Acervo Pessoal: @anapuakatupinamba
Dois anos após sua inauguração, a instalação etnomidiática ỸbỹToré Tupinambá, de Anápuàka Tupinambá Hãhãhãe, continua a ressoar na Ladeira da Glória, no Rio de Janeiro, conectando o passado indígena ao presente urbano por meio de sons sagrados e memória ancestral.
Por: Redação Rádio Yandê | Rio de Janeiro – 25 de setembro de 2024
Hoje, completam-se dois anos desde a inauguração da instalação etnomidiática ỸbỹToré Tupinambá: Sons Sagrados das Terras Tupinambá, criada por Anápuàka Tupinambá Hãhãhãe. A obra fez parte do Projeto Caminhos Ancestrais, com curadoria de Mariana Várzea, e foi inaugurada em 25 de setembro de 2022, na Ladeira da Glória, bairro da Glória, na cidade do Rio de Janeiro.
Memória ỸbỹToré Tupinambá
Fonte: RJ1 / GloboPlay
A instalação utiliza o som como um poderoso meio de reconexão entre os passantes e as raízes indígenas do território, criando uma atmosfera imersiva que transcende o visual, mergulhando profundamente na história e ancestralidade Tupinambá da região. O uso do som evoca memórias que vão além do que pode ser visto, convidando o público a uma experiência de introspecção e desaceleração no cotidiano urbano.
A Batalha e o Massacre de Uruçu-Mirim
A instalação adquire uma profundidade ainda maior quando contextualizada com a Batalha e Massacre de Uruçu-Mirim, ocorrido em 1567, um marco de resistência indígena contra a colonização europeia. Uruçu-Mirim, que significa “abelha pequena” em tupi, era uma aldeia localizada nas proximidades da atual Glória, às margens da Baía de Guanabara.
Nesse local, uma batalha decisiva foi travada entre os portugueses, liderados por Estácio de Sá, e uma aliança indígena formada por Tamoios e seus aliados franceses. O confronto resultou na destruição da aldeia e no massacre de centenas de indígenas. O evento consolidou a ocupação europeia na região, mas também marcou o início de um processo que muitos consideram parte do “holocausto indígena brasileiro” — a tentativa sistemática de erradicar as culturas e identidades indígenas por meio da violência.
Resgate e Memória
A memória desse massacre foi amplamente apagada das narrativas oficiais da cidade do Rio de Janeiro, assunto que não se fala e não se age na cultura, educação, politica pública, mas reverbera o sagrado no subsolo da cidade. Anápuàka Tupinambá, ao trazer à tona os sons ancestrais dos Tupinambá, resgata essas vozes silenciadas e a resistência que ainda ecoa sob a terra. Cada som que foi emitido na instalação não é apenas uma memória, mas uma reconciliação com o passado, convidando os transeuntes a se conectarem com a história do território que hoje habitam.
Ocupação Contemporânea e Criação de Novos Territórios
Além de evocar memórias ancestrais, a obra dialoga com a ocupação contemporânea dos espaços que outrora pertenciam aos povos indígenas. O nome Uruçu-Mirim desapareceu ao longo dos séculos, substituído por novos nomes que não honram essa história. A instalação propõe uma ressignificação desses espaços, trazendo sons e histórias esquecidas de volta ao cotidiano urbano.
Como gesto simbólico, Anápuàka sugere renomear ruas, praças e principalmente a estação do Metrô Rio da Glória para Uruçú-Mirim/Glória. Essa ação não apenas homenagearia as memórias indígenas, mas também serviria como um marco permanente de resistência e presença indígena Tupinambá no coração do Rio de Janeiro.
O PVC como Canal de Conexão Ancestral
Um dos elementos centrais da instalação é o uso inovador foi do PVC (Policloreto de Vinila) como material condutor de som. Associado tradicionalmente à condução de água e esgoto, o PVC ganha um novo significado na obra de Anápuàka: torna-se um canal de comunicação entre os ancestrais enterrados sob a terra e o mundo moderno da superfície. O material simboliza a conexão prática e espiritual entre passado e presente, permitindo que os sons sagrados dos povos indígenas transcendam as barreiras do tempo.
Imersão e Introspecção
A instalação proporciona uma experiência imersiva que incentiva os passantes a desacelerarem e se conectarem com o território de forma mais profunda. O som cria uma ponte entre passado e presente, promovendo uma reconexão espiritual com as histórias e memórias que o solo carrega. A obra convida o público a refletir sobre o impacto de suas ações e sobre a história enterrada sob seus pés.
Diálogo entre Modernidade e Ancestralidade
A obra também estabelece um diálogo entre a modernidade e a ancestralidade, integrando materiais contemporâneos como o PVC com sons ancestrais. Esse contraste reflete a coexistência de camadas históricas que continuam a influenciar o presente. A instalação reforça a ideia de que o passado indígena não foi erradicado, mas segue vivo e atuante nas dinâmicas urbanas do Rio de Janeiro.
PVC como Símbolo de Resistência
Mais do que um material utilitário, o PVC utilizado na obra se transforma em um símbolo de resistência. Ele carrega os sons e cânticos sagrados dos Tupinambá, ressoando através das estruturas urbanas, que muitas vezes tentam apagar essas memórias. Mesmo em meio ao concreto e à industrialização, as histórias e memórias indígenas continuam a emergir e se fazem ouvir.
Componente Espiritual
A obra é carregada de espiritualidade. Cada som emitido evoca uma conexão com os espíritos ancestrais, transformando a experiência em um ritual de reconexão com as forças sagradas do território. Por um breve momento, o espaço urbano se transforma em um território espiritual, onde os passantes podem sentir a presença dos ancestrais.
Um Gesto de Reconciliação
A renomeação de locais significativos, como a estação de metrô para Urussu-Mirim/Glória, seria um gesto de reconciliação entre o passado e o presente. Isso permitiria resgatar e incluir na narrativa oficial da cidade as culturas indígenas excluídas, criando um novo senso de pertencimento e responsabilidade histórica. A instalação de Anápuàka atua como uma ferramenta educativa e cultural, restabelecendo o nome Uruçu-Mirim como símbolo de resistência e identidade no cenário carioca.
Jornada Sonora e Digital
Além da instalação física, o projeto se estendeu ao mundo digital, com playlists e uma rádio web temporária que levaram os sons de ỸbỹToré Tupinambá a um público ainda maior. Utilizando tecnologia como QR codes, os visitantes puderam acessar conteúdos digitais exclusivos, como entrevistas com artistas e podcasts, ampliando a experiência e reforçando o papel da cultura indígena no cenário digital.
Tecnologia e Tradição: Uma Conexão Inédita
A instalação representa uma fusão entre tecnologia e ancestralidade, materializando o conceito de Etnomídia Indígena desenvolvido por Anápuàka a mais de 15 anos. Dois anos após sua inauguração, a obra se consolidou como uma ponte cultural, facilitando o diálogo entre a herança indígena e o público urbano. E agora ocupara temporariamente outros locais na cidade do Rio de Janeiro, em breve será noticiado a todos.
Dois Anos de Impacto Cultural
Nestes dois anos, ỸbỹToré Tupinambá se tornou uma referência em inovação cultural, celebrando a diversidade dos povos originários. Sua capacidade de integrar tradição e modernidade a torna um marco importante no cenário artístico e cultural do Brasil. No segundo aniversário, a obra reafirma seu compromisso com a preservação e divulgação das culturas indígenas, expandindo as fronteiras da arte sonora e da etnomídia.
Com sons sagrados, playlists digitais e intervenções artísticas, ỸbỹToré Tupinambá continua a ecoar as vozes ancestrais que moldam o presente e inspiram o futuro. Ao transformar o espaço urbano em um local de reconexão com a ancestralidade, a instalação ressalta a importância de resgatar e preservar as histórias que formam a verdadeira identidade do território. Ela nos lembra que o passado indígena ainda reverbera sob o solo e continua a influenciar o presente.
Seja um bom ancestral hoje, seja um bom ancestral agora!
Redação Rádio Yandê
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