Julgamento no STF que pode definir o futuro das terras indígenas de todo o país foi adiado duas vezes; caso deve ser retomado na próxima quarta-feira (1), assegura presidente da Corte, Luiz Fux.
POR HELSON FRANÇA/OPAN
Em plenária realizada no Acampamento Luta Pela Vida na última sexta (27), em Brasília, povos indígenas decidiram manter o movimento para acompanhar o julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o marco temporal, que pode definir o futuro de seus territórios. Seguindo os protocolos sanitários de combate à covid-19, um grupo de mais de mil pessoas continua concentrado nos arredores do Complexo Cultural Funarte (Eixo Monumental) até o dia 2 de setembro e, posteriormente, somará forças à Segunda Marcha das Mulheres Indígenas, que acontece entre 7 e 11 de setembro. Os demais, retornam para as suas terras, de onde permanecerão mobilizados.
Indígenas de 176 povos de todo o país estiveram reunidos na capital federal durante toda a última semana, desde o dia 22 de agosto. O julgamento, que já havia sido adiado em julho, estava marcado para ocorrer na quarta-feira (25), o que não aconteceu.
Na quinta (26), após a leitura do relatório do ministro Edson Fachin, o presidente da Corte, Luiz Fux, encerrou a sessão – sob alegação de que o tempo era exíguo – e determinou a continuidade da apreciação do caso para a próxima quarta (01.09).
“Confiamos que a Suprema Corte irá sacramentar o nosso direito originário à terra, que independe de uma data específica de comprovação da ocupação, conforme defendem os invasores”, afirma o movimento indígena, em carta publicada neste sábado (28). “Pelo poder dos nossos povos, da nossa espiritualidade e da força dos nossos encantados que prezam pelo Bem Viver, nosso e da humanidade, dizemos não ao Marco Temporal”, reforça o texto.
Conforme a Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt), ao menos 400 de indígenas do estado deslocaram-se para Brasília. Uma parte da delegação – 285 pessoas – continua na capital federal e a outra retorna.
Marco temporal
O marco temporal é um entendimento problemático, que defende que os povos originários só podem reivindicar terras que eram ocupadas por eles até a data da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988 – ou áreas que disputavam judicialmente naquele momento.
O argumento contraria a própria Constituição Federal, que no artigo 231 assegura aos indígenas seus “direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”, e atribui à União a responsabilidade em “demarcá-las e protegê-las”.
A tese, defendida por ruralistas e setores interessados na exploração de Terras Indígenas (TIs), ignora remoções forçadas e todas as violências sofridas pelos indígenas antes da Constituição.
O julgamento no STF faz parte de uma ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, que se refere à TI Ibirama-Laklãnõ, onde vivem também indígenas Kaingang e Guarani. A ação (Recurso Extraordinário 1.017.365) possui status de repercussão geral – o que significa que a decisão tomada servirá de diretriz para casos semelhantes no país, em todas as esferas judiciais.
No caso de o argumento do marco temporal prevalecer no STF, todas as terras indígenas que se enquadrem no critério – mesmo as já demarcadas – podem ter a situação revertida, o que geraria uma intensificação de conflitos.
Na avaliação de Eliane Xunakalo, assessora institucional da Fepoimt, a tese do marco temporal representa “uma verdadeira sentença de morte” para os povos originários que ainda buscam a demarcação de seus territórios junto ao governo brasileiro.
“Muitas famílias esperam que essa tese seja barrada para que possam viver em paz em suas terras. A retirada de direitos significa a perda do território dos habitantes originários, e estabelece um cenário de ainda mais violência e tensão no horizonte”, alerta Eliane.
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