cultura musical indígena e os territórios originários sendo engolidos pelas cidades.
O quinto e o sexto andares, por exemplo, são ocupados pela mostra “Ygapó: Terra Firme”, do artista e curador Denilson Baniwa, que usa dos sentidos para que o público entre na floresta amazônica —há o cheiro de barro, o barulho das folhas espalhadas pelo chão, um tronco de uma árvore derrubada no centro da sala e a projeção de vídeos de manifestações musicais indígenas, como o grupo de rap Oz Guarani.
Já no terceiro e no quarto andares ficam as obras da exposição “Invasão Colonial Yvy Opata – A Terra Vai Acabar”, do artista Xadalu Tupã Jekupé, que usa pintura, serigrafia, fotografia e outras técnicas para mostrar a ameaça da sociedade ocidental sobre o território indígena.
Entre suas obras, aparecem uma cruz envolvida por um saco plástico preto e arame farpado sobre uma televisão que mostra cenas de indígenas violentados e também fotos ampliadas em preto e branco de pessoas do povo guarani mbya vestindo coletes à prova de balas.
Os trabalhos escolhidos pela curadoria de Tamikuã Txihi, Denilson Baniwa e Sandra Benites são fortes, mas o museu ainda não tem prontos todos os ambientes, que incluem uma lojinha, um auditório e um centro de pesquisa e referência. Também não há um andar com uma exposição permanente que contextualize e conte mais sobre a história dos povos que habitam São Paulo —o que está nos planos, segundo Sá Leitão.
Para o secretário, a nova instituição é também uma resposta ao tratamento dado aos indígenas pelo governo de Jair Bolsonaro (PL). “Um museu como esse é o que nós podemos fazer de melhor para nos contrapor a toda barbárie e a esse cenário adverso à cultura, ao meio ambiente e aos povos indígenas. É o que pode transformar positivamente as pessoas que interagem com isso. Dificilmente alguém que venha aqui vai sair reproduzindo um discurso preconceituoso e intolerante em relação aos indígenas”, diz.
O Museu das Culturas Indígenas já pode ser visitado pelo público e tem entrada gratuita durante todo o mês de julho.
MUSEU DAS CULTURAS INDÍGENAS
- Quando Ter. a dom., das 9h às 18h; Qui., das 9h às 20h
- Onde R. Dona Germaine Burchard, 451, Água Branca
- Preço Grátis no mês de julho; após, R$ 15. Grátis para indígenas e às quintas-feiras para público geral
- Link: https://museudasculturasindigenas.org.br/
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