Realizada na periferia de Manaus, encerramento da iniciativa apresentou os resultados do ensino da língua indígena através do plantio de plantas medicinais
Realizado no bairro Cidade de Deus, em Manaus-AM, o encerramento do Projeto Ninho de Línguas e Saberes Ancestrais ocorreu no último fim de semana (10 e 11). A ação teve como objetivo impulsionar a iniciativa da comunidade Kokama de ensinar a própria língua através do plantio de plantas medicinais. Por meio de uma articulação da coordenação de Promoção de Políticas Linguísticas do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), o projeto foi apoiado pelo Fundo da Embaixada da Nova Zelândia em parceria com o Museu da Amazônia e foi promovido pela Associação das Mulheres Kokama Lua Verde (OMIK), entre dezembro de 2024 a maio de 2025.
Desse modo, por meio do Departamento de Línguas e Memórias Indígenas (DELING) da SEART, o MPI cumpre o papel de articular e apoiar ações dos territórios, o que consequentemente fortalece a chegada de políticas públicas aos povos indígenas. Cerca de 40 pessoas compareceram ao evento, entre elas: estudantes, pais, anciãos, professores, apoiadores, representantes da organização e da comunidade. Foram realizadas atrações culturais, apresentação do Ancião Jairo Kokama apresentando os tipos de cipó de cobra entre outros saberes.
O Ninho de Língua e Saberes Ancestrais (NLSA) é uma iniciativa dedicada ao fortalecimento da língua e da cultura do povo Kokama, promovendo a interação entre crianças, mães, avós, professores e a comunidade como um todo. O evento se dedicou a apresentar os resultados do projeto, focado na valorização e transmissão dos saberes tradicionais e na revitalização do ambiente do Centro de Ciências e Saberes Tradicionais Kokama Lua Verde e na sistematização e organização de artefatos culturais.
O centro existe desde 2000 como local de encontros dos Kokama de Santo Antônio do Içá, no Alto Solimões, Amazonas. Com o apoio do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia, o espaço se transformou em Centro de Ciências e Saberes Tradicionais Kokama Lua Verde, espaço voltado para a realização de encontros, cursos, atendimento a saúde, formação, produção de roupas Kokama, bolsas, colares, entre outros itens que permitem às mulheres Kokama buscar a sua sustentabilidade.
Espírito Vivo
De acordo com Altaci Kokama, coordenadora da Coordenação de Promoção à Política Linguística da Secretaria de Articulação de Direitos Indígenas (SEART), a ação é fundamental para a identidade e continuidade dos conhecimentos do povo indígena mencionado, pois propicia o ambiente de vivência e transmissão em que crianças, mães, avós e a comunidade inteira se reúnem para ensinar e aprender com o tempo da floresta, no compasso da oralidade e do afeto.
“Na cosmovisão Kokama, a língua é mais do que um instrumento de comunicação, ela é um espírito vivo que se aprende pela escuta e pela observação atenta do mundo ao redor. A língua-espírito se manifesta nas práticas cotidianas, como na preparação dos alimentos tradicionais, no cultivo das plantas medicinais, no cuidado com a terra como corpo e território, nos cantos sagrados dos ikaru, na contação de histórias e na escuta sensível da natureza, com seus sons, ritmos e códigos culturais”, disse.
Vitalização de uma língua indígena
A luta pelo fortalecimento da língua Kokama é antiga. Já na década de 1980, os anciãos batalhavam para manter a língua viva e para que a identidade do povo Kokama fosse reconhecida e respeitada.
Nos anos 2000, Altaci tomou a frente do movimento de vitalização da língua junto com os estudantes Kokama do Curso de Licenciatura para Professores Indígenas do Alto Solimões, que se propõe a formar professores indígenas do Alto Solimões para gerir a educação escolar indígena em suas comunidades, com diretrizes pertinentes à educação indígena e ensino diferenciado, específico e com expectativas formuladas pela comunidade.
Cidade de Deus é um bairro periférico de Manaus, porém, mesmo em contextos de periferia, onde a terra é escassa, ela ganha vida quando é cuidada com conhecimento ancestral. Nesse espaço, crianças, professores, anciãos e apoiadores aprendem juntos o equilíbrio e a convivência com a biodiversidade local.
Segundo Altaci, as crianças compreendem que para plantar não é necessário desmatar, nem usar venenos para eliminar formigas ou outras pragas. Elas passam a reconhecer a importância de cada ser naquele ecossistema, entendendo que todos têm uma função na rede da vida. Ao aprenderem a curar a terra, elas também aprendem a cuidar do próprio corpo, da comunidade e do espírito.
“Na língua Kokama, tsa significa ‘folha’, e yakɨtsa é ‘a folha da cabeça’, ou seja, o cabelo. Este é um exemplo de como a língua expressa a ligação profunda entre corpo, natureza e conhecimento. Assim, o projeto integra língua, território e espiritualidade, permitindo que a educação aconteça de forma sensível, afetiva e enraizada na sabedoria dos ancestrais. Assim como outros aprendizados”, descreveu Altaci.
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