Por Daniel Camargos*, de São Félix do Xingu (PA) | Foto em destaque: Fernando Martinho | 02/10/23
Forças policiais e agentes de órgãos como Abin, Ibama e Funai organizam retirada de invasores da Terra Indígena Apyterewa, no Pará
O governo federal realiza uma operação de guerra para retirar os invasores da Terra Indígena Apyterewa, considerada a terra indígena na Amazônia mais desmatada nos últimos quatro anos. O território está cercado por centenas de soldados do Exército, policiais federais e da Força Nacional, além de agentes de órgãos como Abin (Agência Brasileira de Inteligência), Ibama e Funai.
Localizada no sul do Pará, a TI Apyterewa tem 773 mil hectares – uma área equivalente a cinco cidades de São Paulo. Cerca de 700 indígenas vivem na porção norte, próximas ao rio Xingu. Segundo o comando da operação, há também registros de indígenas isolados e de recente contato.
A equipe da Repórter Brasil acompanha a operação do ponto mais sensível, a base 2 da Funai, ao lado da Vila Renascer. A comunidade, com 210 casas, comércio e dois postos de combustível, está localizada dentro do território demarcado para o povo Parakanã.
A operação teve início na manhã desta segunda (2), com a chegada de um helicóptero do Ibama às 8h. A aeronave sobrevoou a comunidade por 20 minutos, enquanto as forças policiais intensificaram o cerco nas estradas de acesso e iniciaram a escolta dos oficiais de Justiça que estão entregando as ordens de despejo.
A invasão do território Parakanã por não indígenas começou ainda antes de 2007, quando a Apyterewa foi formalmente criada pelo governo brasileiro. Há cerca de 3 mil famílias não indígenas no território, segundo o comando da operação. Os moradores alegam que a presença de indígenas na região é pequena e que eles estavam no local antes da criação da TI.
Ao percorrer a Vila Renascer na tarde deste domingo (1), a equipe da Repórter Brasil foi ameaçada pelo morador Rogério Silva da Fonseca, conhecido como Goiano. Enquanto outros moradores – vários deles armados – relataram o sentimento de injustiça que sentem com a chegada dos comboios de carros da polícia com giroflex ligado e metralhadoras e fuzis à mostra, Goiano ameaçou sequestrar os jornalistas. Contestado por outros moradores que não concordaram com o plano, ele deu um soco na mão do repórter.
Os serviços de inteligência dos órgãos do governo federal têm todos os moradores da comunidade mapeados. Sabem, por exemplo, que Goiano foi multado por desmatamento pelo Ibama em 3 de agosto de 2021. O valor da multa é de R$ 336 mil. A esposa de Goiano, Lauanda Peixoto Guimarães, é proprietária de um dos postos de combustível da Vila Renascer e também foi multada em R$ 110 mil pelo Ibama por instalar o estabelecimento dentro da TI.
Dos 773 mil hectares da TI, já foram desmatados mais de 55 mil hectares (cerca de 14% do total). Mais da metade da destruição ocorreu nos últimos quatro anos, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Um levantamento do MapBiomas feito a pedido da Repórter Brasil aponta que aproximadamente 98% da floresta destruída na área deu lugar ao pasto para criação de bovinos.
Em 2020, a Repórter Brasil denunciou a venda de milhares de cabeças de gado de fazendas localizadas dentro da TI para grandes empresas do setor, como a Marfrig, e outras regionais, como Frigol e Mercúrio. A prática, no entanto, não cessou. Em 2022, outra investigação da Repórter Brasilrevelou que os invasores forneciam gado indiretamente para a JBS.
Estratégia
As forças policiais começaram a ocupar o território na última quinta-feira (28), partindo principalmente do 52º Batalhão de Infantaria de Selva do Exército em Marabá e passando pelas cidades de Xinguara, Ourilândia do Norte e Tucumã até chegarem a duas bases da Funai, em São Félix do Xingu, onde os acampamentos foram montados. Por todo o caminho, há frigoríficos nas margens das rodovias.
A primeira etapa, segundo informações obtidas com os militares, será realizar a escolta dos oficiais de Justiça que vão entregar as ordens de despejo para os moradores da Vila Renascer.
Na sequência, servidores do Incra vão cadastrar os moradores para inseri-los em programas de assentamento do governo federal. Ao longo da semana, o comércio será fechado pelas forças policiais e a instalação de energia elétrica será desligada.
O acesso à base da Funai é feito pela cidade de Tucumã. Poucos quilômetros antes do acesso uma placa da JBS anuncia: “Compra-se gado”.
São 180 quilômetros de estrada de terra, com várias pontes precárias no trajeto. Na tarde de domingo, comitivas de gado apressadas deixavam a área da reserva indígena. Parte dos animais seguiam embarcados em caminhões e outra era guiada por vaqueiros.
Ainda nesta segunda, uma equipe do Ibama com a Agência de Defesa Agropecuária do Estado do Pará (Adepará) irá realizar um sobrevoo sobre o território para identificar a localização de gado dentro da TI. Em junho, o Ibama embargou as áreas desmatadas e determinou a retirada de 60 mil cabeças de gado em 30 dias, prazo já expirado.
A ação do governo federal cumpre uma decisão judicial e será feita, segundo comunicado do governo, de forma negociada com as famílias. A previsão de duração é de 90 dias e, ainda segundo o governo federal, haverá monitoramento constante para evitar o retorno de posseiros e invasores.
Durante o processo de demarcação da TI Apyterewa, ao longo dos anos 2000, a Funai identificou 1.175 posseiros na área, segundo dados obtidos pela Repórter Brasil por meio da Lei de Acesso à Informação. Desse total, o órgão reconheceu 292 como ocupantes de boa-fé, com direito a compensações por benfeitorias.
Já os 883 restantes foram considerados de má-fé, sem qualquer direito às terras onde estavam instalados. Ao todo, R$ 6,8 milhões já foram pagos pela União em indenizações para a retirada dos ocupantes.
Após a desintrusão da Apyterewa, a força-tarefa vai atuar na vizinha Trincheira Bacajá, ocupando uma terceira base de operação.
*Daniel Camargos é fellow da Rainforest Investigations Network, do Pulitzer Center, em parceria com a Repórter Brasil
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