Resolução do Conselho Nacional de Política Indigenista pede ao Congresso Nacional e ao STF para se abster da análise do tema
– Foto: MPI ASCOM
Os membros titulares do Conselho Nacional da Política Indigenista (CNPI) aprovaram a primeira resolução de 2025 no segundo dia da 4ª Reunião Ordinária do órgão consultivo paritário, que ocorreu em Brasília, na sexta-feira (9). A resolução recomenda ao Congresso Nacional e ao Supremo Tribunal Federal (STF) que se abstenham de regulamentar a mineração em Terras Indígenas, especialmente sem garantir o direito à consulta prévia, livre e informada dos povos indígenas e sem uma oitiva com o CNPI.
“Os impactos do garimpo em Terras Indígenas e a mineração nos entornos traz consequências sociais e econômicas destrutivas aos povos indígenas e à natureza. Temos ao menos 30 ministérios envolvidos em operações de desintrusão, que têm como um dos principais problemas o garimpo ilegal. O combate à mineração em áreas indígenas é uma medida essencial de proteção territorial”, definiu a ministra dos Povos Indígenas e presidenta do CNPI, Sonia Guajajara.
A resolução também pede ao Congresso que suspenda imediatamente os trabalhos do Grupo de Trabalho (GT), instituído pelo Senado em 2025, que visa elaborar proposições legislativas para regulamentar a pesquisa e a lavra de minerais em Terras Indígenas sem a devida observância dos direitos previstos nos termos da Convenção nº 169 da OIT, ratificada pelo Brasil, e sem o envolvimento efetivo do CNPI.
Adotada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1989 e incorporada ao ordenamento jurídico nacional em 2004, a Convenção estabelece os direitos dos povos indígenas em serem consultados em relação a medidas que possam afetar seus territórios e suas vidas. A convenção dispõe ainda que essa consulta deve ser livre, prévia, informada e de boa-fé.
STF
Além disso, a resolução do CNPI adverte o Plenário do STF para que reconheça que o artigo 231 da Constituição Federal da Constituição não exige do Legislativo a regulamentação da pesquisa e lavra de recursos minerais em Terras Indígenas. Trata-se apenas de uma possibilidade e, ainda assim, se exercida, precisa respeitar os requisitos constitucionais, como a consulta aos Povos Indígenas. Portanto, não cabe ao Judiciário avaliar o tema por respeito aos princípios constitucionais.
Em março, o ministro Flávio Dino do STF reconheceu a omissão do Congresso Nacional em assegurar aos povos indígenas o direito de reparação por danos decorrentes de empreendimentos hidrelétricos em seus territórios. Ele deu prazo de 24 meses para que o Legislativo regulamente artigos da Constituição Federal que lhes garanta a participação nos resultados da exploração de recursos em seus territórios – inserindo na suposta omissão dispositivos da Constituição que falam sobre mineração – dando ensejo a uma regulamentação imposta da atividade extrativista em Terras Indígenas.
A liminar foi concedida no Mandado de Injunção (MI) 7490. Esse tipo de ação visa garantir direitos e liberdades constitucionais na falta de norma regulamentadora que torne inviável seu exercício. A liminar está ligada ao caso específico das comunidades indígenas afetadas com a instalação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte (UHBM), no Pará. Dino definiu que elas têm direito de participação nos resultados do empreendimento até que a omissão legislativa seja sanada. Ainda segundo a decisão, a medida deve ser aplicada a outros empreendimentos em que haja aproveitamento dos potenciais energéticos de recursos hídricos.
O que diz o artigo 231 da Constituição?
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.
§ 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.
§ 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.
§ 5º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ad referendum do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.
§ 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé.
§ 7º Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, §§ 3º e 4º.
Retomada do CNPI
Após mais de cinco anos de paralisação, a retomada do colegiado em 2024, nos termos do decreto presidencial n° 11.509/2023, é uma conquista do movimento indígena, e vem para fortalecer sua participação democrática nos processos de elaboração, acompanhamento, monitoramento e deliberação sobre a implementação de políticas públicas destinadas aos mais de 305 povos presentes no Brasil.
O CNPI conta com 64 Conselheiros, sendo 30 representantes dos povos indígenas, 30 governamentais, e quatro representantes de organizações indigenistas.
A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, e Dinamam Tuxá, coordenador-executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), foram respectivamente escolhidos como presidenta e vice-presidente para o primeiro ciclo de gestão do Conselho.
Os membros indígenas do CNPI foram eleitos no âmbito da Caravana “Participa, Parente!”, promovida pelo MPI e pela APIB. De novembro de 2023 a abril de 2024, oito encontros ocorreram de maneira descentralizada pelo país para abranger todas as regiões do território nacional, conforme divisão observada pelos indígenas. Ao todo, foram escolhidos pelos próprios indígenas o total de 90 representantes para a composição do CNPI, sendo 30 titulares, 30 suplentes e mais 30 como segundos-suplentes.
A 1ª Reunião Ordinária do Conselho Nacional de Política Indigenista (CNPI) ocorreu entre os dias 17 e 18 de abril, no Salão Negro do Palácio da Justiça, em Brasília. Já a 2ª Reunião ocorreu no Palácio do Itamaraty, entre 8 e 9 de agosto deste ano. A 3ª Reunião é a última de 2024.
Histórico
Em abril de 2024, o movimento indígena comemorou 20 anos de realização do Acampamento Terra Livre (ATL) pelas mãos do movimento indígena. Foi no ATL que a criação de um conselho que avaliasse políticas indigenistas, vinculado ao Palácio do Planalto, surgiu como uma das principais reivindicações. Em 2006, através de um decreto presidencial, houve a instituição da Comissão Nacional de Política Indigenista, que tinha a prerrogativa de elaborar o projeto de lei para a criação do CNPI, para então compor a estrutura do Ministério da Justiça (MJ).
Em abril de 2007, a Comissão foi nomeada e funcionou com reuniões a cada dois meses. A composição contava com 13 representantes do governo, três da presidência, dois do MJ e oito de outros ministérios. Ao todo, 20 indígenas representavam as regiões do país com dois representantes da sociedade civil.
A Comissão tinha caráter temporário e demorou anos para alcançar o status de conselho. Duas das principais pautas da Comissão foram as discussões sobre a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e a apresentação de um novo estatuto dos povos indígenas, que foi entregue ao Congresso para substituir o PL 2.057/1992. Desatualizado, o estatuto foi alvo de consulta e de oficinas feitas nas várias regiões do país entre 2008 e 2009. O texto original foi submetido em plenária do ATL. Outra construção fundamental cujas discussões passaram pela Comissão foi aquela referente à Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas, a PNGATI, instituída por decreto presidencial em 2014.
Já em 2010, o decreto 7.056 reestruturou a Funai sem a participação da Comissão, portanto, sem presença de indígenas. Contudo, em dezembro de 2015, por meio do decreto n° 8.593 assinado pela presidenta Dilma Rousseff, foi criado o CNPI para o acompanhamento das ações do estado referentes aos povos indígenas. Essa versão possuía 45 componentes – 15 do poder executivo federal, dois de entidades indigenistas e 28 representantes dos povos e organizações indígenas.
Em abril de 2016, o Conselho foi instalado, tendo curtíssima duração, pois logo em seguida, a Presidente Dilma Rousseff foi destituída do cargo. Os anos seguintes foram marcados por uma sequência de ações contrárias aos povos indígenas e seus direitos, com um governo explicitamente anti-indígena, empossado em 2019, que rotulou os povos originários como empecilho ao desenvolvimento do Brasil.
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