Desastre. Esta é a definição de Brasílio Priprá, uma das lideranças do povo Xokleng, caso os povos indígenas saiam derrotados do julgamento, no Supremo Tribunal Federal (STF), que invoca o chamado “marco temporal”. Os primeiros prejudicados serão 490 famílias em Santa Catarina, uma das partes arroladas no caso Xokleng. Mas o alcance de uma decisão judicial negativa pode atingir mais de 800 terras indígenas em todo o país. O recurso, que seria julgado em fins de outubro, foi adiado pelo ministro Luiz Fux alguns dias antes da data marcada.
Desde 2017, ano em que o marco temporal foi julgado, o temor só cresce entre lideranças e coletivos indígenas. A tese, defendida tanto por membros do STF quanto pela bancada ruralista do Congresso, é a de que os povos indígenas só teriam direito sobre terras nas quais estavam sob sua posse em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. Esse argumento deve ser usado no julgamento da Terra Indígena Ibirama/La Klãnõ. Se houver ganho de causa para o governo de Santa Catarina, a decisão servirá de base para todas as demarcações de TIs de todo o país.
“Nosso povo fica totalmente prejudicado. É um desastre para a sociedade, que precisa de áreas preservadas. Demarcar terras não favorece somente os indígenas”, defende Brasílio Priprá. “Há duas teses em disputa: o marco temporal, defendido pela bancada ruralista, e a Teoria do Indigenato. O que está em jogo é o conhecimento da negociação dos direitos fundamentais dos povos indígenas.”
Brasílio Priprá durante audiência no STF em 2019 (Foto: Tiago Miotto/Cimi)
Segundo o Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas, feito pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), há 829 terras indígenas com pendências administrativas no Brasil, sendo 21 no estado de Santa Catarina. A TI em questão foi reivindicada pela Fundação de Amparo Tecnológico ao Meio Ambiente (Fatma) em 2009. Da área total, foram concedidas pelo Ministério da Justiça 37.108 hectares aos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, chamada TI Ibirama-La Klãnõ. Nessa região, inclusive, foi construída a Barragem Norte, que passa pelo Rio Itajaí.
Vista da Barragem Norte e o local onde estava instalada a antiga aldeia Xokleng
(Foto: Renato Santana/Cimi)
“As terras indígenas que sofrerão os maiores impactos serão aquelas que estão em processo de identificação e demarcação principalmente nas regiões Nordeste, Sul, Sudeste e Centro Oeste”, revela Antônio Eduardo de Oliveira, do Cimi. Acabam entrando no limbo jurídico inúmeras outras TIs em disputa no Judiciário por terem pendentes os procedimentos e a própria finalização da regularização e judicialização. “Existem também aquelas que estão invadidas por madeireiros, garimpeiros, pecuaristas, pescadores e outros, principalmente a que se encontram os povos de pouco contato ou sem contato na Amazônia Brasileira.”
Brasílio Priprá alerta ainda para uma questão nova que emergiu após Kássio Marques assumir seu cargo como novo ministro do STF. Indicado pelo presidente Jair Bolsonaro, um declarado inimigo dos direitos indígenas, Marques pode pesar a decisão para o lado dos interesses da bancada ruralista. “Acredito que tenha sido uma manobra do próprio governo para que o outro ministro seguinte (Kássio Marques), sabendo que ele é do lado do governo e contra a comunidade indígena, tivesse mais um parceiro do lado dele”, diz.
Protesto do povo Xokleng pela demarcação do território, no ano 2000
(Foto: Clóvis Brighentti/Cimi)
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Edda Ribeiro
Amazonense, é formada em Jornalismo pela PUC-Rio. Tem interesse em Saúde, Gênero, Segurança Pública, Política e Direitos Humanos. Tem passagem como repórter pelo jornal O Dia e assessoria de imprensa em agências cariocas. Já colaborou com reportagens para Revista Viração, Agência de Notícias de Favelas, Alma Preta, Agência Patrícia Galvão, Ponte Jornalismo, Projeto Colabora e Le Monde Diplomatique. (edda@amazoniareal.com.br)
Fonte: https://amazoniareal.com.br/julgamento-do-caso-xokleng-ameaca-mais-de-800-terras-indigenas/
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