Com presença confirmada na abertura, marcada para 5 de novembro, artistas xinguanos exibem 20 obras entre filmes e fotografias

Silia Moan – Jornalista do ISA

Registros da trajetória da Rede de Comunicadores Indígenas e Ribeirinhos do Xingu+ serão apresentados na exposição Xingu: contatos, no Instituto Moreira Salles (IMS), em São Paulo (SP) – em cartaz de sábado (05/11) a 9 de abril de 2023. Foto e vídeo são os principais meios utilizados pelos comunicadores indígenas e ribeirinhos.

O coletivo, formado há dois anos por 26 jovens de 15 povos diferentes, troca e desenvolve informações essenciais para a elaboração de materiais de comunicação sobre a gestão e proteção dos seus territórios.

Com isso, a rede conectou ainda mais os povos que vivem na região do Xingu, potencializando as denúncias de crimes ambientais e organizando as comunidades por meio do compartilhamento de problemas comuns com ferramentas audiovisuais.

A comunicadora e artista Kujãesage Kaiabi, vive na aldeia Guarujá, no Território Indígena do Xingu (TIX) e irá exibir uma peça audiovisual sobre a devolução da imagem de Prepori Kaiabi, liderança pajé do povo Kawaiwete.

Os registros foram produzidos na década de 1980 pelo Projeto Vídeo nas Aldeias e hoje conta com o olhar de Kujãesage Kaiabi na roteirização e edição das imagens que retornam para as aldeias Kawaiwete do Baixo Xingu.

A cineasta Kaiabi conta que muitas pessoas não conhecem a história e a luta da liderança Kawaiwete. “Nesse filme, eu apresento o trabalho de Prepori Kaiabi para sua família e seu povo e mostro o impacto dessas memórias no dia a dia da aldeia. O mais importante, para mim, foi como ele transmitiu conhecimento para seus filhos e netos. Produzi um documentário curto, mas muito marcante para as nossas vidas”, conta.

Kujãesage kaiabi no registro do encontro de mulheres indígenas de 25 diferentes povos da Amazônia, em 2017
Kujãesage kaiabi no registro do encontro de mulheres indígenas de 25 diferentes povos da Amazônia, em 2017 📷 Marília Garcia Senlle/ISA

Os pensadores indígenas e ribeirinhos utilizam as ferramentas e técnicas audiovisuais para conectar passado, presente e futuro, registrando a cosmovisão dos seus povos e compartilhando com as novas gerações os registros em fotos e vídeos.

Na mostra, eles vão além e compartilham, em um dos maiores centros culturais de São Paulo, suas histórias para que os indígenas e não indígenas possam reconhecer e ensinar aos seus filhos o protagonismo dos povos indígenas do Xingu e de todo Brasil, como afirma o cineasta e curador da exposição, Takumã Kuikuro, da aldeia Ipatse, TIX.

A cineasta e comunicadora Nhakmô Kayapó faz parte do coletivo de cineastas Beture e representa a Associação Floresta Protegida (AFP) na Rede de Comunicadores do Xingu+. Ela irá expor fotografias que apresentam o dia-a-dia do coletivo de cineastas mebêngôkre, apresentando o duplo olhar da artista sobre como eles produzem seus materiais audiovisuais.

Nhakmô destaca que é importante apresentar fotos e vídeos sobre os materiais produzidos pelos coletivos audiovisuais indígenas, para que os produtores e cineastas mebêngôkre possam ser mais valorizados, em especial as cineastas e comunicadoras.

Nhakmô Kayapó e Kujãesage kaiabi esperam que as outras cineastas indígenas tenham mais apoio para aprimorar seus conhecimentos e ocupar espaços de representação. Elas acreditam que a mostra irá inspirar outras comunicadoras a ocuparem espaços de representação na cena audiovisual indígena contemporânea. Ambas estão à frente de formações de audiovisual para outras mulheres indígenas.

Nhakmô Kayapó registra os cineastas do Coletivo Beture entrevistando cacique Takakpe na base de vigilância no Rio Xingu, na Terra Indigena Kayapó - PA
Nhakmô Kayapó registra os cineastas do Coletivo Beture entrevistando cacique Takakpe na base de vigilância no Rio Xingu, na Terra Indigena Kayapó – PA 📷 Rede Xingu+
Troca de saberes

É em parceria e colaboração que os comunicadores do Xingu constroem conhecimentos e se fortalecem a partir da troca de saberes em diferentes espaços. Um deles é o Acampamento Terra Livre (ATL), que acontece anualmente em Brasília e mobiliza os comunicadores na produção de materiais sobre as pautas da mobilização nacional indígena, detalhes das marchas e depoimentos de lideranças de outras regiões.

Bepunu Kayapó, da aldeia Mojkarako, localizada na Terra Indígena Kayapó (PA), irá expor na mostra seu olhar sobre dois mebêngôkre observando o Senado Federal e a Câmara dos Deputados, no ATL deste ano.

O cineasta conta que é muito importante que os comunicadores estejam juntos durante a abertura da mostra, para compartilhar mais detalhes sobre a produção das obras. “Reunimos nossas fotografias e vídeos na mostra para mostrar para todo o Brasil como nós vivemos em nossas aldeias e como nós temos feito o registro das lideranças indígenas durante as mobilizações em Brasília”, diz

Pirakumã pede calma aos policiais nas proximidades do Congresso Nacional, em Brasília, durante a mobilização nacional indígena de outubro de 2013
Em imagem da mostra, Pirakumã Yawalapiti pede calma a policiais em Brasília, durante mobilização em 2013 📷 André D’Elia

“Juntos, vamos olhar e sentir como os nossos trabalhos de comunicação dentro e fora das Terras Indígenas estão ganhando cada vez mais força”, reflete sobre a presença dos nove comunicadores durante a abertura da exposição.

A mostra traz ainda um trabalho inédito do artista Kamikia Kisedje, que iniciou sua trajetória em 2012 fazendo registros em ATLs, assembleias das organizações xinguanas e outras mobilizações indígenas.

Ele conta que no começo da carreira fazia as coberturas das reuniões e encontros indígenas, gravava o resultado em áudios, os copiava em CDs e, ao final da assembleia, entregava as gravações para cada liderança, que os reproduzia nos territórios.

Hoje, o cineasta Kisedje vive na aldeia Kinkatxi, na Terra Indígena Wawi, e é uma grande referência na multiplicação dos saberes audiovisuais entre os comunicadores do Xingu.

Ele é conhecido por ter uma pedagogia crítica e engajada no âmbito da transmissão de conhecimentos sobre produção audiovisual em todo Brasil. Em 2015, Kamikia Kisedje acompanhou o cacique Raoni Metuktire em uma agenda na França, em reuniões com o presidente do país.

“Muitos fotógrafos queriam participar das reuniões, mas eu era o único autorizado a fazer os registros das reuniões”, lembra.

“Durante essa viagem, fiz um registro bem marcante para mim, que é do momento em que o Cacique Raoni entrega uma minuta provisória para que Emmanuel Macron não apoiasse a legalização da mineração em Terras Indígenas no Brasil”.

Na mostra, o artista Kisedje irá apresentar 11 fotografias no território Kisedje, que mostram a floresta do Xingu – ameaçada por invasores. Kamikia conta que uma das fotografias é o registro de um tamanduá em meio ao plantio de soja.

tamanduá
Foto de Kamikia Kisedje mostra tamanduá andando sobre uma área desmatada pela monocultura da soja, no Xingu 📷 Kamikia Kisedje

“O tamanduá estava em uma grande deserto procurando por um abrigo em meio à destruição da floresta, que foi provocada pela monocultura da soja. Eu fiquei muito feliz em mostrar o meu olhar, que utilizo em defesa da Amazônia por meio da lente da das câmeras”, afirma.

Em agosto, se registrou um aumento de 48% no desmatamento em comparação a julho, atingindo a maior taxa de destruição da floresta em 2022 na Bacia do Xingu, segundo os dados do Sirad-X, o sistema de monitoramento da Rede Xingu+.

Só nas Terras Indígenas, foram derrubados cerca de 3,4 mil hectares. Os comunicadores do Xingu+ relacionam o monitoramento que fazem por meio das câmeras ao monitoramento da Rede Xingu+ para contar para todo o mundo como o avanço do agronegócio tem impactado a vida dos povos do Xingu.

Kamatxi Ikpeng, durante a festa de comemoração dos 10 anos do Movimento de Mulheres Yarang (MMY), em 2019
Kamatxi Ikpeng durante a festa de comemoração dos 10 anos do Movimento de Mulheres Yarang (MMY), em 2019 📷 Carol Quintanilha/ISA

Das crianças Ikpeng para o mundo, filme produzido pelo Projeto Vídeo nas Aldeias em colaboração com os Ikpeng,  foi o primeiro filme em que Kamatxi Ikpeng atuou. Hoje, Kamatxi é  comunicador da Rede Xingu+ e produz os seus próprios filmes, como Yarang Mamin, que conta como as mulheres do povo Ikpeng coletam sementes nativas no Território Indígena do Xingu e Kamatxi Cineasta, que será exibido na mostra.

O cineasta Ikpeng conta que o filme é sobre como a cultura está sendo fortalecida por meio da produção audiovisual dos cineastas Ikpeng. “Utilizo a  minha trajetória para contar sobre a chegada das câmeras entre os Ikpeng e o uso que é feito das novas tecnologias atualmente”. Além de dirigir e produzir filmes, Kamatxi Ikpeng faz formações com os Ikpeng mais jovens que desejam aprender a manusear câmeras filmadoras e editar vídeos.

Tradução de mundos

A troca, generosidade e reciprocidade dos comunicadores aciona processos de socialização, produção e transmissão de conhecimento entre os xinguanos. A comunicação possibilita a multiplicação de conhecimentos, o fortalecimento de vínculos e o alinhamento de estratégias entre os diferentes povos do Xingu.

O audiovisual e a sua replicação é a chave que abre as portas para a tradução de mundos entre os comunicadores e suas sociedades. O olhar dos comunicadores do Xingu sobre essas ferramentas possibilita um ensino de correspondência permanente, que acontece fora das aldeias e do beiradão.

Takumã Kuikuro, um dos curadores da mostra – junto com o jornalista Guilherme de Freitas e a assistente de curadoria Marina Frúgoli – afirma que os xinguanos são os donos de suas imagens e escolhem como levar as lutas dos povos do Xingu para museus, festivais, cinemas, redes sociais e exposições.
 
Em cartaz até 9 de abril de 2023, a mostra contará com uma série de atividades paralelas, que serão divulgadas ao longo do período expositivo.  

*A Rede Xingu+ é uma aliança entre as principais organizações indígenas, ribeirinhas e da sociedade civil que atuam nas Áreas Protegidas da Bacia do Xingu. Ao todo são 32 organizações-membro que compõem a Rede Xingu+, sendo elas 22 associações indígenas, cinco ribeirinhas e cinco organizações da sociedade civil. Juntas, elas indicaram 26 comunicadores indígenas e ribeirinhos para formar o coletivo de Comunicadores da Rede Xingu+, em 2019. Acompanhe o monitoramento das principais ameaças à Bacia do Xingu na plataforma da Rede Xingu+.

Serviço:

Xingu: contatos

Abertura: 5 de novembro de 2022
Encerramento: 9 de abril de 2023

IMS Paulista
Entrada gratuita
Avenida Paulista, 2424
São Paulo
Tel.: 11 2842-9120
 Horário de funcionamento: Terça a domingo e feriados (exceto segundas), das 10h às 20h.

Fonte: https://www.socioambiental.org/noticias-socioambientais/instituto-moreira-salles-recebe-em-sp-o-olhar-de-comunicadores-do-xingu

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