Foto: Acervo pessoal – UERJ – Abertura da TETECUL 2024 | Auditório do PPGCOM
Comunicando o Tempo: Memoriando, Vivenciando e Vislumbrando.
Cara figuras nós vivemos tempos complexos. Em um mundo que se move na velocidade dos algoritmos não indígenas, onde a comunicação se desdobra em fluxos ininterruptos e informações parecem evaporar segundos após serem emitidas, nos perguntamos: O que é o tempo? Como o entendemos e comunicamos? Essas perguntas, aparentemente simples, carregam um peso que define nossa forma de existir, resistir e criar no presente.
Como comunicador indígena, minha jornada é uma travessia entre a tradição ancestral e o mundo digital. Carrego comigo as histórias e as lições de meus antepassados, ao mesmo tempo em que navego nas ondas da inovação e da tecnologia. Mas, em meio a essa confluência, uma verdade se impõe: o tempo não é o mesmo para todos, e as formas de comunicá-lo também não são.
O Tempo Espiralar: Uma Visão Ancestral Indígena
Para nós povos indígenas, eu estou generalizando 305 nações indígenas originárias, o tempo não é algo linear, nem uma corrida contra o relógio, como tantas vezes o vemos no mundo moderno. Ele é circular, ou melhor, espiralar — uma jornada que conecta passado, presente e a ficção temporal denominada futuro em um contínuo que transcende o imediatismo da vida digital. Cada ação, cada palavra e cada gesto carrega consigo o peso das gerações que vieram antes e das que virão depois.
Essa visão espiralar do tempo é fundamental para entender como nos comunicamos e vivemos. Nossos ancestrais ainda estão presentes na terra, no ar, nas águas, na energia do universo e, principalmente, na memória que carregamos em nossas falas e histórias. Comunicar, para nós, é um ato de resistência e de reconexão. Resistência contra a invisibilidade imposta pela modernidade e reconexão com a essência da nossa existência.
Como povos indígenas e originários, somos guardiões que aprendem e replicantes de uma sabedoria coletiva que ensina a respeitar o ritmo natural das coisas. Em tempos onde tudo precisa ser rápido, onde a notícia deve ser imediata e a resposta mais rápida ainda, trazemos a pergunta: Para onde estamos correndo? O que estamos sacrificando em nome da celeridade?
A Celeridade dos Algoritmos e o Tempo da Resistência
Hoje, grande parte da comunicação está mediada por algoritmos que definem o que devemos ver, quando devemos ver e por quanto tempo. O que parecia ser uma ferramenta de liberdade e conexão tornou-se, em muitos casos, uma prisão invisível, moldando nossas percepções e nos afastando de uma comunicação mais profunda e significativa.
Esse “tempo algorítmico” é a antítese do tempo que carrego como parte da minha cultura e da minha identidade. Ele é um tempo que dita padrões, que empurra para a superfície e ignora as camadas mais profundas da experiência humana. O tempo da comunicação contemporânea, especialmente no ambiente digital, é o tempo do efêmero, da ausência de reflexão, do consumo rápido, fútil e descartável.
Por outro lado, o tempo indígena é o tempo da memória e do cuidado. É o tempo que respeita os ciclos da vida, da natureza e da comunidade. Quando pensamos em comunicação, para nós, não se trata apenas de compartilhar uma mensagem, mas sim de construir um território de escuta, onde as vozes de todos possam ressoar com dignidade e respeito. No tempo indígena, tudo acontece no momento certo para o amadurecimento da fruta.
Comunicar para Resistir e Criar
Ao longo dos anos, através de projetos como a Rádio Yandê e outras iniciativas de conceito da Etnomídia Indígena, tenho buscado utilizar a comunicação como uma ferramenta de resistência e transformação. Resistir, para mim, é mais do que ocupar espaços na mídia tradicional ou nas redes sociais — é garantir que nossas narrativas, nossos tempos e nossas cosmovisões tenham espaço para existir e prosperar.
Resistir, no sentido mais profundo, é proteger o direito de cada povo e cultura de definir o seu próprio ritmo e sua própria maneira de se comunicar respeitando sua cultura. A comunicação indígena é, antes de tudo, uma forma de cuidar: cuidar e proteger as nossas histórias, cuidar das nossas relações e cuidar do futuro que estamos construindo para as gerações que virão.
Nos tempos de hoje e o agora, comunicar é mais do que simplesmente falar ou ser ouvido. Comunicar é criar espaços de reconexão com o que realmente importa. É uma forma de dizer: “Ei! Nós estamos aqui, nossas histórias importam e temos algo valioso a compartilhar com o mundo.”
A Urgência de Ser um Bom Ancestral
Em muitas das falas que tenho feito recentemente, gosto de lembrar as pessoas de uma frase que sintetiza muito do que acredito: “Seja um bom ancestral hoje.” O que isso significa? Significa que as escolhas que fazemos hoje e agora, as palavras que falamos e os atos que realizamos são como sementes já em estado de embrião. Elas germinarão e florescerão no porvir, tornando-se parte essencial da vida das gerações que virão após nós.
Ser um bom ancestral é entender que o tempo é agora. Não podemos esperar para transformar o mundo, para cuidar de nossos territórios e para garantir que as próximas gerações possam viver em harmonia com a natureza e com suas próprias identidades. O que comunicamos hoje se tornará a memória coletiva do amanhã.
O Tempo da Comunicação É o Tempo dos Mundos
Finalizando esta labuta de pensamentos, deixo uma pergunta para todos nós: Como estamos comunicando o nosso tempo? Estamos, de fato, criando caminhos, pontes entre o passado, o presente e o (tal) futuro? Estamos simplesmente reagindo à rapidez imposta por uma sociedade que raramente se detém para ouvir? Não falo de algo biológico, mas da essência de escutar com profundidade – uma habilidade que requer dedicação e intenção, permitindo-nos compreender e interpretar o verdadeiro significado do que ouvimos.
Seja no mundo digital ou na roda de conversa à beira da fogueira, comunicar é, antes de tudo, um ato de escuta. É preciso escutar o que o tempo tem a nos dizer, o que a terra nos ensina e o que as vozes ancestrais estão sempre sussurrando aos nossos ouvidos.
A comunicação não é apenas um meio ou uma ferramenta; é um território sagrado onde podemos nos reencontrar, nos reconstruir e, acima de tudo, nos lembrar de quem somos.
Respiro fundo e concluo
Assim, ao comunicar o tempo, memórias, vivências e visões, eu — Anápuàka Muniz Tupinambá Hãhãhãe — reforço o convite para que todos reflitam sobre a forma como lidamos com o tempo em nossas vidas e em nossa comunicação. O tempo dos mundos é diverso, e cabe a nós encontrar equilíbrio entre a celeridade contemporânea e as pausas necessárias para escutar as histórias que moldam o nosso futuro. Seja um bom ancestral hoje, Seja um bom ancestral agora.
Por: Anápuàka M. Tupinambá Hãhãhãe | Comunicador e Empreendedor Indígena
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Fonte: https://radioyande.com/o-tempo-espiralar-comunicacao-ancestral-indigena-em-um-mundo-de-algoritmos/
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