“Saber tocar a barriga, como pegar a criança no momento do nascimento, não poder comer muita carne de boi durante a gravidez, para não ter um bebê muito grande, e ter dificuldade na hora do parto”. Essas e outras práticas e cuidados da cultura Warao foram compartilhadas pela parteira indigena, Estela Perez, durante o evento “Tatutuma a nojiba ori yorikitane: Fortalecendo a autonomia e o cuidado das mulheres Warao”. A atividade reuniu mais de cem pessoas entre mulheres, homens e crianças Warao. A ação aconteceu na última quinta-feira (24), na Escola Bosque, no distrito de Outeiro, em Belém (PA) e foi mediada pelo Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), realizada em colaboração com o Comitê de Mulheres do Conselho Warao Ojiduna (CWO), com parceria da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR).

Esse conhecimento ancestral que Estela Perez carrega, sendo uma parteira Warao, foi aprendido com a mãe e já está sendo repassado para a sétima filha, dos onze filhos que a indigena pariu. “Somos mulheres guerreiras, mulheres que não tem estudo, mas temos consciência, conhecimento ”, ensinou Estela durante a entrevista para a assessoria de comunicação do IEB.   

Estela e outras quatro indígenas Waraos, que carregam o conhecimento de parteira, puderam compartilhar com outras mulheres do seu povo, o saber ancestral. A ideia desta atividade é salvaguardar e fortalecer essas e outras práticas para que sejam repassadas para as futuras gerações Warao que se reterritorializam aqui no Brasil. Atualmente, na Região Metropolitana de Belém (RMB), incluindo a capital e os municípios de  Ananindeua, Benevides e Abaetetuba, existem 830 migrantes desta etnia, que se deslocaram da Venezuela. 

Estela Perez compartilhando os saberes de parteira durante o evento. (Foto: Roberta Brandão IEB)

O evento “Tatutuma a nojiba ori yorikitane: Fortalecendo a autonomia e o cuidado das mulheres Warao” foi proposto pelo Comitê de mulheres do Conselho Warao Ojiduna, organização representativa dos indígenas Warao na região metropolitana de Belém, e que nasceu em agosto de 2022. O objetivo é lutar pela garantia e o reconhecimento dos direitos dos Warao como povo indígena no Brasil. 

Esta ação faz parte do Projeto “Povo das Águas – Waraotuma Kokotuka Saba”, desenvolvido  pelo IEB em estreita parceria com a ACNUR, e tem o objetivo de  acompanhar o desenvolvimento

organizacional e institucional do Conselho Warao Ojiduna através de ações de fortalecimento (inter)comunitário, mapeamento de parceiros e articulações para a promoção de direitos enquanto população indígena na condição de refúgio, bem como ações de produções de dados.

Para a Analista Socioambiental do IEB, Clémentine Maréchal é importante destacar o protagonismo do comitê de mulheres do CWO no processo de construção desta atividade, “Acho que o destaque é isso: As mulheres Warao assumindo o processo como um todo, desde a elaboração até a sistematização e a mediação da atividade. Isso é um grande ganho  para a autonomia das mulheres do Conselho e consequentemente para o IEB”, explicou a analista.      

Além da valorização das mulheres, o evento também abordou a temática violência contra mulher. “Sempre em uma perspectiva de tentar compreender quais são os problemas e os desafios que essas comunidades enfrentam sem chegarmos com propostas prontas para as resoluções desses desafios, a ideia é que os Warao, mulheres e homens, jovens e idosos, possam conversar e encontrar ideias para criação de acordos de convivências e assim fortalecer sua autonomia política e viver melhor em comunidade.”, complementa Clémentine. O objetivo desse diálogo foi o de propor acordos de convivência entre homens e mulheres das comunidades Warao em Belém, Ananindeua e Benevides.

O documento que resultou dos debates deste encontro, o acordo de convivência, será sistematizado pelo Conselho Warao Ojiduna e posteriormente, será debatido nas comunidades. Após as contribuições das comunidades, o documento será impresso e distribuído em cada comunidade Warao na Região Metropolitana de Belém.

Para o indigena Norberto Nuñez, o evento foi uma boa oportunidade para refletir e conversar sobre a valorização das mulheres, “ É um evento muito importante porque podemos fazer um intercâmbio de conhecimento entre lideranças de diferentes comunidades e também para chegar a um acordo: parar o maltrato contra as mulheres”, defendeu Norberto que também integra o Conselho Warao . 

“A gente precisa criar espaços comunitários para abordar a temática e a perspectiva de prevenção. Então, eu acho que essa oportunidade de ter sido apresentado a perspectiva das mulheres e dos homens,a partir das crenças de ambos. Inclusive nessa perspectiva cultural da população warao. Então, acho que é um momento de enfrentar desafios, mas também de oportunidades de pôr em prática esses acordos de convivências”, Eliana Moreno, coordenadora da linha de Gênero do ACNUR- Brasil.

Segunda Mariluz Mariano, integrante do Conselho Ojiduna, dedicada a cuidar da pasta das mulheres, e uma das idealizadoras do evento, um dos fatores que contribuiu para a definição do tema da roda de conversa que convidou as parteiras Warao e abordou cuidados e práticas de gravidez, se deu devido a ausência de políticas públicas para acompanhar essas mulheres grávidas. “Pensamos nesse evento, em realizar essa atividade, devido a situação que estamos passando nas comunidades: as mulheres estão morrendo dando à luz dentro desses espaços. E quando são levadas para o hospital não são bem atendidas”, denuncia.

 Mariluz Mariano, integrante do Conselho Ojiduna, dedicada a cuidar da pasta das mulheres, e uma das idealizadoras do evento. (Foto: Roberta Brandão IEB)

Há três semanas, uma indigena Warao grávida de gêmeos e pertencente à comunidade Warao Ajanoko, em Outeiro, perdeu um dos filhos durante o nascimento. Segundo o médico da Unidade de saúde da família de Outeiro, o parto realizado foi o natural, o mais praticado na cultura Warao, entretanto, devido a complicações, mesmo após a procura de assistência no Hospital Abelardo Santos, o bebê não resistiu. A suspeita é que por falta de acompanhamento médico, como o pré natal, a mãe desconhecia a gravidez gemelar.  

Fonte: https://iieb.org.br/noticias/evento-que-fortalece-autonomia-e-o-cuidado-das-mulheres-warao-e-realizado-em-outeiro-pa/

Thank you for your upload