Dinheiro de fontes como tráfico de drogas, roubo de carga de caminhões, corrupção governamental e renda não declarada às autoridades fiscais podem ser investidos no desmatamento amazônico com risco mínimo. Se os mesmos recursos fossem investidos na bolsa de valores ou em imóveis urbanos, a inconsistência com a receita declarada logo seria descoberta pelo fisco. O dinheiro ilegal forma uma espécie de nuvem sobre a Amazônia que afeta o que acontece no chão, muitas vezes desafiando a lógica econômica tradicional. A “terra do meio” (Figura 3), uma área no Pará do tamanho da Suíça, esteve essencialmente fora do controle do governo brasileiro por muitos anos (por exemplo, [1, 2]).
Figura 3. Mapa da terra do meio, uma área no Pará do tamanho da Suíça que tem ficado, em grande parte, fora do controle do governo brasileiro. Fonte [1].
A área terra do meio tem sido dominada por traficantes de drogas, grileiros e outros atores ilegais [1,3-6]. Em 2005, após o assassinato de Dorothy Stang (defensora das causas sociais e ambientais amazônicas), foi criado um “mosaico” de áreas protegidas na terra do meio, mas os órgãos ambientais ainda não estabeleceram uma base física na área, planejada desde 2002. Um exemplo de desmatamento inexplicável pela lógica econômica tradicional é fornecido por uma clareira de 6.239 ha (conhecida como o “revólver” por causa da sua forma), que apareceu repentinamente em 2003 na terra do meio [7] (Figura 2). O local ficava longe de qualquer estrada e tinha sido classificado como um dos locais menos promissores em toda a Amazônia em termos do lucro esperado da pecuária, com base no cálculo do preço da carne bovina na porteira da fazenda ([8], p. 50).
Figura 4. “O revolver”, uma área de 6.239 ha na terra do meio desmatada em 2004. Fonte: [7].
Exploração madeireira
A exploração madeireira é um importante impulsionador do desmatamento, embora seu efeito seja retardado e seja difícil de demonstrar estatisticamente porque as áreas com exploração madeireira ativa têm pouco desmatamento, enquanto aquelas onde o desmatamento está em pleno andamento não têm mais madeira disponível para exploração. A venda da madeira também fornece grande parte do dinheiro que paga pelo próprio desmatamento, tanto no caso de grandes como de pequenos atores (por exemplo, [9]).
A extração de madeira facilita o desmatamento ao fornecer estradas clandestinas “endógenas” que são subsequentemente usadas para a entrada de desmatadores [10]. Um exemplo é fornecido pelo desmatamento na região da hidrelétrica de Tucuruí feito por pessoas que aproveitaram estradas endógenas ilegais feitas para exploração de mogno (ver [11]) (Figura 5).
Figura 5. Imagem de Google Earth mostrando desmatamento em volta da Terra Indígena Parakaná, no Pará. Parte do reservatório de Tucuruí aparece no canto superior direto da imagem. O desmatamento na parte inferior esquerda da imagem foi iniciado aproveitando estradas ilegais construidas por madeireiros. Fonte: [12].
A exploração madeireira vem rapidamente proliferando na terra do meio, inclusive em terras Indígenas e unidades de conservação, formando vetores de pressão que levariam a este processo [5, 13] (Figura 6). O início deste mesmo processo pode estar começando agora na região da rodovia BR-319 (Manaus-Porto Velho) com o atual surgimento de ramais ilegais para exploração de madeira [14].
Figura 6. Vetores de pressão na Terra do Meio, com estradas ilegais feitos por madeireiros penetrando unidades de conservação e a Terras Indígena Cachoeira Seca em dezembro de 2015. A situação agravou bastante desde então. Fonte [5].
Mineração
A mineração é outro fator de desmatamento [15]. Os garimpeiros atraídos por áreas com depósitos aluviais podem mais tarde permanecer como posseiros, ou podem investir os rendimentos em terras ou em desmatamento (por exemplo, [16]. A mineração de ferro na área de Carajás justificou um grande programa governamental para promover a agricultura e a pecuária na região e também alimenta fundições de ferro-gusa que extraem madeira da região circunvizinha para carvão [17, 18]. A mineração de bauxita, além dos próprios locais de mina, alimenta uma indústria de fundição de alumínio que gera os impactos maciços causados pelas barragens hidrelétricas construídas para abastecer essa indústria [19]. As barragens estão associadas ao aumento do desmatamento em suas áreas vizinhas [20-22]. [23]
A imagem que abre este artigo, mostra as madeireiras em Novo Progresso, no Pará em pleno funcionamento em 2004 (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
Notas
[1] Greenpeace. 2003. State of Conflict: An Investigation into the Landgrabbers, Loggers and Lawless Frontiers in Pará State, Amazon . Greenpeace International, Amsterdã, Países Baixos. 53 p.
[2] Taravella, R. 2011. Les Rouages contemporains de la déforestation en amazonie orientale. Le cas de la Terra do Meio (Parà, Brésil), IDDRI, analyses 36.
[3] Escada, M.I.S., I.C.G. Vieira, S. Amaral, R. Araújo, J.B. da Veiga, A.P.D. Aguiar, I. Veiga, M. Oliveira, J. Gavina, A. Carneiro Filho, P.M. Fearnside, A. Venturieri, F. Carrielo, M. Thales, T.S. Carneiro, A.M.V. Monteiro & G. Câmara. 2005. Padrões e processos de ocupação nas novas fronteiras da Amazônia: O Interflúvio do Xingu/Iriri. Estudos Avançados 19(54): 9-23.
[4] Fearnside, P.M. 2008. The roles and movements of actors in the deforestation of Brazilian Amazonia . Ecology and Society 13(1): art. 23.
[5] ISA (Instituto Socioambiental). 2016. Madeireiros avançam impunemente sobre os territórios indígenas e ribeirinhos, indicadores de desmatamento aumentam de novo. De Olho na Terra do Meio 1(1): 1-4.
[6] Schönenberg, R. 2002. Drug trafficking in the Brazilian Amazon. pp. 172-207. In: C. Geffray, G. Fabre & M. Shiray (eds.) Globalisation, Drugs and Criminalisation: Final Research Report from Brazil, China, India and Mexico . United Nations Educational and Scientific Organization (UNESCO), Paris, France. 3 Vols.
[7] Venturieri, A., A.P.D. Aguiar, A.M.V. Monteiro, A. Carneiro, D. Alves, G. Câmara, I.C. Vieira, I. Veiga, I. Escada, J. Veiga, J. Gavina, M. Thales, M. Oliveira, P. Fearnside, R. Araújo, S.A. Kampel & T.G. Carneiro. 2004. Sumário executivo da missão de campo na região de São Félix do Xingu/Iriri, 13 a 18 de outubro de 2004. Dinâmica de uso e ocupação do território, dinâmica de população e assentamentos humanos e modelagem computacional. Dinâmica territorial da frente de ocupação de São Félix do Xingu-Iriri: Subsídios para o desenho de políticas emergenciais de contenção do desmatamento. Secretaria de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento: Rede GEOMA, Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), Brasília, DF. 18 p.
[8] Arima, E., P. Barreto & M. Brito. 2005. Pecuária na Amazônia: Tendências e implicações para a conserva ambiental. Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (IMAZON), Belém, PA. 76 p.
[9] Veríssimo, A., C. Uhl, M. Mattos, Z. Brandino & I. Vieira. 2002. Impactos sociais, econômicos e ecológicos da exploração seletiva de madeiras numa região de fronteira na Amazônia oriental: O caso de Tailândia . p. 1-39. In: A.C. Barros & A. Veríssimo (eds.) A Expansão Madeireira na Amazônia: Impactos e Perspectivas para o Desenvolvimento Sustentável no Pará . 2ª ed . Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (IMAZON), Belém, PA.
[10] Arima, E.Y., R. Walker, S.G. Perz & M. Caldas. 2005b. Loggers and forest fragmentation: Behavioral models of road building in the Amazon Basin . Annals of the Association of American Geographers 95: 525-541.
[11] Fearnside, P.M. 2015. Impactos Sociais da Barragem de Tucuruí. p. 37 -52. In: P.M. Fearnside (ed.) Hidrelétricas na Amazônia: Impactos Ambientais e Sociais na Tomada de Decisões sobre Grandes Obras . Vol. 1. Editora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Manaus, AM. 296 p.
[12] Fearnside, P.M. 2019. As Amazon deforestation in Brazil rises, Bolsonaro administration attacks the messenger (commentary) . Mongabay , 03 de agosto de 2019.
[13] Doblas, J. 2015. Rotas do saque: violações e ameaças à integridade territorial da Terra do Meio (PA) . Instituto socioambiental (ISA), São Paulo, SP. 46 p.
[14] Fearnside, P.M., L. Ferrante & M.B.T. de Andrade. 2020. Ramal ilegal a partir da rodovia BR-319 invade Reserva Extrativista e ameaça Terra Indígena . Amazônia Real , 09 de março de 2020. https://amazoniareal.com.br/ramal-ilegal-a-partir-da-rodovia-br-319-invade-reserva-extrativista-e-ameaca-terra-indigena/
[15] Fearnside, P.M. 2019. Exploração mineral na Amazônia brasileira: O custo ambiental. p. 36-43. In: E. Castro & E.D. do Carmo (eds.) Dossiê Desastres da Mineração em Barcarena: Disputas no Território e Comunidades Atingidas . Editora do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA), Universidade Federal do Pará (UFPA), Belém, PA. 253 p.
[16] MacMillan, G. 1995. At the End of the Rainbow? Gold, Land and People in the Brazilian Amazon . Columbia University Press, New York, NY, E.U.A.
[17] Fearnside, P.M. 1986. Os planos agrícolas: desenvolvimento para quem e por quanto tempo? p. 362‑418 In: J.M.G. de Almeida, Jr. (ed.) Carajás: Desafio Político, Ecologia e Desenvolvimento . Editora Brasiliense, São Paulo, SP. 633 p.
[18] Fearnside, P.M. 1988. O carvão do Carajás . Ciência Hoje 8(48): 17‑21.
[19] Fearnside, P.M. 2015. Impactos ambientais e sociais de barragens hidrelétricas na Amazônia brasileira: As implicações para a indústria de alumínio. p. 261-288. In: P.M. Fearnside (ed.) Hidrelétricas na Amazônia: Impactos Ambientais e Sociais na Tomada de Decisões sobre Grandes Obras . Vol. 2. Editora do INPA, Manaus, AM. 297 p.
[20] Barreto, P., A. Brandão Jr., H. Martins, D. Silva, C. Souza Jr., M. Sales & T. Feitosa. 2011. Risco de Desmatamento Associado à Hidrelétrica de Belo Monte. Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (IMAZON), Belém, PA. 98 p.
[21] Barreto, P., A. Brandão Jr., S.B. Silva & C. Souza Jr. 2014. O risco de desmatamento associado a doze hidrelétricas na Amazônia . p. 147-173. In: W.C. de Sousa Júnior (ed.) Tapajós: Hidrelétricas, Infraestrutura e Caos: Elementos para a Governança da Sustentabilidade em uma Região Singular, 1a . ed. Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA/CTA), São José dos Campos, São Paulo, SP.
[22] Fearnside, P.M. 2015. Impactos das barragens do Rio Madeira: Lições não aprendidas para o desenvolvimento hidrelétrico na Amazônia. p. 137-151. In: P.M. Fearnside (ed.) Hidrelétricas na Amazônia: Impactos Ambientais e Sociais na Tomada de Decisões sobre Grandes Obras . Vol. 1 . Editora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Manaus, AM. 296 p.
[23] Esta série é uma tradução atualizada de: Fearnside, P.M. 2017. Deforestation of the Brazilian Amazon . In: H. Shugart (ed.) Oxford Research Encyclopedia of Environmental Science. Oxford University Press, New York, EUA.
Leia os outros artigos da série:
O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 1 – Resumo da série
O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 2 – O que é desmatamento?
O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 3 – Por que o desmatamento é importante?
O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 4 – Detecção por satélite
O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 5 – Ciclos econômicos e especulação imobiliária
O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 6 – Commodities e governança
O Desmatamento da Amazônia Brasileira: 7 – Incentivos fiscais e Posse de terra
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