Comemoração reuniu representantes de 16 grupos coletores, além de colaboradores, parceiros e apoiadores, no Território Indígena do Xingu
Ludmilla Balduíno – Rede de Sementes do Xingu
Uma grande reunião de pessoas com as mais diferentes culturas, classes sociais, tons de pele, idiomas, religiões e gêneros, unidas em um momento de profundas trocas sobre algo que todas compartilham: a vontade de restaurar a sociobiodiversidade do planeta.
Essa reunião de emoções voltadas a um sentido comunal é o que marca o tom dos Encontrões que a Rede de Sementes do Xingu realiza desde que foi fundada, em 2007. Não foi diferente neste 17º Encontrão, que ocorreu entre os dias 8 e 10 de setembro no Polo Pavuru e na aldeia Moygu, Território Indígena do Xingu (TIX), Mato Grosso. Assista:
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Dessa vez, o Encontrão celebrou os 15 anos de história da Rede, que vem crescendo com autonomia, tanto nos planos individuais e coletivos dos Grupos Coletores e das equipes, quanto nos processos que estruturam a Rede. Sua maneira de funcionar serve de inspiração para que comunidades ao redor do Brasil também organizem suas próprias redes de sementes voltadas para o reflorestamento, a produção de sistemas agroflorestais e o fortalecimento de espécies vegetais nativas e crioulas.
Durante dois dias, cerca de 210 pessoas celebraram as realizações dessa que é a maior rede de coleta de sementes do Brasil. O Encontrão começou com a apresentação de todos os convidados – um grupo formado por 46 pessoas, entre parceiros e apoiadores, que viajaram longas distâncias para chegar ali – e depoimentos de coletores e pessoas diretamente envolvidas no trabalho de transformação da Rede ao longo de sua história.
O trabalho de semear florestas resiste em meio a grandes desafios
A sessão de depoimentos foi aberta com as anfitriãs Magaró e Makawa Ikpeng, que contaram a história do grupo coletor que lideram – o Movimento das Mulheres Yarang, composto por cerca de 90 mulheres que moram, em sua maioria, nas aldeias Moygu e Arayo, vizinhas ao Polo Pavuru (TIX). Juntas, elas já coletaram ao longo de 13 anos pouco mais de cinco toneladas de sementes nativas para o reflorestamento do Cerrado e da Amazônia brasileiros.
“Hoje estamos seguindo firme nesse trabalho, que começou aqui e está se espalhando por todas as partes de Mato Grosso. É bom ver que todo mundo está preocupado com a preservação da natureza, especialmente da água que é a fonte da vida”, disse Makawa.
Água foi uma das preocupações de quem esteve presente no Encontrão. Durante o evento, uma fumaça densa, resultado de queimadas na região, tomou conta da atmosfera, tornando o clima seco e reduzindo ainda mais o nível de água do rio Xingu, principal via de abastecimento da vida no território indígena e no seu entorno. “Quando você queima os matos, você queima as espécies. Vamos segurar as nossas florestas porque não podemos queimar as nossas sementes. A gente não pode abandonar nosso trabalho aqui no Xingu”, disse Akari Waurá, que além de cacique do povo Wauja e coletor da Rede de Sementes do Xingu, também integra uma equipe de brigadistas no Território Indígena.
A resistência dessas comunidades tradicionais vem de longa data. Aos 73 anos, o coletor Placides Pereira Lima, que vive no assentamento da agricultura familiar Manah, no nordeste de Mato Grosso, mandou um recado consciente de que as transformações climáticas são resultado de ações baseadas na ideia de lucro ilimitado: “O importante é plantar. Nós estamos plantando vida, plantando saúde. Nessa corrida do trabalho da Rede, nosso trabalho é de boa vontade e nós estamos em guerra. Enquanto estamos coletando, plantando, outros vêm atrás arrancando. No nosso assentamento, a minha propriedade está cercada de soja. Isso precisa ter um limite. Não significa parar toda a soja, mas a soja tem de respeitar os assentamentos, ela está expulsando os pequenos. Quando eu alugo meu pedacinho de chão, serão cinco anos que eu não vou colher nem uma batata. Às vezes, a pessoa está iludida e fica só esperando receber o dinheiro. Porém, com esse dinheiro, ela está comprando a fome. Porque os pequenos produtores de alimento estão sendo expulsos de suas propriedades para ir para as favelas da cidade”.
Um Encontro repleto de abraços, sorrisos, esperança, cantorias e danças
Mesmo com tantos desafios e ameaças ao trabalho de reflorestar e garantir a vida com diversidade e abundância de água e alimento, o Encontrão também foi um momento de festejar toda a trajetória da Rede de Sementes do Xingu, que começou como uma iniciativa implementada pelo Instituto Socioambiental em 2007, e hoje é uma associação sem fins lucrativos com presença de coletores de sementes nas bacias dos rios Xingu, Araguaia e Teles Pires – uma área de atuação maior do que a do estado do Rio Grande do Sul.
“A gente ficou muito tempo sem poder se encontrar por causa da pandemia, e esse momento foi de celebrar, de encontrar pessoas que fazem essa Rede acontecer. Foi muito especial comemorar os 15 anos da Rede de Sementes do Xingu dentro do território que leva o seu nome, porque foi ali que tudo começou. Os povos do Xingu fizeram o primeiro chamado, ao observar a mudança no território indígena com o avanço do agronegócio. Eles pediram ajuda para restaurar e a Rede nasceu a partir disso”, relembra Bruna Ferreira, diretora-executiva da Rede.
Para celebrar esses 15 anos de restauração da vida, os povos indígenas Ikpeng, Wauja e Xavante apresentaram cantos e danças de festa tradicionais de cada cultura. Também teve uma saída para coletar sementes com as coletoras do Movimento das Mulheres Yarang, seguida pelas estações – exposições sobre os diferentes trabalhos realizados pela Rede e seus parceiros.
Nas estações, os coletores e convidados puderam conhecer as inovações mais recentes no beneficiamento de algumas sementes, desenvolvidas pelos próprios coletores, os trabalhos do grupo de jovens, o modo de funcionamento das Casas de Sementes, as publicações que orientam os coletores a realizar o trabalho (como o Livro do Coletor), detalhes sobre o Fundo Rotativo Solidário, e também puderam assistir ao filme em realidade virtual “Fazedores de Floresta”, sobre a Rede de Sementes do Xingu, lançado em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA) – o maior parceiro da Rede de Sementes do Xingu – em 2021.
Na noite de 10 de setembro, o Encontrão de 15 anos foi encerrado com três bolos, parabéns, um concurso de forró e uma noite de muito lambadão, que só terminou com o desligamento do gerador. A dupla vencedora dessa edição especial de 15 anos do tradicional concurso de forró foi Rymoata e Siry Kayabi, que são casados e moram na aldeia Samaúma, no Território Indígena do Xingu.
Estiveram presentes na festa – e também na Assembleia Geral da Associação, realizada no dia 8 de setembro – participantes dos grupos coletores indígenas Movimento das Mulheres Yarang, Matipu, Yudjá, Kaiabi, Warawara e Kuyuwi (do povo indígena Wauja), Ripá, Paraíso e Pi’õ Romnhama Ubumrõi’wa (do povo indígena Xavante), além dos Grupos coletores de assentamentos da agricultura familiar Bordolândia, Macife, Fartura, Manah e Ceiba, e também os grupos das cidades de Nova Xavantina e Santa Cruz do Xingu.
“Até acontecer o Encontrão eu não sabia o quanto é importante participar da Rede de Sementes do Xingu. Estou me sentindo muito orgulhosa de fazer parte disso tudo. Agora não fico mais em casa não, toda vez que surgir uma oportunidade de encontro eu estou indo! Foi muito bom, estou sem palavras para expressar o tanto que foi maravilhoso”, diz Lourença Costa, coletora no assentamento Manah.
Assembleia Geral aprova a alteração de endereço da sede da Rede
A principal definição da Assembleia foi sobre a mudança de endereço da sede da Rede de Sementes do Xingu para a cidade de Nova Xavantina (MT). Desde a retomada de atividades presenciais seguras após a pandemia, as operações do escritório da Rede estão concentradas na cidade. Antes disso, o escritório ficava em Canarana (MT), nas dependências do Instituto Socioambiental (ISA).
Entre as razões para a mudança, expostas durante a Assembleia, estão a logística facilitada, a presença de um grupo de coletores consolidado, e a parceria com a Universidade Estadual do Mato Grosso (Unemat), em que a Rede ajuda a manter o laboratório de análise de sementes.
Além dos coletores, também estiveram presentes no Encontrão as equipes de trabalho da Rede de Sementes de Xingu e representantes das instituições parceiras ISA, Operação Amazônia Nativa (Opan), Instituto Bacuri, Gusmão & Labrunie, Senselab, WWF Brasil, Black Jaguar, Instituto Sociedade, População e Natureza (Ispn), Rede de Sementes do Cerrado, Associação Cerrado de Pé, Sociedade Brasileira de Restauração Ecológica (Sobre), Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), Redes de Sementes do Vale do Ribeira e do Vale do Paraíba, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-terra do Mato Grosso (MST-MT), Escola Família Agrícola Jaguaribana Zé Maria do Tomé, Polo Socioambiental Sesc Pantanal e Instituto Talanoa.
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O que é a Rede de Sementes do Xingu
Uma associação não-governamental sem fins lucrativos, estruturada por povos indígenas, agricultores familiares e comunidades urbanas localizadas em territórios da Amazônia e do Cerrado no estado de Mato Grosso, Centro-Oeste do Brasil. São mais de 600 coletores de sementes unidos por dois objetivos em comum: a restauração florestal por meio da coleta e comercialização de sementes de diferentes espécies, e a valorização da autonomia dos povos e culturas tradicionais que fazem parte da Rede de Sementes do Xingu — a maior e mais inspiradora rede de coleta de sementes nativas do Brasil.
Saiba mais assistindo ao filme “Fazedores de Floresta”, produzido em parceria com o Instituto Socioambiental:
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