Museu Nacional da República recebeu 1.645 visitantes na abertura da mostra fotográfica que conecta arte e luta dos povos do Xingu

Silia Moan – Jornalista do ISA

Comunicadores xinguanos conectam histórias e territórios na exposição “Os Olhos do Xingu”, no Museu Nacional da República, em Brasília 📷 Ariel Gajardo/ISA

A exposição “Os Olhos do Xingu”, inaugurada na última sexta-feira (06/12) no Museu Nacional da República, em Brasília, destaca a luta dos povos indígenas e ribeirinhos da Bacia do Rio Xingu. Por meio de fotografias e vídeos, a mostra oferece um olhar sensível sobre a cultura, os desafios e as ameaças enfrentadas no Corredor Xingu de Diversidade Socioambiental.

Os comunicadores que participam da exposição fazem parte da Rede Xingu+ e conectam, por meio da produção de fotografias e vídeos, o vasto território que se estende por 26,7 milhões de hectares entre os biomas Amazônia e Cerrado, abrangendo áreas protegidas nos estados do Pará e Mato Grosso.

Fundada em 2019, a Rede Xingu+ surgiu em resposta ao avanço das ameaças e pressões sobre o Corredor, demonstrando ao longo dos anos que sua atuação é crucial para a proteção do território e o enfrentamento à crise climática.

A rede congrega 53 organizações e movimentos indígenas, ribeirinhos e da sociedade civil, que operam nas nove unidades de conservação e 22 terras indígenas da Bacia do Xingu, articulados em torno da proteção das vidas do Xingu.

“A foto de uma criança representa a vida livre na aldeia. É isso que queremos: ser livres e saudáveis. Sinto que, como comunicadores, lutamos através da comunicação. Eu me vejo como uma liderança, não tradicional, mas uma liderança que luta pelos direitos, não só dos povos indígenas, mas de todos. Se a gente não falar, todos sofrerão as consequências”, afirma Kujãesage Kaiabi, curadora da exposição.

Durante a cerimônia de abertura, Kujãesage Kaiabi reforçou o papel das imagens como forma de resistência: “Estamos aqui não somente expondo uma foto bonita, mas fortalecendo a luta das nossas lideranças. Nosso papel é muito importante. Somos os olhos do Xingu e lutamos pela proteção contra as ameaças”.

A curadora da exposição “Os Olhos do Xingu”, Kujãesage Kaiabi durante a cerimônia de abertura.
A curadora da exposição “Os Olhos do Xingu”, Kujãesage Kaiabi durante a cerimônia de abertura 📷 Kamikiá Kisêdjê/Rede Xingu+/ISA

A abertura marcou não apenas um momento importante na trajetória profissional e pessoal da curadora Kujãesage Kaiabi e dos oito Comunicadores Xinguanos, mas também um avanço na ocupação de espaços de resistência pelos povos indígenas e ribeirinhos.
“Para mim, essa exposição representa que nós, povos indígenas, podemos ocupar qualquer espaço que desejarmos, incluindo aqueles que são fundamentais na luta pela resistência”, declarou a curadora.

Para o comunicador Kokoyamatxi Renan Suya, a exposição marca um momento histórico para o seu trabalho. “Levar o meu olhar até a capital do Brasil, no espaço mais importante do país, que é o Museu Nacional da República, é uma conquista para nós artistas indígenas e beiradeiros”, contou emocionado durante a abertura da exposição.

O evento contou com a presença de apoiadores e da presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, o que reforçou o reconhecimento da exposição idealizada pelos comunicadores indígenas e ribeirinhos. “Sentir esse apoio é uma confirmação de que nossa voz está sendo ouvida e valorizada”, afirmou Kujãesage Kaiabi.

A presidenta da FUNAI, Joenia Wapichana, aparece em foto na frente do título da exposição
A presidenta da FUNAI, Joenia Wapichana, afirmou a importância da arte como ferramenta de comunicação e resistência 📷 Kamikiá Kisêdjê/Rede Xingu+/ISA

Joenia Wapichana compôs o cerimonial de abertura e destacou a importância da arte como ferramenta de comunicação e resistência: “A sociedade brasileira precisa entender e se engajar nesses esforços, porque a luta por direitos indígenas deve ser uma responsabilidade compartilhada. Por meio do talento e potencial dos povos indígenas, mostramos que queremos apenas ser respeitados nos nossos modos de vida”, afirmou.

Além de Joenia Wapichana, participaram do evento Felipe Ramón Moro Rodríguez, representando a Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal e o Museu Nacional da República; Márcio Santilli, presidente do Instituto Socioambiental (ISA); e Jean-Pierre Bou, chefe-adjunto da Delegação da União Europeia no Brasil.

“Fico muito feliz e fortalecido pelo ministro Jean-Pierre Bou e a presidenta da Funai prestigiar a exposição e reconhecer o nosso papel que é importante na luta pela vida, território e direito”, compartilhou o comunicador Kokoyamatxi Renan Suya.

Também estiveram presentes na abertura Thiago Yawanawá, chefe de gabinete da deputada Célia Xakriabá, e Lucas Marubo, coordenador da Frente Parlamentar Mista em Direitos dos Povos Indígenas, bem como Tukumã Pataxó e Samella Sateré Mawé, representantes da comunicação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).

Serpenteando pelas curvas do Xingu

Após o cerimonial de abertura, o público foi convidado a conhecer as 20 fotografias pela voz dos comunicadores xinguanos, que conduziram uma visita guiada compartilhando as histórias que motivaram a produção das imagens. 

Joelmir Silva e Silva, Kamatxi Ikpeng, Kokoyamaratxi Renan Suya, Kubenkàkre Kayapó, Kujãesage Kaiabi, Nharapá Juruna, Po yre Menkragnotire, Tauana Kalapalo e Yamony Muriki Yawalapiti Kuikuro explicaram os recursos escolhidos para a produção e o tratamento das imagens, além de apresentar as pessoas e lugares retratados.

Graduandos do Departamento de Antropologia da UnB, aparecem em volta dos Comunicadores Xinguanos durante a abertura da exposição
Graduandos do Departamento de Antropologia (DAN) da UnB, em visita guiada pelos Comunicadores Xinguanos 📷 Kamikiá Kisêdjê/Rede Xingu+/ISA

A visita também contou com a presença de 15 alunos da graduação do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (UnB), acompanhados pelo professor e antropólogo Henyo Barreto. A presença dos comunicadores indígenas e ribeirinhos proporcionou um aprendizado enriquecedor, baseado no contato direto com narrativas de quem vive no Xingu.

Os estudantes tiveram a oportunidade de dialogar com os comunicadores xinguanos, que desempenham um papel ativo na representação de suas comunidades, aproximando os futuros antropólogos de uma abordagem mais participativa. Durante a visita guiada, os comunicadores não apenas compartilharam suas visões e conhecimentos, mas também desafiaram os estudantes a refletirem sobre a centralidade da voz indígena e ribeirinha na construção do saber antropológico.

A interação agregou às discussões teóricas a vivência prática, oferecendo uma compreensão mais rica e contextualizada das questões culturais e políticas dos povos do Xingu. Essa experiência sensibilizou os estudantes para as complexidades das relações interculturais, contribuindo para que atuem como profissionais mais conscientes e comprometidos com a justiça social e o respeito à diversidade.

Kokoyamataxi Renan Suya, aponta para sua foto, que retrata um momento de emoção e festa entre o povo Khisêtjê
Kokoyamaratxi Renan Suya apresentou fotografia que retrata festa do povo Khisêtjê, cujo território está contaminado por agrotóxicos 📷 Kamikiá Kisêdjê/Rede Xingu+/ISA

Para o comunicador Kokoyamaratxi Renan Suya, a visita dos alunos e professores universitários teve um papel essencial, pois permitiu que eles se conectassem com as obras e narrativas sobre a diversidade cultural, a importância da biodiversidade e os desafios enfrentados nos territórios do Xingu. Ele destacou que o conhecimento adquirido na exposição pode ser amplamente compartilhado em escolas e universidades, promovendo a conscientização e inspirando ações por um planeta mais saudável. 

Formação do educativo do Museu Nacional da República

Um encontro entre os comunicadores xinguanos e o setor educativo de um museu foi essencial para garantir que a formação dos educadores fosse profunda, respeitosa e representativa das histórias que inspiraram a produção das obras fotográficas apresentadas, especialmente no contexto de uma exposição como “Os Olhos do Xingu”.

Esse tipo de encontro promove um diálogo direto, permitindo que o educativo do museu compreenda, de forma mais detalhada e sensível, as narrativas, os significados e as perspectivas que os comunicadores xinguanos desejam transmitir. 

Por isso, antes da abertura da exposição, os comunicadores da Rede Xingu+ realizaram a formação do educativo do Museu Nacional da República e de Bianca Brivarez e Ro Silva, mediadores, que irão conduzir as atividades até o encerramento da exposição.

Comunicadores da Rede Xingu+ em reunião com o setor educativo do museu
Comunicadores conversam com o setor educativo do Museu Nacional da República, para alcançar os visitantes da exposição 📷 Kamikiá Kisêdjê/Rede Xingu+/ISA

Esse encontro, realizado no dia 4 de dezembro, criou um espaço de aprendizado mútuo, no qual artistas e educadores compartilharam conhecimentos, fortalecendo a qualidade das mediações que serão realizadas ao longo da permanência da exposição “Os Olhos do Xingu”.

Os artistas xinguanos trouxeram vivências que formam o pano de fundo indispensável para que os educadores compreendam os valores e a simbologia dos temas retratados na exposição. A presença dos comunicadores xinguanos assegurou que a visão indígena e ribeirinha permanecesse central no processo de formação, reforçando o protagonismo dos povos do Xingu em narrar suas próprias histórias.

A interação entre os Comunicadores Xinguanos e o setor educativo contribuiu para a promoção de uma abordagem mais inclusiva e respeitosa sobre os temas retratados nas fotografias, tanto para os educadores quanto para o público que visitará o museu.

Com educadores bem formados e alinhados com a proposta dos artistas, o público terá acesso a uma experiência mais rica, ampliando sua compreensão sobre os modos de vida do Xingu. O conhecimento produzido durante a formação incentiva o diálogo entre as práticas educativas contemporâneas e a visão dos Comunicadores Xinguanos, garantindo que o público da exposição compreenda as inspirações que fundamentam “Os Olhos do Xingu”.

O conhecimento é circular

Em uma comunicação que não se separa da vida, as gerações mais antigas de Comunicadores Xinguanos seguem inspirando os mais jovens na produção de imagens criadas a partir de seus territórios de origem.

“Eu tirei essa foto na marcha das mulheres em 2023 para retratar a liderança de Ngrenhkàmôrô Kayapó. Fiz essa edição inspirada em uma fotografia do Kamikia Kisedje. Ele realizou uma edição bonita e poderosa utilizando preto, branco e vermelho em uma foto em que segura uma câmera. Isso me motivou a escolher essa linguagem para editar a foto dessa mulher guerreira da TI Kayapó”, relatou a comunicadora Yamony Muriki Yawalapiti Kuikuro.

Kamikia Kisedje expressou sua alegria ao ver seu trabalho servir como inspiração para Yamony Muriki Yawalapiti Kuikuro na criação de sua obra para a exposição. “Sinto-me verdadeiramente alegre por fazer parte desse grupo talentoso de comunicadores e por estar presente na exposição ‘Os Olhos do Xingu’”, afirmou o cineasta Khisêtjê.

Clique aqui para conferir o depoimento de Yamony Muriki Yawalapiti Kuikuro com os batidores sobre o tratamento da fotografia que compoe a exposição “Os Olhos do Xingu”.

A Comunicadora Yamony Yawalapiti apresenta sua fotografia
Yamony Yawalapiti apresenta a fotografia produzida a partir da inspiração dos tratamentos realizados por Kamikia Kisedje 📷 Kamikiá Kisêdjê/Rede Xingu+/ISA

Ser comunicador, do ponto de vista das sociedades indígenas e ribeirinhas e dos próprios comunicadores, representa uma forma xinguana de produção de conhecimento. Esse processo é fundamental não apenas para os resultados finais das obras, mas também para os métodos de criação, que são inspirados nas trocas entre eles.

A produção fotográfica e audiovisual no contexto xinguano, como destacado na exposição, reflete um processo de conhecimento circular que conecta gerações, experiências e linguagens. Inspirar-se mutuamente é mais do que uma troca técnica; é um modo de criar narrativas visuais que valorizam a memória coletiva e a identidade dos povos do Xingu.

Essa dinâmica, exemplificada pelo diálogo entre Yamony Muriki Yawalapiti Kuikuro e Kamikia Kisedje, demonstra como a comunicação xinguana transcende o individual, reafirmando uma produção colaborativa baseada nos territórios de origem. 

A exposição “Os Olhos do Xingu” torna-se, assim, um espaço onde não apenas as obras, mas também seus processos criativos, revelam a riqueza de uma visão xinguana de mundo — fundamentada no respeito, na ancestralidade e no fortalecimento contínuo das relações entre os “Olhos do Xingu”.

Serviço

Local: Museu Nacional da República – Setor Cultural Sul, Lote 2, Brasília (DF)
Visitação: 6 de dezembro de 2024 a 02 de fevereiro de 2025
Entrada gratuita
Realização: Rede Xingu+, União Europeia, Instituto Socioambiental (ISA)
Apoio: Fundação Rainforest da Noruega
Produção: Incentivem Soluções Culturais
Parceria: Secretaria de Relações Internacionais e Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Governo do Distrito Federal

Fonte: https://www.socioambiental.org/noticias-socioambientais/os-olhos-do-xingu-chegam-brasilia-exposicao-une-arte-resistencia-e

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