Por Mayra Wapichana (CIR) e Webert da Cruz (IEB)
Evento promovido pelo projeto “Nossa Terra – Nossa Mãe” fortalece a comunicação indígena e incentiva a produção audiovisual nos territórios
A comunicação indígena está em plena expansão no Brasil, com jovens, lideranças e profissionais indígenas se desafiando a aprimorar suas habilidades e ampliar seus conhecimentos. Esse movimento, essencial na defesa dos territórios, também contribui para o fortalecimento da autonomia dos povos e para a gestão ambiental e sustentável.
No contexto do fortalecimento das organizações indígenas na Amazônia, a comunicação se destaca como um eixo central. Por meio das Redes de Comunicação, as comunidades têm ganhado espaço em ações estratégicas voltadas para a gestão ambiental e territorial das terras indígenas.
Com essa visão, o Conselho Indígena de Roraima (CIR), o Instituto Terra Brasilis (ITB), a Operação Amazônia Nativa (OPAN) e o Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), com apoio da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), implementam o Projeto “Nossa Terra – Nossa Mãe”, com o objetivo de fortalecer os povos indígenas na conservação da biodiversidade e proteção de seus territórios.
Entre os dias 13 e 16 de agosto, o projeto realizou uma atividade fundamental no eixo de comunicação: o Encontro de Redes de Comunicação Indígena. O evento aconteceu no Centro Regional Lago Caracaranã, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Normandia (RR), reunindo jovens da Rede Wakyaa de Roraima e da Rede Vozes da Mata do Sul do Amazonas (SulAM). Além de promover o diálogo entre comunicadores, o encontro celebrou a troca de saberes ancestrais, a construção coletiva de novos saberes e as estratégias de atuação dos povos indígenas na Amazônia.
Rede Wakywaa
Participaram 28 jovens da Rede de Comunicadores Wakywaa, cujo nome, em Wapichana, significa “contando a nossa história”. Criada em 2020 durante a pandemia de Covid-19, a Rede se consolidou como uma referência em comunicação indígena em Roraima, sendo um importante veículo de visibilidade das lutas dos povos indígenas. A Rede abrange dez regiões: Serra da Lua, Raposa, Surumu, Baixo Cotingo, Serras, Amajari, Tabaio, Alto Cauamé, Murupu e Wai-Wai, com membros indicados pelas lideranças locais.
Entre os participantes, destacou-se Wey Marques Tenente, jovem comunicador indígena da comunidade Araçá, na região de Amajari. Conhecido como “Wey Tenente”, seu talento fotográfico chamou atenção durante a oficina, onde utilizou equipamentos de alta qualidade para aprimorar suas habilidades. “Essa oficina foi muito importante, e levarei para minha comunidade os novos conhecimentos que adquiri aqui. Aprendemos muito sobre técnicas, roteiros e outros produtos”, disse Wey, que também se preocupa com a gestão do território de sua comunidade.
A Rede de Comunicadores Wakywaa faz parte do Departamento de Comunicação do CIR, coordenado por Márcia Fernandes, jornalista e mestre em comunicação do povo Wapichana. Ela destacou a relevância do encontro: “A comunicação não pode se dissociar da defesa dos direitos indígenas e da proteção e gestão dos territórios. Pelo contrário, é uma ferramenta essencial para fortalecer essas lutas. Participaram jovens comunicadores e lideranças preocupadas com o presente e o futuro de suas comunidades. Esse encontro foi fundamental para a execução do projeto ‘Nossa Terra – Nossa Mãe’”, afirmou Márcia.
Rede Vozes da Mata
A Rede Vozes da Mata, formada por comunicadores indígenas dos povos do rio Purus e Madeira, no sul do Amazonas, tem desempenhado um papel crucial ao demarcar as telas e narrar as profundidades na Amazônia. Através da produção de narrativas, esses comunicadores criam pontes entre seus territórios e o mundo, assegurando que as lutas e as culturas indígenas ganhem visibilidade e protagonismo. A rede não apenas registra, mas também fortalece a preservação cultural e a defesa dos direitos territoriais, sendo uma ferramenta vital para a autonomia e gestão ambiental dos povos indígenas do SulAM.
O lançamento oficial da articulação de comunicadores e comunicadoras indígenas do Sul do Amazonas aconteceu no dia dos povos indígenas em abril deste ano e marcou um ponto crucial para o fortalecimento dessa luta. Foi um passo significativo na defesa dos territórios e modos de vida dos povos indígenas, consolidando a comunicação como um pilar da resistência e autonomia na região. No encontro de redes de agosto participaram 15 comunicadores e comunicadoras indígenas do Vozes.
Essa articulação foi enfatizada por Cleiton Jiahui, da Vozes da Mata, que compartilhou sua visão sobre o encontro: “Foi uma experiência muito oportuna para os dois núcleos de comunicação. A comunicação, dentro e fora dos territórios, é de extrema importância, e essa atividade conjunta foi relevante para entendermos o projeto e as narrativas que estarão dentro dos territórios e nas ações futuras. Durante muito tempo, a comunicação foi colocada em segundo plano, mas hoje é essencial frente às atuais situações, como as grandes queimadas nos biomas amazônicos, as estiagens nos rios e as mudanças climáticas globais.”
Caminhada coletiva
Além das reflexões e trocas de visões compartilhadas por comunicadores como Cleiton Jiahui, o evento também foi marcado por debates, grupos de trabalho, aulas teóricas e práticas, além de trocas de experiências entre as duas Redes. O objetivo foi fortalecer as práticas já desenvolvidas pelos comunicadores e ampliar seu conhecimento técnico sobre o uso de ferramentas tecnológicas e digitais.
Um dos principais resultados do encontro foi o planejamento para a produção da série documental “Nossa Terra – Nossa Mãe”, que contará as histórias, lutas e conquistas dos povos indígenas, abordando temas como a gestão territorial, a preservação ambiental, o bem viver coletivo e a autonomia dos povos.
O encontro também contou com a participação do Coletivo 105, dedicado a produções audiovisuais de impacto social, político e cultural, além de colaboradores das organizações parceiras do projeto. O Coletivo 105, em especial, estará acompanhando e apoiando a produção da série, fortalecendo e acompanhando cronogramas e resultados obtidos junto aos indígenas.
Visão estratégica
Sara Gaia, coordenadora do Programa Povos Indígenas (PPI) do IEB, destacou a importância da comunicação indígena: “O projeto ‘Nossa Terra – Nossa Mãe’ nos dá a oportunidade de concretizar um sonho antigo de fortalecer a comunicação a partir do olhar e da perspectiva indígena. Há anos trabalhamos para fortalecer as redes Vozes da Mata e Wakywaa em parceria com organizações indígenas do sul do Amazonas e com o CIR. A proposta do projeto inaugura um novo momento, com uma comunicação que envolve a perspectiva indígena, trazendo os comunicadores para produzir e falar tanto para fora quanto para dentro dos territórios, com planejamento e qualidade.”
Ela acrescentou: “Agora, com o olhar dos comunicadores indígenas e o apoio das organizações parceiras, a comunicação se fortalece sendo uma ferramenta de luta, transformação e visibilidade das ações nos territórios.”
Com o fortalecimento das Redes de Comunicação Indígena e o planejamento da série documental “Nossa Terra – Nossa Mãe”, o segundo semestre de 2024 marca um novo ciclo. A partir desse período, os comunicadores indígenas de Roraima e SulAM estarão produzindo conteúdos em suas terras, destacando suas histórias, saberes e fazeres. Essa ação reforça a comunicação como um instrumento de fortalecimento cultural, resistência e gestão territorial, ampliando a visibilidade das conquistas desses povos.
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