Encontro sobre os Impactos da Fronteira Agrícola, Desmatamento e Mineração na Região AMACRO discute as mentiras e armadilhas nos discursos de créditos de carbono e do agronegócio

Participantes durante Encontro sobre os Impactos da Fronteira Agrícola, Desmatamento e Mineração na Região AMACRO. Foto: Verena Glass/Fundação Rosa Luxemburgo

POR LÍGIA APEL, DA ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO DO CIMI

“Mãe não se vende!”. Esse foi o grito de indignação dos participantes do Encontro sobre os Impactos da Fronteira Agrícola, Desmatamento e Mineração na Região AMACRO (Acre, Amazonas e Rondônia), realizado entre os dias 22 e 24 de agosto, no Centro Arquidiocesano de Pastoral, em Porto Velho, Rondônia. No evento, os participantes tiveram a oportunidade de discutir as estratégias de implantação do agronegócio e os projetos de crédito de carbono que se implantam na região.

O objetivo foi debater a real situação vivida pelas populações tradicionais, a morosidade na regularização dos territórios e confrontar os planos de desenvolvimento que estão chegando sem pedir licença para as comunidades, além dos conflitos e impactos gerados por eles e as formas de enfrentamento. Os Direitos da Natureza também foram debatidos, já que a continuidade da vida humana depende dela.

Diante dos relatos das lideranças, evidencia-se que a diversidade de vidas é uma das características mais ricas e importantes do mundo, mas, ao retratarem as ameaças e violências sofridas por todos, a intenção de extermínio dessa diversidade também fica evidente.

“É uma barbárie, é um genocídio o que vem acontecendo com os povos indígenas, com a floresta, por causa das invasões. A gente vê aqui o depoimento dos indígenas, ribeirinhos, trabalhadores rurais. O extermínio está em todo lugar”, retrata assustado Tixuá Huni Kuin, cacique da aldeia Boca do Grota, da Terra Indígena Antigo Seringal Curralinho, em Feijó, no estado do Acre.

“É uma barbárie, é um genocídio o que vem acontecendo com os povos indígenas, com a floresta, por causa das invasões”

A comunidade Huni Kuī do Centro Huwá Karu Yuxibu, em Rio Branco, no Acre, teve 100 de seus 200 hectares queimados em 2019. Foto: Denisa Sterbova/Cimi

A comunidade Huni Kuī do Centro Huwá Karu Yuxibu, em Rio Branco, no Acre, teve 100 de seus 200 hectares queimados em 2019. Foto: Denisa Sterbova/Cimi

Para o cacique, só a união dos povos, apoio dos parceiros e as informações verdadeiras chegando a todos será possível defender a vida na Amazônia. “É uma única saída, uma única janela pra poder passar adiante os conhecimentos e poder reunir os diversos povos de diversos estados pra saber os reais interesses que estão por trás desses projetos e poder manter o que é nosso, nossa cultura, nossa tradição, nossa floresta”.

“É uma única saída, uma única janela pra poder passar adiante os conhecimentos e poder reunir os diversos povos de diversos estados pra saber os reais interesses que estão por trás desses projetos”

Interesses ocultos na propaganda de dinheiro fácil foi o que descobriu O Vice-Cacique e agente indígena de Saúde, Edivaldo Tenharim, da Terra Indígena Sepoti, no Baixo Rio Marmelos, município de Manicoré (AM), descobriu que, em propagandas de dinheiro fácil, haviam interesses ocultos. A partir dos conhecimentos e experiências compartilhadas pelos “parentes de outros povos”, o Tenharim entendeu que a empresa que chegou em sua comunidade oferecendo dinheiro para melhorar a vida dos indígenas é, na verdade, um engodo. Ele diz que ficou desconfiado, mas não conseguia entender como estava sendo ludibriado, pois não sabia o que é crédito de carbono ou REDD+ (Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal).

“Uma empresa chegou lá na comunidade apresentando o projeto para nós, o crédito de carbono e o REDD, que eu não sabia o que era e eles não explicaram. Eles apresentaram só o lado positivo do projeto. E o nosso povo ficou bastante animado, até porque ofereceram dinheiro. Muito dinheiro. Disseram que nossa vida ia melhorar, que iam trazer escola, posto de saúde e outras coisas. Mas, agora sei que é pra enganar meu povo”, afirma convicto de que a intenção, na verdade, é a expulsão do povo de seu território para que a floresta protegida renda lucros para a empresa.

“Disseram que nossa vida ia melhorar, que iam trazer escola, posto de saúde e outras coisas. Mas, agora sei que é pra enganar meu povo”

Durante o encontro, os indígenas participaram de dinâmicas em grupos e, posteriormente, partilharam com as pessoas presentes os resultados. Foto: Lígia Apel/Cimi Regional Norte I

“Vi que é um projeto de morte, porque, na verdade, iam nos excluir. Agora sei que só a empresa ia ter lucro e nós íamos ficar no prejuízo”, disse Edivaldo. Convicto, ele completou: “não vamos vender nossa floresta”.

A empresa que Edivaldo se refere é a Green Forest Carbon Consultoria Empresarial Ltda (Floresta Verde Carbono Consultoria Empresarial Ltda, em tradução livre), instalada em Lábrea, sul do estado do Amazonas, que, segundo seu site, está com “um consórcio de 15 propriedades vizinhas, que se uniram para desenvolver atividades de carbono florestal, totalizando 99.035,20 hectares”.

A Green Forest vem visitando as comunidades indígenas da região propondo a compra de crédito de carbono. De acordo com o site, a empresa quer seguir a “tendência mundial”, pois “acredita na visão de que a conservação/preservação dos biomas está diretamente ligada à melhoria de vida dos nossos povos tradicionais, que são os verdadeiros e legítimos guardiões desses territórios”, mas omite que os indígenas asseguram a floresta em pé resistindo a invasores que roubam suas riquezas naturais.

Vozes ecoam indignação e esperanças

“Esse nosso conhecimento, juntamente com conhecimento técnico e jurídico, só vem afirmar ainda mais a realidade que nós vivenciamos dia após dia nessa luta contínua, nessa luta pela defesa dos nossos direitos originários, pela proteção territorial, para que os representantes de governo possam cumprir a Constituição. E essa realidade está tão nítida, mas, ao mesmo tempo, nós percebemos que ainda está muito longe de o Estado brasileiro cumprir com aquilo que já está garantido e que precisa ser garantido”, diz Eva Canoé, da Terra Indígena Sagarana, no rio Guaporé, em Guajara-Mirim (RO).

“Esse nosso conhecimento, juntamente com conhecimento técnico e jurídico, só vem afirmar ainda mais a realidade que nós vivenciamos dia após dia nessa luta contínua”

A indígena lamenta as dificuldades que o governo coloca para concretizar as promessas de melhorias nas políticas de Estado, referindo-se à “morosidade por parte dos poderes [públicos], que deveriam ter uma agilidade maior”. Mas Eva não perde o ânimo nem as forças na luta por justiça, dignidade e vida. “Nós somos os frutos e estamos deixando as sementes de uma ancestralidade que se passou, pois tentaram arrancar nossos troncos, queimar nossas vidas, mas, ainda assim, as nossas raízes brotaram. E aqui estamos, almejando, seguindo na luta e sendo uma luz no fim do túnel”.

“Nós somos os frutos e estamos deixando as sementes de uma ancestralidade que se passou, pois tentaram arrancar nossos troncos, queimar nossas vidas, mas, ainda assim, as nossas raízes brotaram”

Indígenas, missionários e outros participantes se abraçam, cantam e dançam durante um dos momentos do encontro. Foto: Verena Glass/Cimi Regional Norte I

Érika Camarão Oro Mon Canoé, da Terra Indígena Sagarana, de Guajara-Mirim, considera que a luz no fim do túnel está no escutar as comunidades. “É importante, porque quando junta o jurídico [Ministério Público Federal – MPF] e nós, a gente pode falar da nossa realidade, sobre os impactos [dos empreendimentos] que estão acontecendo nas terras indígenas, nas terras tradicionais. Porque a gente está sempre falando, falando, falando, mas, não nos ouvem. Mas, se a gente não denunciar, se a gente não falar, ninguém vai escutar”, diz, referindo-se à participação do MPF no encontro.

Da Terra Indígena Japuira, em Brasnorte, no Mato Grosso, veio a liderança Kamtinuwy Myky, que denunciou um político da região que está usando seu poder para barrar a reivindicação dos Myky de incluir as áreas sagradas que ficaram de fora da demarcação de seu território.

“A gente vem lutando há muito tempo para incluir na demarcação as áreas que ficaram de fora. São áreas nossas, sagradas, que precisamos para nossos espíritos continuarem vivendo com a gente. Mas o processo ficou parado por causa de um rapaz [político] do Brasnorte, que foi a Brasília e conseguiu parar o processo”, denuncia Kamty, dizendo que o interesse do político “no território é porque tem muita floresta ainda que é do povo Myky. E eles querem derrubar para plantar soja, algodão e criar gado. Mas eles não vão conseguir, porque nós somos resistência”.

“A gente vem lutando há muito tempo para incluir na demarcação as áreas que ficaram de fora. São áreas nossas, sagradas, que precisamos para nossos espíritos continuarem vivendo com a gente”

A opinião dos trabalhadores rurais também apresentou resistência no enfrentamento a promessas que envolvem muito dinheiro. O agricultor familiar da comunidade ribeirinha de Calama, em Porto Velho, Luciomar Monteiro da Costa, agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Rondônia, considerou importante o encontro, porque une os povos tradicionais para trocar experiências e caminharem juntos.

“O capital não tem interesse na vida de ninguém. Para ganhar força temos que construir redes e unificar nossa luta. A causa indígena, quilombola, ribeirinhos, pescadores artesanais, dos trabalhadores rurais é de todos nós”, diz Luciomar, lembrando que escutar é fundamental e a Consulta Prévia, Livre e Informada deve ser realizada para qualquer empreendimento que afete os povos.

“Para ganhar força temos que construir redes e unificar nossa luta”

“A causa indígena, quilombola, ribeirinhos, pescadores artesanais, dos trabalhadores rurais é de todos nós”, afirma Luciomar Monteiro, da CPT. Foto: Verena Glass/Fundação Rosa Luxemburgo

Consulta essa que não aconteceu devidamente com os povos Enawenê-Nawê, Manoki (Irantxe), Myky, Nambikwara e Rikbaktsa, no Mato Grosso, quando foi construída a usina hidrelétrica Cachoeirão. Ainda em 2021, o povo Ritbaktsa denunciou a negligência do estado em relação aos impactos causados nos territórios. “Já estamos vivenciando os impactos causados por outros projetos construídos: escassez de peixes, poluição da água e secas muito violentas a cada ano que passa, inviabilizando a navegação de barcos e canoas pelo rio, como é nosso costume”, dizia o documento, conforme matéria do jornal O Globo, do ano de 2021.

Nada foi feito e a hidrelétrica impactou diretamente a vida dos povos. Hololo Yokwali Enawenê-Nawê, presente no encontro, confirma que, desde então, a alimentação básica de seu povo, que é o peixe, está comprometida. “Essa hidrelétrica sujou o mundo todo, matou os peixes. E nós, Enawenê-Nawê, não comemos carne vermelha. Só peixe e frango. E como vamos fazer agora que não tem peixe? Por causa dessa hidrelétrica, a água tá muito suja. Alagou tudo. A comunidade está muito triste, muito preocupada. E agora?”, denuncia aflito, mas considera que o encontro foi importante, ao menos para as autoridades e os outros “parentes” ouvirem o que eles têm a dizer. “Sabemos que não estamos sozinhos. Isso é bom”, afirma sorridente.

“Por causa dessa hidrelétrica, a água tá muito suja. Alagou tudo. A comunidade está muito triste, muito preocupada. E agora?”

Criança do Povo Enawenê Nawê. Foto: Guilherme Cavalli / Cimi

Criança do Povo Enawenê Nawê. Foto: Guilherme Cavalli / Cimi

Empreendimentos que chegam sem avisar, destruindo a floresta, já não é novidade para Rubermar Torá, da aldeia Baixo Grande, da Terra Indígena Baixo Marmelos, em Humaitá, sul do Amazonas. Ele diz que grandes obras se realizaram no tempo dos antepassados e que, agora, não acreditarão nas promessas de que chegam para melhorar suas vidas, muito menos “essas de crédito de carbono e REDD”.

“Muitos do nosso povo já foram dizimados no antepassado, quase exterminado por conhecimento de alguns desses projetos. A gente sabe que onde existem os empreendimentos, eles acabam com a natureza. E a gente sabe que o REDD não é bom para nossas comunidades, sabe que é só discurso. E agora a gente está mais atualizado, com mais conhecimento dos problemas que podem trazer para nós. Estamos alertas. Vamos chegar na aldeia e mostrar tudo isso”, finaliza, com esperança de que seu povo “vai saber dizer não”.

O que o agronegócio esconde

Nos últimos anos, a região do Acre, Rondônia e sul do Amazonas tem vivido um arroubo de desenvolvimento para o agronegócio. Com a sigla AMACRO, o capital de fazendeiros e pecuaristas vem estruturando nessa região uma Zona Especial de Desenvolvimento Sustentável na Amazônia (ZDS). Seu discurso, segundo o site da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia, do Ministério do Desenvolvimento Regional, a “Zona AMACRO foi pensada como um conjunto de ações multisetoriais que visam promover a sustentabilidade ambiental por meio do desenvolvimento socioeconômico por meio da sustentabilidade ambiental sendo esse o ‘guarda-chuva’ de todas de suas ações”.

Mas, na verdade, “a expansão da fronteira agrícola global guiada pelo desenvolvimento da acumulação capitalista, molda novos arranjos territoriais a partir da reapropriação e exploração da natureza e da expropriação de povos indígenas e comunidades tradicionais amazônicas”. Essa é a conclusão do estudo sobre os Projetos e Novas Regionalizações, Matopiba (Maranhão-Tocantins-Piauí-Bahia), Amacro-ZDS Madeira-Abunã e Corredor Noroeste da Amazônia, realizado por Amanda Michalski, pesquisadora da Universidade Federal de Rondônia (UNIR) e atual ouvidora Geral Externa da Defensoria Pública do Estado de Rondônia.

“Esse é o modus operandi do modo de produção capitalista que o capital usa a partir do Estado. Ele usa a máquina pública para reordenar o território em favor das suas necessidades. Então, porto, usina, ferrovia, pontes e estradas não são para atender a demanda, a necessidade dos povos da floresta, muito menos da sociedade da Amazônia, mas pra atender a demanda da expansão da fronteira globalizada”, explica a pesquisadora.

“Esse é o modus operandi do modo de produção capitalista que o capital usa a partir do Estado. Ele usa a máquina pública para reordenar o território em favor das suas necessidades”

Faixa “Agronegócio Mata. MS: campeão de assassinatos no Brasil”. Foto: Arquivo/Cimi Regional Mato Grosso do Sul

Amanda apresentou seus estudos para as lideranças indígenas e ribeirinhas e desvelou as reais intencionalidades do projeto, porque são explícitas. “Essa fronteira que está vinculada às commodities é a expansão do desmatamento, é o aumento da produção da pecuária, é a expansão do monocultivo, da soja”, expõe Amanda, mostrando os processos migratórios.

“Os dados mostram redução de população em uma determinada região e aumento em outra. Então, fica nítido ali, como ocorre o deslocamento dessa fronteira. E não é só uma fronteira política e econômica, ela também é social. São sujeitos que não estão indo por migração espontânea, é uma migração forçada, e que atinge camponeses, povos indígenas e outras comunidades tradicionais, extrativistas, pescadores, ribeirinhos”, relata.

“É uma migração forçada, e que atinge camponeses, povos indígenas e outras comunidades tradicionais, extrativistas, pescadores, ribeirinhos”

Afonso das Chagas, pesquisador e professor do Curso de Ciências Sociais, da UNIR, trouxe para o encontro o seu estudo sobre a Reorganização do Capital na Amazônia e os Impactos da Fronteira Agrícola, Desmatamento e Mineração.

Para o pesquisador, trazer as informações sobre o projeto do agronegócio para os povos indígenas, comunidades tradicionais e trabalhadores rurais é essencial, porque são projetos que afetam a vida pública e que vêm imbuído de um discurso que não é verdadeiro.

“São projetos de governo, institucionais, mas se omite a participação da sociedade e muito menos a participação dos afetados diretamente. E, também, porque é nítida a tentativa de manipular as opiniões através das narrativas. É levado para as comunidades como um projeto que vai promover justiça social e ambiental, mais igualdade. E muitas vezes esses projetos, quando envolvem algum tipo de transferência de recursos, como o mercado de carbono, acaba seduzindo muita gente que está nos territórios”, avalia.

“E muitas vezes esses projetos, quando envolvem algum tipo de transferência de recursos, como o mercado de carbono, acaba seduzindo muita gente que está nos territórios”

O processo de escuta promovido no encontro das lideranças trouxe realidades que chocam por revelarem situações de violência extrema empreendidas contra as pessoas e comunidades. Informações reais que confirmam os dados das pesquisas. “Primeiro porque os direitos dos povos indígenas consagrados na Constituição Federal de 1988 deveriam ter sido concretizados até 1993. Se tivessem sido assumidos pelos governos e pelo Estado brasileiro, obviamente não se estaria fazendo essa discussão. Depois, os depoimentos evidenciam que os projetos estão em andamento. São processos que já iniciaram e estão afetando a vida de todos pelo avanço do agronegócio, da pecuária, agrotóxico sobre áreas indígenas, mineração, desmatamento e apropriação de terras protegidas”, evidencia, dizendo que escutar as pessoas é fundamental.

Mãe a gente cuida

“O REDD+, ou crédito de carbono, não diminuirá a poluição, como prometem os grandes novos investidores da economia verde. É uma grande farsa”, explica indignado Lindomar Padilha, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) – Regional Amazônia Ocidental.

“O REDD+, ou crédito de carbono, não diminuirá a poluição, como prometem os grandes novos investidores da economia verde. É uma grande farsa”

Lindomar Padilha, missionário do Cimi Regional Amazônia Ocidental, fala sobre as “falsas soluções verdes”. Foto: Carol Ferraz/Amigos da Terra

Baseado na Encíclica Laudato Si, que o Papa Francisco fez para “cuidarmos da Casa Comum”, Lindomar lembra o item 171 que revela: “a estratégia de compra-venda de créditos de emissão pode levar a uma nova forma de especulação, que não ajudaria a reduzir a emissão global de gases poluentes. Este sistema parece ser uma solução rápida e fácil, com a aparência de um certo compromisso com o meio ambiente, mas que não implica de forma alguma uma mudança radical à altura das circunstâncias. Pelo contrário, pode tornar-se um diversivo que permite sustentar o consumo excessivo de alguns países e setores”.

“Este sistema parece ser uma solução rápida e fácil, com a aparência de um certo compromisso com o meio ambiente, mas que não implica de forma alguma uma mudança radical à altura das circunstâncias”

De forma simples, Lindomar explica: “as empresas poluidoras dos países ricos do [hemisfério] norte pagarão para os países do [hemisfério] sul [pelas florestas intocadas] e continuarão a poluir [em seus países]”, e destaca o que as lideranças contaram sobre abordagens e promessas das empresas que chegam nas comunidades.

“Nesse contexto, povos indígenas estão sendo assediados por empresas do Norte para que firmem contrato cedendo suas terras e florestas para a captura de carbono”, um dos principais gases causadores do efeito estufa e das mudanças climáticas. “Os indígenas não precisam de projetos para proteger a floresta e a Mãe Terra, já fazem isso desde sempre”, conclui Lindomar.

“Os indígenas não precisam de projetos para proteger a floresta e a Mãe Terra, já fazem isso desde sempre”

Lindomar Padilha durante Encontro sobre os Impactos da Fronteira Agrícola, Desmatamento e Mineração na Região AMACRO. Foto: Verena Glass/Fundação Rosa Luxemburgo

O professor indígena Gersem Baniwa, concordando com as informações de Lindomar, lembra a evolução histórica da humanidade e diz que a separação e o distanciamento da natureza, fez o ser humano abandonar o sentido de ser humano. “A humanidade passou a colocar preço em tudo, mercantilizar tudo, vender tudo. E, agora, quer vender a Mãe Terra. Mas mãe não se vende, mãe se cuida”, adverte.

“É fundamental entender a importância da nossa conexão com a natureza, porque uma vez que se coloca preço nas florestas, na verdade se está colocando preço na vida dos povos, pois eles dependem totalmente da floresta para seguirem vivendo”, conclui.

“É fundamental entender a importância da nossa conexão com a natureza, porque uma vez que se coloca preço nas florestas, na verdade se está colocando preço na vida dos povos”

Marcha Demarcação Já, durante o ATL 2022. Foto: Ângelo Terena/Mídia Índia

Marcha Demarcação Já, durante o ATL 2022. Foto: Ângelo Terena/Mídia Índia

A vida humana não tem preço, assim como não deve ter a natureza, pois as vidas que a compõe também têm direito a existir e ser o que são como são, explica Daniel Maranhão Ribeiro, advogado e assessor jurídico do Cimi Regional Nordeste, que conduziu o debate sobre Direitos da Natureza.

“A natureza é sujeita de direitos como uma ‘pessoa jurídica’, como uma ‘entidade detentora de direitos’ ou por possuir direitos fundamentais, assim como os seres humanos”, explica. O advogado ainda destaca que, sendo fundamental à vida, os direitos da natureza devem “englobar dentro de si os Direitos Humanos e de todos os seres vivos”.

Na Constituição Federal de 1988, além dos artigos que garantem os direitos indígenas, o Capítulo VI – do Meio Ambiente – no artigo 225, garante que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Caminhar juntos para defender a vida

O reconhecimento de que é preciso unir forças com parceiros, pessoas e instituições para a resistência foi unânime entre os participantes.

A CPT, representada por Luciomar, diz que “firmar alianças com quem vive fora do território é uma estratégia de fortalecimento. Também os procuradores, juízes e juristas parceiros devem ser acessados para construir uma proposta de luta unificada e fortalecida”.

Edilaine Guarnieri de Oliveira, da Cáritas Brasileira Articulação Noroeste, reafirma o compromisso de apoio e de caminhar junto com as populações tradicionais. “Assim como na escuta sinodal, nos fortalecemos enquanto instituição, porque levamos e trazemos conhecimentos dos povos e comunidades tradicionais”.

A advogada da Cáritas Brasileira, Bruna Balbi, enaltece o protagonismo indígena lembrando as “diversas lideranças formadas em Direito, que são advogados indígenas, e isso é muito importante para acessar os instrumentos jurídicos em defesa de seus direitos”, afirma.

A coordenadora do regional Cimi Rondônia, Virgínia Miranda de Souza, diz que a decisão de realizar o encontro veio porque é necessário escutar as comunidades para conhecer a realidade de ataques do agronegócio a elas. “Povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos sofrem as mazelas do agronegócio: desmatamento, águas e peixes contaminados, agrotóxico nas pastagens, na soja ou em qualquer tipo de monocultura”, reforça, completando que o momento foi para discutir e decidir como caminhar.

“Povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos sofrem as mazelas do agronegócio”

Importante fonte de alimentação dos Munduruku do Planalto, os igarapés que desaguam no lago Maicá estão ameaçados pelo desmatamento em suas cabeceiras e pela contaminação por agrotóxicos usados nas lavouras de soja. Foto: Tiago Miotto/Cimi

Importante fonte de alimentação dos Munduruku do Planalto, os igarapés que desaguam no lago Maicá estão ameaçados pelo desmatamento em suas cabeceiras e pela contaminação por agrotóxicos usados nas lavouras de soja. Foto: Tiago Miotto/Cimi

O procurador regional da República, Felício Pontes, apresentou diversas situações reais de ameaças e violências sofridas pelas populações da Amazônia. Com sua experiência de mais de 20 anos defendendo as vidas dos povos tradicionais, Felicio é categórico em dizer que a Amacro vem para destruir.

“A Amacro representa uma ameaça extremamente forte para a Amazônia. É mais uma forma de neocolonialismo, porque é um projeto que não é daqui, é de fora. Já é comprovado que essa região é responsável por 12% do desmatamento da Amazônia. Já vivenciamos e sabemos que grandes empreendimentos destroem tudo”, afirma, e diz que a união dos povos e parceiros é a luz no fim do túnel.

Dom Roque Palocci, presidente do Cimi, destacou a presença das várias lideranças e dos parceiros. “Quando conseguimos estar unidos na nossa comunidade, com os demais parentes, com as demais comunidades, tudo se torna diferente. Acabamos por superar tudo aquilo que se aposta hoje, que é justamente na desunião, na divisão do convívio entre nós. Caminhar na contramão do que os inimigos querem, é nossa força”, afirmou Dom Roque, que reforçou a troca de saberes como um dos mais importantes caminhos.

“Caminhar na contramão do que os inimigos querem, é nossa força”

“A perspectiva de caminhar juntos e, sobretudo, nos ajudar a refletir e a enfrentar os desafios por experiências já construídas em outros lugares é fundamental. E a presença do Ministério Público é como um sinal de que não se está indiferente e que se está sabendo dessas limitações que nós enfrentamos”. Precisamos de todos para defender a vida”, concluiu.

Manifesto dos Povos Originários e Comunidades Tradicionais

Ao fim do encontro, os participantes elaboraram o Manifesto dos Povos Originários e Comunidades Tradicionais, onde retratam suas realidades, denunciam as atrocidades cometidas contra eles e a natureza, e reivindicam suas necessidades e direitos.

Acesse aqui o manifesto.

Fonte :

Thank you for your upload